Cidades

Hora de cuidar da saúde mental

Ao programa CB.Poder, a especialista falou sobre os desafios de garantir a mente sã durante o isolamento social e quais as alternativas para preservar o equilíbrio durante a quarentena necessária para evitar a disseminação do coronavírus



As medidas de isolamento social estabelecidas pelo Governo do Distrito Federal como forma de combate às infecções pelo coronavírus impactaram a rotina do brasiliense. Essa maneira de se evitar o contágio pode trazer consequências à saúde mental. Em entrevista ao programa CB.Poder — parceria do Correio com a TV Brasília — a psicóloga Larissa Pollejack, diretora da Diretoria de Saúde da Universidade de Brasília (UnB), ressaltou que transtornos mentais podem surgir durante a pandemia e que precisam ser prevenidos.

A especialista integra o grupo que criou o Plano de Contingência de combate ao coronavírus, desenvolvido pela UnB no início do ano. Responsável pelo eixo Saúde Mental, ela frisou a importância de uma boa administração do tempo para as pessoas que estão isoladas dentro de casa. “Uma coisa relevante, por exemplo, é estabelecer uma rotina, com horário de trabalhar, de lazer e de estar com a família”, orientou. Larissa também falou sobre os atendimentos on-line realizados por psicólogos e como lidar com conflitos domiciliares em família.




Esse momento é para se pensar na saúde mental e não apenas na física?
Quando a gente ouve muitas notícias, falando que é preciso ter cuidados de prevenção e de precaução física, esquecemos que, para adotar isso, a saúde mental precisa vir de forma integrada.

Por que as pessoas estão tão agoniadas com esse período de isolamento?
A gente desaprendeu a ter o tempo. Tínhamos um ritmo de vida que nos demandava respostas rápidas a todo o momento. Agora, a gente pode e deve usar esse nosso tempo para entrar em contato com si próprio, voltar a se conectar com as pessoas que fazem sentido na nossa vida e resgatar coisas que antes nos davam prazer e deixamos para trás. A gente pode ver nessa situação que estamos vivendo, de pandemia, uma oportunidade importante de ressignificar relações com o tempo, conosco e com o trabalho. Esse é um grande momento de aprendizagem.

A UnB tem um grupo de trabalho para atuar durante a pandemia. Como funciona esse serviço?
Nosso grupo de trabalho é em Saúde Mental e está voltado para essas questões de apoio psicossocial. É importante dizer que a UnB desenvolveu um Plano de Contingência para a Covid-19. Começamos a criar isso no início do ano, quando soubemos dos primeiros casos na China. Então, no nosso Plano de Contingência há vários eixos de atuação. Entre eles, a própria cooperação com a sociedade e ampliação de testes. Além disso, o eixo Saúde Mental sempre foi considerado importante. Por isso, foi criado esse grupo, que é grande e multidisciplinar, com 48 pessoas, entre docentes, servidores e estudantes. Trabalhamos em vários eixos de atuação, inclusive na prevenção e na promoção da saúde.

Quais sintomas as pessoas estão mais tendo nessa pandemia?
A gente vê de tudo um pouco. Tem pessoas que estão negando o que está acontecendo, o que é um problema enorme para a saúde pública e coletiva. Ainda não houve uma conscientização do momento em que estamos vivendo, o que é muito importante para que a gente possa se centrar e tomar as nossas medidas de cuidado e de controle. O que percebemos: tem um primeiro grupo que não compreendeu a situação; e um segundo, que está extremamente assustado, seja porque tem algum parente idoso, seja por se perceber em uma condição de vulnerabilidade. Literalmente, o mundo parou. Nas gerações anteriores, não aconteceram fenômenos como esse. Estamos aprendendo com isso enquanto estamos vivenciando. É natural a gente se sentir mais ansioso, ficar preocupado, ter angústia e tristeza. A gente percebe que tem um aumento do uso abusivo de álcool e de outras drogas, porque a pessoa não sabe lidar com a angústia e encontram nessas substâncias um canal para tentar aliviar, sabendo que, a médio e longo prazo, estão gerando um problema maior.

Quais são as dicas para quem está em casa e não se sente bem com a situação?
Existem várias possibilidades e estratégias. Inicialmente, precisamos reconhecer o nosso próprio sentimento. Temos que nos olhar e nos perguntar o motivo de estarmos tão ansiosos, nervosos ou angustiados. Tem várias situações que geram isso. Uma delas é exatamente essa de a gente parar rapidamente de fazer as coisas e ter que se adaptar a uma outra rotina. Isso exige de nós achar a medida daquilo que nos faz bem. Uma coisa importante, por exemplo, para quem está em casa, é estabelecer uma rotina, com horário de trabalhar, de lazer e de estar com a família. Outra coisa importante é lembrar que o isolamento é físico, e não afetivo. Então, podemos usar a tecnologia a nosso favor. É interessante a gente pensar que é uma oportunidade para ressignificar o uso da tecnologia. Se antes, ela nos afastava das pessoas, hoje, ela pode ajudar a nos aproximar afetivamente delas.

Existem lições positivas para se tirar dessa pandemia?
Nada que a gente passa na vida tem só um lado. Mesmo que o nosso foco esteja naquilo que é o mais difícil, ele pode nos ensinar o mais fácil. Uma dica é que a gente pare para refletir outras situações complicadas que já passamos na vida, pensar como que superou aquilo e quais foram as ferramentas usadas nesse processo, para resgatar esse potencial que todos temos. Não somos apenas problemas ou doença, ao contrário, temos potência de vida, capacidade de sobreviver e de superar as dificuldades. De aprender e de ressignificar.

 Por que o ser humano tem dificuldade de conviver com ele mesmo?
Considero que a gente valoriza pouco esse autoconhecimento. Geralmente, tudo está voltado para o produto, para o que a gente é capaz de fazer, e não aquilo que a gente é. Então, o ser é pouco valorizado em detrimento do ter ou do fazer. Isso é uma coisa importante que a gente pode voltar a aprender no meio de tudo que estamos vivendo agora. Porque o ter e o fazer estão sofrendo um pouco com as restrições, e o ser está sendo chamado de volta, para a gente conseguir lidar com isso.

Qual a dica para quem está em casa e ainda tem certo 
preconceito com cuidados com a saúde mental?
Precisamos entender que não somos apenas corpo físico. Temos emoções e sentimentos. O quanto mais a gente conseguir alinhar essas coisas, melhor. A gente procurar uma ajuda agora é sinal de saúde e significa que, do mesmo jeito que eu cuido do meu corpo, tomando vitaminas e fazendo exercícios, é a mesma coisa que cuidar da minha saúde mental, seja com uma terapia, com atividades que me dão prazer ou com medicação, quando necessário. Precisamos quebrar os preconceitos e usar as ferramentas que temos à nossa disposição.

O que as pessoas que estão com conflito dentro de casa podem fazer?
Primeiro, a gente tem que ter muita calma e entender que isso vai passar. Nesse momento, quem está sentindo essas dificuldades, provavelmente, já tinha esses conflitos antes. Porém, cada um focava na própria vida e não precisava olhar para isso. Agora, estão todos em casa e não dá para ignorar. É uma grande oportunidade para ouvir mais o outro e perguntar sobre ele. A gente também tem que lembrar que existem vários profissionais que estão atendendo on-line. O Conselho Regional de Psicologia tem orientado que os atendimentos continuem por essa via. A gente pode, sim, procurar ajuda, por que não? Isso pode ser muito bem-vindo nesse momento de crise e de ressignificação.

E como fica a questão da violência contra a mulher nesse período de isolamento?
Essa é uma questão muito preocupante, e que não deve ser aceita. É necessário preservar a saúde mental, a integridade física e a capacidade de sobreviver a isso. Não sabemos quanto tempo vai durar esse isolamento, então não dá para ficar exposto à violência contínua, porque isso faz adoecer. O indicado é procurar ajuda. Tentar indicar alguém dentro da própria rede, seja uma amiga com quem você possa contar.

Como lidar com as notícias?
Tudo que é exagerado não faz bem, até as informações e notícias. Temos que fazer um filtro e escolher fontes que são confiáveis, porque tem muitas fake news, que não ajudam ninguém. A primeira coisa é fazer um filtro e, a segunda, achar um equilíbrio. A gente tem que dosar esse tempo de informação. Agora, ela é fundamental nesse momento, não é a hora de ignorar tudo que nos cerca, porque nos coloca em risco e também as pessoas ao nosso redor. Então, nesse momento, a informação é um recurso importante de enfrentamento, mas ela precisa ser correta, com fontes reais e na medida que dermos conta. Cada um de nós precisa medir o que faz bem e o que pode fazer mal. Em seguida, pode-se aproveitar o tempo em família, ficar junto, fazer jogos ou conversas.


Onde buscar ajuda
A Universidade de Brasília oferece atendimento psicológico à comunidade da UnB. Os interessados podem entrar em contato com a universidade pelo e-mail dasu@unb.br.