Cidades

Crônica da Cidade

Em busca da canção

Percebi que há muito não usava como inspiração as canções. Como já relatei, tive dificuldade em encontrar alguma que pudesse resumir o estado de ânimo dessa quarentena. Os sentimentos oscilam entre esperança, desespero, desânimo. A velocidade com que as horas passam e as notícias surgem dificulta um processo de reflexão profundo.

Ao mesmo tempo, a sensação é de estar estagnado. À espera de uma resposta que demora a chegar. Quando será seguro sair? Precisamos, no entanto, controlar a ansiedade que nos faz querer desistir. Não é hora de se apressar. Nunca antes a vida nos exigiu tanta resiliência, paciência e empatia.

E não digo apenas para aguentar o isolamento. O falso dilema entre saúde e economia é de uma perversidade sem tamanho. As consequências econômicas existem e se agravarão, mas negar a ciência e criar cortinas de fumaça que mascaram a dura realidade que já vivemos e as dificuldades que estão por vir é simplesmente desumano.

Itália, Espanha e, agora, Estados Unidos, nos dão conta do cenário gravíssimo que se aproxima a cada dia caso persistam as intenções de se afrouxar o isolamento social. Deixei a emoção tomar conta quando ouvi Gil cantar, ao lado da neta, Volare. Um voo alto na voz suave do tropicalista, homenagem àqueles que padecem no país que abriga a sede da Igreja Católica.

De lá vieram sábias palavras do papa, no dia mais especial para a religião, o do renascimento: “Queridos irmãos e irmãs, verdadeiramente, palavras como indiferença, egoísmo, divisão, esquecimento não são as que queremos ouvir neste tempo. Mais, queremos bani-las de todos os tempos!”.

E acompanhada da fé que não costuma falhar, sigo à busca da melodia para alegrar esses tempos sombrios. Nada tão apocalíptico quanto O Dia em que Terra parou, de Raul, nem melancólico (apesar de belo) como Se eu quiser falar com Deus, também de Gil.

Tento afogar a indignação com Apesar de você, do Chico, e seguir caminhando contra o vento (mesmo que dentro de casa) com a Alegria, Alegria de Caetano. Por que não? E aí vem Elis, a musa, berrando sem desafinar, que nenhuma dor pungente há de ser inutilmente. Sejamos tal qual O Bêbado e a Equilibrista no meio da pandemia. O show tem que continuar.