Esta matéria foi publicada originalmente na edição de 27 de agosto de 1992 do Correio. Sua republicação faz parte do projeto Brasília Sexagenária, que até 21 de abril de 2020 trará, diariamente, reportagens e fotos marcantes da história da capital. Acompanhe a série no site especial e no nosso Instagram.
Mais de 80 mil pessoas, segundo os organizadores, se aglomeraram ontem diante da rampa do Congresso Nacional em uma manifestação que aclamou a renúncia e o impeachment do presidente Fernando Collor. Vieram caravanas de todo o País, trazendo pessoas que quiseram demonstrar sua insatisfação com a onda de denúncias contra o Governo, na frente do Congresso, onde estava sendo votado o relatório da CPI de PC Farias. Representantes de todos os oito partidos de oposição que compõem o Movimento Democrático Contra a Impunidade, que organizou o ato, subiram ao palanque para garantir ao povo que a aceitação do relatório por 16 votos a cinco consolidada, dentro do Congresso, a vontade de que o Presidente saia do Governo.
Mesmo com a forte chuva que ocorreu por volta das 16h30, o público não se dispersou, fazendo tendas improvisadas com sacos de lixo ou lona. Cada um pediu a renúncia como pôde, com o rosto pintado de preto, ostentando bandeiras do Brasil com tarjas pretas ou faixas pintadas com pedidos de renúncia. deitados no chão, se recuperando do cansaço da viagem, os membros das caravanas esperavam com ansiedade o resultado final da votação. Quando foi anunciada a aceitação do relatório, a multidão vibrou, voltando a entoar as palavras de ordem que ecoaram por toda a Esplanada durante a tarde de ontem. Os sindicalistas, em um carro de som, lembravam que a chuva teria vindo para purificar o País.
O vice-presidente da CPI de PC Farias, senador Maurício Corrêa (PDT-DF), subiu ao palanque logo depois da votação, lembrando que não dormia há três dias por conta do final dos trabalhos, mas garantiu que vai dormir com a consciência tranquila por ter feito o que era necessário para resgatar a dignidade do País. Ele fez a multidão se levantar e aclamá-lo quando pediu a renúncia meditada de Collor. Membro da subcomissão de bancos da CPI, o deputado federal Sigmaringa Seixas (PDT-DF), afirmou no palanque que a conclusão da CPI é histórica e vai mudar os rumos do Brasil, fortalecendo a vitória da moralidade. “Nunca a Nação teve um presidente tão corrupto, que tivesse insultado a tal ponto o povo brasileiro. Renúncia já”, exigiu o deputado.
No final do ato da rampa, discursaram no palanque os líderes dos partidos de oposição que fazem parte do Movimento Democrático contra a Impunidade. Os esperados com mais expectativa foram os presidentes do PT, Luís Inácio Lula da Silva, e do PSDB, Tasso Jereissati. Lula disse que a primeira etapa do processo de moralização do País foi concluída com a aceitação do relatório da CPI. A segunda fase vai se dar na próxima sexta-feira, de acordo com o presidente do PT, quando o movimento vai entregar ao Congresso Nacional um pedido pelo impeachment do presidente Fernando Collor.
Lula aproveitou para conclamar a multidão presente no ato a não se desmobilizar, afirmando que “a luta continua até que o Collor seja afastado do cargo”. O ex-governador da Bahia, Waldir Pires, se pronunciou em nome do presidente do seu partido, O PDT, Leonel Brizola. O governador do Rio de Janeiro foi convidado a participar da manifestação, mas não compareceu. Ao dizer que tinha uma mensagem de Brizola, Waldir Pires foi longamente vaiado pelo público, dificultando o final de sua declaração.
Manhã começa com Brasília de luto
Os brasilienses amanheceram de luto no dia da votação final do relatório da CPI que investiga as atividades do empresário Paulo César Farias, o PC. Logo cedo, estudantes de diversas escolas e faculdades do DF se concentraram em frente à rampa do Congresso Nacional, numa vigília nacional em favor do impeachment do presidente Fernando Collor de Mello. Desde o início da manhã e até por volta de meio-dia cerca de quatro mil pessoas, na maioria jovens, reforçavam o coro pela saída do presidente Collor. Cada um utilizava as mais variadas formas de protesto contra o atual governo, enquanto dentro do Congresso parlamentares e integrantes da Comissão Parlamentar de Inquérito do caso PC davam encaminhamento ao relatório.
Um palanque foi montado em frente à rampa do Congresso por entidades sindicais e partidos políticos que falavam à multidão local. O clima era tranquilo, mas mesmo assim cerca de 500 PMs cercaram o Congresso para garantir a segurança da Casa. A cada hora chegavam caravanas de estudantes de Anápolis e Rio Verde (GO) e Uberlândia (MG), além de vários outros estados.
Durante toda a manhã os protestos foram pacíficos, marcados pela irreverência dos adolescentes, muitos acompanhados dos pais, como aconteceu com os estudantes Rodrigo de Oliveira Costa, de 15 anos, e Carlos de Oliveira Costa , de 14 anos. Ajudados pela mãe, Elza de Oliveira Costa, os dois empunhavam uma bandeira do Brasil atravessada por uma tarja preta. “Vim para apoiar, a fim de que seja restabelecida a dignidade do País”, desabafou Elza.
Irreverência
Quem chegava às proximidades da rampa logo observava, em letras garrafais, a frase “Fora Collor”, montada no gramado ao lado do Senado Federal. Mas não faltaram também os protestos isolados e criativos. Com rostos pintados de preto, faixas pretas em volta da cabeça e usando roupas pretas, que traduziam bem o tom da vigília, os jovens mostravam cartazes e acompanhavam, através do equipamento de som montado no palanque, o desenrolar dos pronunciamentos dos parlamentares, dentro do Congresso Nacional.
Com o rosto todo pintado com letras pretas, pedindo a saída do presidente Collor e usando uma espécie de camisolão preto, o estudante Guilherme Queiroga, de 15 anos, aluno do colégio Objetivo da 913 sul, explicou que estava vestido daquele jeito “para mostrar que o Brasil está de luto e a coisa está preta mesmo”.
Quando ouviam, através do som do palanque, algum pronunciamento em favor do relatório da CPI, os estudantes aplaudiam ou vaiavam, caso ocorresse o contrário. Também não faltaram as caricaturas imitando o presidente Collor o empresário PC Farias, ridicularizadas durante todo o protesto. Circulava ainda entre os manifestantes um boneco de pano caracterizado de ladrão, com traços do presidente Collor.
O estudante de uma escola da 103 Sul Gustavo Gomes Japiassu, de 15 anos, desfilava entre os colegas com uma máscara de gorila, de autodenominando “o macaco da corrida contra o Collor, que corria para enganar o povo”. Mas para quem votou no presidente Collor, como o Palhaço Pirulito, restava o consolo de tornar pública sua decepção. “Estou decepcionado, mas não arrependido e ainda acredito nele”, justificava o palhaço.
Notícias pelo celular
Receba direto no celular as notícias mais recentes publicadas pelo Correio Braziliense. É de graça. Clique aqui e participe da comunidade do Correio, uma das inovações lançadas pelo WhatsApp.
Dê a sua opinião
O Correio tem um espaço na edição impressa para publicar a opinião dos leitores. As mensagens devem ter, no máximo, 10 linhas e incluir nome, endereço e telefone para o e-mail sredat.df@dabr.com.br.