Esta matéria foi publicada originalmente na edição de 17 de novembro de 1965 do Correio. Sua republicação faz parte do projeto Brasília Sexagenária, que até 21 de abril de 2020 trará, diariamente, reportagens e fotos marcantes da história da capital. Acompanhe a série no site especial e no nosso Instagram.
Com o Cine Brasília engalanado, foi inaugurada na noite de anteontem, a I Semana do Cinema Brasileiro, sendo apresentados os filmes “A hora e a vez de Augusto Matraga”, de Roberto Santos, e o curta metragem “O Circo”, de Arnaldo Jabor.
Além da sociedade brasiliense, de autoridades civis e militares, compareceram os astros, estrelas, diretores, produtores e críticos componentes das delegações que vieram de São Paulo, Rio de Janeiro e Belo Horizonte para participar da mostra e dos conclavos que estão sendo realizados.
INAUGURAÇÃO DA MOSTRA
Após a apresentação solene das delegações aos convidados, falou o representante do Prefeito do Distrito Federal dando as boas vindas aos visitantes e enaltecendo o que classificou de um dos mais pujantes meios de comunicação cultural do Brasil de hoje.
Em nome dos produtos de filmes brasileiros falou o cineasta Ronaldo Lupo sobre [ ] e que mostras, como a que ora se realiza em Brasília, despertam os homens que fazem cinema, pois são oportunidades de mostrar ao grande público o trabalho imenso que realizam. Nêsse sentido, agradeceu ao presidente da Fundação Cultural do Distrito Federal pela colaboração que empresta ao cinema nacional.
ROBERTO SANTOS
Apresentando o seu filme “A hora e a vez de Augusto Matraga”, o diretor Roberto Santos disse não ser esta a sua obra definitiva mas que ficaria satisfeito se o seu filme fosse considerado como mais um esforço do cinema brasileiro na busca de seu caminho.
APLAUSOS
Tanto no final de “O Circo”, como no de “A hora e a vez de Augusto Matraga” a platéia não regateou aplausos às duas obras que são na realidade duas expressões altas da cinegrafia nacional.
Na noite de ontem foram apresentados ‘Um Ramo para Luísa’, de J.B. Tanko, e “Menino do Engenho”, de Walter Lima Júnior.
Com um discurso sério de Ronaldo Lupo, uma explicação não muito propícia do sr. Pedro José Chediack, e muito bom humor, além de alguns apartes e sugestões, os artistas brasileiros que se encontram em Brasília prestigiando a I Semana do Cinema Brasileiro foram recebidos ontem pelo Serviço de Censura do Departamento Federal de Segurança Pública, em pre-
A reunião, marcada para as 11 horas, somente começou às 11h30, em face do atraso na chegada dos astros, que, muito bem humorados, mantiveram, de imediato, contato com os dirigentes e jornalistas que os aguardavam no 4º andar do Edifício do BNDE.
LUPO: ELOGIOS E REIVINDICAÇÕES
Falando em nome do Sindicato Nacional da Indústria Cinematográfica do qual é Presidente e “representando, com muita honra, todos aqueles que fazem cinema em nossa terra, “ o ator Ronaldo Lupo declarou ao Chefe da Censura que “aproveitando a oportunidade para expôr também determinado aspecto por que passa a cinematografia brasileira, com o fim especial de solicitar suas vistas e suas determinações no sentido de uma eficiente solução”. A seguir o ator expôs problemas de ordem jurídica que estão impedindo o estímulo e o crescimento do cinema nacional. Aludiu à legislação em vigor para a exibição, em todo o território nacional, de filmes brasileiros, denunciando, que em muitas cidades do interior e até em Capitais, essa legislação está sendo flagrantemente desrespeitada.
Após fazer elogios ao comportamento da Censura, o ator Ronaldo Lupo apelou ao sr. Pedro José Chediack no sentido de interferir junto ao Governo Federal para evitar essa série de entraves que a produção de filmes nacionais está enfrentando.
CHEDIACK: EXPLICAÇÕES
O chefe do Serviço de Censura e Diversões Públicas do DFSP fez, em seguida, uma análise dos problemas que seu órgão está enfrentando no âmbito federal como nos Estados. Fez uma série de considerações de ordem técnico-jurídicas, para assinalar que existem, regulamentando o trabalho da Censura, nada menos de 48 diplomas legais, muitos dêles paradoxais empurrando, assim, a ação dos censores e do próprio órgão.
TODOS PRESENTES
Além dos organizadores da I Semana de Cinema Brasileiro, compareceram ao encontro de ontem todos os dirigentes dos órgãos da DFSP, todos os censores, senhores da sociedade, artistas, produtores, diretores e outras figuras ligadas ao cinema brasileiro.
Dentre os presentes destacaram-se Jece Valadão, Vera Viana, Cy Farney, Betty Faria, Valter Lima Júnior, Izabela, J.B. Tanko, Sonia Dutra, Roberta, Rex Endsleigh, Joana Fomm, Brigadeiro Précer [ilegível], Paulo César Sarraceni, Sérgio César Sarraceni, David Neves e outros.
CRIME DE AMOR
Após o encontro no gabinete do Chefe do Serviço de Censura, os artistas, diretores e produtores assistiram ao filme “Crime de amor”, no auditório do BNDE.
I Semana do Cinema Brasileiro - “A Hora e a Vez de Augusto Matraga”
Sidnei Paiva Lopes
Entre “O Grande Momento” e o filme de abertura da I Semana de Cinema Brasileiro, há um intervalo de 7 anos. Nesse tempo todo Roberto Santos trabalhou em documentários comerciais e teve a oportunidade de preparar cuidadosamente a realização do mais maduro dos filmes brasileiros.
Falando na abertura da semana, Roberto Santos disse que ficaria satisfeito se “Matraga” tivesse um lugar ao caminho que o Cinema Novo empreende em busca de sua afirmação. Estamos certos que o lugar já está garantido.
Propor-se a levar Guimarães Rosa para o cinema, e resolver de maneira tão brilhante todos os problemas que se antepunham, é trabalho para poucos homens de cinema. Todo o regionalismo que se impregna as páginas de Guimarães Rosa salta das imagens de Roberto Santos. De um estilo literário vibrante, uma linguagem cinematográfica vigorosa, perfeita, em que cada imagem se diz muito.
A recuperação lenta e pausada de Nhô Augusto, física e moral, se constituía, por certo, num desafio à capacidade de qualquer cineasta. Roberto Santos, ao aceitar o desafio, criou os melhores momentos de nosso cinema. O homem que se havia mistificado vai se humanizando novamente, à medida que nêle ressurgem os desejos humanos, os pequenos vícios, a vontade de lutar. Esta, Augusto não perdera totalmente. Êle apenas refreou sua fúria, enquanto se recuperava. Na primeira oportunidade que lhe surgiu, voltou a matar e descarregou tôda a sua potência, cuidadosamente armazenada, contra aquêles que poderiam ser seus próprios aliados. O seu grito louco, no final, é o reconhecimento da inutilidade da luta em que se empenhou, da negatividade dos resultados atingidos.
A música de Geraldo Vandré, serve de elemento de ligação entre as sequências, acompanhando os movimentos lentos da câmera, ou disparando com ela em meio do cerrado mineiro...
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