Esta matéria foi publicada originalmente na edição de 29 de junho de 2000 do Correio. Sua republicação faz parte do projeto Brasília Sexagenária, que até 21 de abril de 2020 trará, diariamente, reportagens e fotos marcantes da história da capital. Acompanhe a série no site especial e no nosso Instagram.
Um dia depois de perder o mandato por 52 votos contra 18, e dez abstenções, o ex-senador Luiz Estevão amanhece hoje sob o risco de ir para a prisão. O juiz Ronando Desterro, da 10ª Vara Federal, analisa o pedido de prisão preventiva apresentado por nove procuradores da República. Os procuradores querem prender o ex-senador por crime contra o sistema financeiro nacional, dano à ordem pública e ameaça a testemunhas.
Na sessão histórica que lhe cassou o mandato, os senadores entenderam que Estevão feriu o decoro parlamentar ao usar o cargo para obter recursos para a obra superfaturada do Tribunal Regional do Trabalho de São Paulo, intimidar funcionários do Senado e mentir à CPI do Judiciário. Agora, Estevão será tratado pela Justiça como cidadão comum. Além do processo sobre o desvio de R$ 169 milhões do TRT paulista, Estevão tem outros 13 processos no Supremo Tribunal Federal, foro a que tinha direito como senador. Em Brasília, sua cassação foi comemorada pelo PT. Seus aliados mantiveram silêncio. O governador Joaquim Roriz, que deve sua eleição ao empenho de Estevão, limitou-se a despachar uma nota à imprensa em que afirma: ‘‘O que posso dizer é que me solidarizo com o sofrimento do amigo e de sua família’’.
Como Estevão voltou a ser um cidadão comum
Luiz Estevão de Oliveira Neto, 50 anos, é o primeiro senador cassado por seus pares em 111 anos de história republicana. Por 52 votos contra 18, e dez abstenções, o ex-senador por Brasília ficará inelegível pelos próximos 14 anos e encerra, por enquanto, uma fulminante carreira política. Os senadores que participaram da histórica sessão secreta que lhe cassou o mandato convenceram-se de que Estevão feriu o decoro parlamentar por três razões: aproveitou-se do cargo para obter verb as para a obra do TRT paulista, intimidou funcionários do Senado e mentiu — duas vezes, pelo menos — à C P I do Judiciário. O discurso mais impactante da sessão, que durou quatro horas e cinco minutos, foi o do senador Saturnino Braga (PSB -RJ).
Sem mandato, Luiz Estevão passa a ser tratado pela Justiça como cidadão comum, sem as regalias de um parlamentar. H oje, o juiz R onando Desterro, da 10 ª Vara da Justiça Federal, responderá ao pedido de prisão preventiva do ex -senador, apresentado por nove procuradores do Ministério Público. Os 13 processos que correm contra Estevão no Supremo Tribunal Federal também serão distribuídos para instâncias inferiores da Justiça, onde são julgados os cidadãos comuns.
A cassação de Estevão foi festejada pelos petistas, derrotados por ele na eleição de 1998 , entregou uma mandato de graça ao empresário Valmir Amaral e também representou uma boa notícia para aliados, em especial o governador Joaquim Roriz, que está entre os que ganham com o enterro da carreira política de Estevão. Roriz, depois da cassação, limitou-se a despachará imprensa uma nota curta: ‘‘O que posso dizer é que me solidarizo com o sofrimento do amigo e de sua família’’.
Decisão histórica
Ao transformar Luiz Estevão no primeiro senador a ter seu mandato cassado pelos próprios colegas, o Senado finalmente se livra do rótulo de incontornavelmente corporativista. té ontem, apenas a Câmara dos Deputados havia cortado na própria carne. No Senado, até ontem, os dois únicos casos que chegaram a ser examinados no plenário haviam sido registrados em 1975 e em 1994. E ambos os acusados foram absolvidos.
Wilson Campos (Arena-PE), em 1975, foi acusado de cobrar propina de um empresário para facilitar empréstimo no Banco de Desenvolvimento Econômico de Pernambuco (Bandepe). Campos foi absolvido por 29 votos contra a cassação, 21 a favor, 8 abstenções e 3 ausências.
O outro caso aconteceu em 1994, envolvendo o senador Ronaldo Aragão (PMDB-RO). Acusado de participação no esquema da Máfia do Orçamento, escapou porque apenas 28 senadores foram favoráveis à perda do mandato. O mínimo necessário era, como ontem, 41 votos.
Na Câmara, o primeiro deputado cassado por falta de decoro parlamentar foi Barreto Pinto, que posou de cuecas para a revista O Cruzeiro, em 1949. Durante a ditadura militar, de 1964 a 1985, perdia-se o mandato até por pensamentos. Os militares cassaram, no total, 146 deputados, sob a acusação de corrupção ou por possuírem ideologias incompatíveis com o regime imposto. Depois da redemocratização, em 1985, 15 deputados federais foram cassados.
Os cassados
1989
Mário Bouchardet (PMDB-MG)
Felipe Cheidde (PMDB-SP)
Por não terem comparecido a mais de %u2153 das sessões ordinárias da Câmara
1991
Jabes Rabelo (PTB-RO)
Por ter falsificado uma carteira funcional da Câmara, que estava em poder de seu irmão, Abidiel Pinto Rabelo, preso em São Paulo com 554 kg de cocaína.
1993
Onaireves Moura (PTB-PR)
Itsuo Takayama (PFL-MT)
Nobel Moura (PTB-RO)
Por terem oferecido dólares para deputados ingressarem no Partido Social Democrata (PSD).
1994
Ibsen Pinheiro (PMDB-RS)
Carlos Benevides (PMDB-CE)
Feres Nader (PTB-RJ)
Fábio Raunheitti (PTB-RJ)
Raquel Candido (PTB-RO)
José Geraldo (PMDB-MG)
Por quebra do decoro parlamentar e estarem envolvidos no esquema de propinas para dirigir a distribuição de recursos no Orçamento da União.
1998
Sérgio Naya (Sem partido-MG, foi eleito pelo PPB)
Por admitir que usava o cargo para se beneficiar em negócios escusos. A queda do edifício Palace II, no Rio, construído pela empresa Sersan, de Naya, colaborou na decisão de cassar seu mandato.
1999
Talvane Albuquerque (PTN-AL)
Acusado de envolvimento no assassinato da deputada alagoana Ceci Cunha, de quem era suplente, e de três familiares dela.
Hildebrando Pascoal (Sem partido-AC)
Conhecido como o “homem motosserra”, foi cassado com base nas denúncias de ameaças de morte, comércio criminoso do narcotráfico e facilitação de crime de contrabando e acusação.