Esta matéria foi publicada originalmente na edição de 29 de junho de 2000 do Correio. Sua republicação faz parte do projeto Brasília Sexagenária, que até 21 de abril de 2020 trará, diariamente, reportagens e fotos marcantes da história da capital. Acompanhe a série no site especial e no nosso Instagram.
Luiz Estevão foi cassado porque quebrou o decoro parlamentar ao omitir da CPI do Judiciário suas relações comerciais com a Incal, empresa responsável pela obra superfaturada do TRT paulista. A obra foi superfaturada em R$ 169 milhões. Mas documentos obtidos pelo Ministério Público e um bilhete publicado pelo Correio mostraram um real envolvimento do então senador com a Incal. A omissão - e não o desvio do dinheiro - é que foi, formalmente, fatal.
O caminho da cassação
O prédio do TRT
No início de 1992, a Incal venceu a licitação para a construção do prédio do TRT paulista. O contrato era uma beleza para a empresa de Fábio Monteiro de Barros. A Incal não precisava prestar contas das despesas. Além disso, o empreendimento foi contratado a preço fechado, sem a obrigação de apresentação dos custos unitários. Não foi previsto, também, um cronograma de execução da obra e o TRT pagou parcelas sem a respectiva prestação de serviços, pois o contrato previa a liberação de pagamentos em datas pré-fixadas independentemente do andamento da obra.
A CPI investiga
Foi uma idéia do presidente do Senado, Antonio Carlos Magalhães (PFL-BA). ACM propôs no início de 1999 a criação de uma Comissão Parlmentar de Inquérito (CPI) para investigar irregularidades no Poder Judiciário. Tratava-se de uma reação de ACM à CPI dos Bancos, cuja paternidade pertencia ao PMDB, e de uma bandeira política extremamente popular. Desde o princípio, a CPI do Judiciário teve como foco a contração do Fórum Trabalhista de São Paulo.
O Processo
Foi rápida a tramitação do processo de cassação do ex-senador Luiz Estevão. No final de fevereiro, a Comissão de Ética do Senado começou a analisar o caso. Depois de investigar o conteúdo do relatório da CPI do Judiciário, e de ouvir a defesa de Luiz Estevão, a Comissão votou pelo prosseguimento do processo de cassação. Na semana passada, a Comissão de Constituição e Justiça (CCJ), depois de constatar que todo o processo não continha nenhuma inconstitucionalidade, determinou que o plenário decidisse, no voto, se Luiz Estevão deveria ou não ser cassado.
Desvio do dinheiro
Em agosto do ano passado, o Tribunal de Contas da União (TCU) condenou Fábio Monteiro de Barros e o sócio oficial dele, José Eduardo Ferraz, a devolverem R$ 169 milhões - o total superfaturado - aos cofres públicos. O TCU só agiu com firmeza pressionado pela opinião pública. Os primeiros pareceres encontraram irregularidades mas recomendaram a continuidade da obra para evitar prejuízo maior ao erário. De acordo com o TCU, a Incal recebeu do TRT R$ 234 milhões, dos quais R$ 169 milhões foram desviados (não usados na obra).
Luiz Estevão na rede
As investigações da CPI chegaram não a um juiz corrupto, como se imaginava desde o início, mas a um integrante do próprio parlamento. Ao chegarem no juiz Nicolau, ex-presidente do TRT paulista, os senadores acabaram por descobrir uma ligação muito forte entre Estevão e a obra superfaturada. A primeira ligação veio com a quebra de sigilo telefônico de Nicolau, que mostrou ter ele ligado várias vezes para o então senador. A partir de então, os laços que ligavam Estevão ao TRT aumentaram em quantidade e força.
A cassação
Eram necessários 41 votos a favor da cassação. Mas 52 senadores decidiram pela perda de mandato de Luiz Estevão, que ficará 14 anos inelegível. Pela primeira vez em sua história, o Senado cassou um dos seus integrantes. Estevão sempre negou, inclusive em depoimento à CPI, qualquer sociedade com a Incal, empresa responsável pela obra superfaturada do TRT paulista. Mas evidências acumuladas pela CPI e pelo Ministério Público desmentiram o então senador, que acabou cassado por falta de decoro parlamentar e não pelo suposto desvio de dinheiro público.
O senador e a obra do TRT
Telefonemas
A quebra de sigilo telefônico do ex-presidente do TRT-SP, Nicolau dos Santos Neto, e do empresário Fábio Monteiro de Barros, mostra à CPI do Judiciário que houve uma intensa troca de telefonemas entre o juiz, o dono da Incal e Luiz Estevão. Só o juiz Nicolau, hoje foragido, teria ligado 44 vezes para celulares, para as empresas e para a casa do senador.
Engenheiros
Quando duas empresas têm um corpo técnico em comum (engenheiros, arquitetos, por exemplo) pode-se dizer que elas são sócias. Era essa a situação entre o Grupo OK e a Incal. O engenheiro Diniz da Silva Filho, um funcionário graduado do grupo OK, tornou-se, em 1994, diretor da Incal. Mas não se afastou das empresas de Estevão, uma vez que continuou a movimentar com amplos poderes contas bancárias de interesse do Grupo OK.
Dinheiro
A CPI do Judiciário revela que das contas do Grupo Monteiro de Barros saíram US$ 34 milhões para o Grupo OK. Segundo cálculos da CPI, aproximadamente US$ 30 milhões foram pagos ao grupo do ex-senador diretamente pelas empresas envolvidas na obra superfaturada do Fórum. Estevão justificou a transferência alegando que emprestara dinheiro a Barros ou que fizera negócios com ele.
Contrato de gaveta
O Ministério Público descobre na documentação apreendida no cofre do empreiteiro Fábio Monteiro de Barros um contrato, datado de 1991, onde as empresas de Luiz Estevão adquiriram 90% das ações da Incal. O contrato, segundo Estevão, nunca se tornou realidade. Mas os documentos feriram de morte o então senador, que sempre negou ter tido qualquer relação com a empresa responsável pela obra do TRT
Procurações
Descobre-se uma procuração em que o Grupo OK é autorizado a movimentar a conta no Banco do Brasil em que a empresa de Fábio Monteiro de Barros recebia os pagamentos relativos à obra superfaturada do TRT paulista. Outros documentos mostram que o Grupo OK recebia também dinheiro de uma obra tocada pela Incal em Pernambuco. As procurações sugerem que as empresas tinham um caixa único.
O bilhete
Uma prova definitiva selou o destino de Luiz Estevão. No último domingo, o Correio publicou um bilhete enviado por Fábio Monteiro de Barros a Estevão, onde o empresário paulista pede um empréstimo para quitar dívidas trabalhistas de empregados da Incal e fala sobre problemas internos da obra do TRT.
Personagens
Luiz Estevão
Entrou para a política em 1994, quando foi eleito deputado distrital. Comanda um conglomerado de empresas na área de construção civil, concessionárias de automóveis, revenda de pneus e produção de soja, que juntas faturam US$ 300 milhões por ano. Tornou-se conhecido nacionalmente em 1992, quando avalizou a chamada Operação Uruguai, segundo a qual o ex-presidente Fernando Collor - de quem Estevão é amigo - teria obtido um empréstimo de US$ 5 milhões no Uruguai para justificar gastos pessoais incompatíveis com o seu rendimento.
O juiz
Nicolau dos Santos Neto era o presidente do TRT de São Paulo na época da licitação para a construção do Fórum Trabalhista. Depois de ter conduzido o processo de licitação, que teve a Incal como vencedora, deixou a presidência do tribunal e passou a chefiar a Comissão de Construção. Ele era responsável por fiscalizar o andamento da obra. Foi denunciado pelo próprio genro como beneficiário do esquema de superfaturamento da obra. Nicolau está foragido e é acusado de enriquecimento ilícito pela CPI do Judiciário e pelo Ministério Público de São Paulo.
Fábio Monteiro de Barros
Filho de um conhecido advogado paulista, de família tradicional, Fábio Monteiro de Barros era conhecido na alta sociedade empresarial paulista pelo estilo mauricinho de se vestir e pelo arrojo nos negócios. Começou como corretor de imóveis em 1975 e de lá para cá se associou a diversos grupos e passou a atuar também no ramo agropecuário. Suas empresas venceram também uma concorrência para a realização de obras em Pernambuco.