Enquanto o mundo volta o olhar para o novo coronavírus, outras patologias continuam circulando. Pacientes com doenças crônicas e, especialmente, idosos não podem correr o risco de interromper o acompanhamento médico, ao mesmo tempo em que fazem parte do grupo de risco da Covid-19 e precisam evitar a exposição a infecções. Para manter o tratamento, clínicas e consultórios lançam mão da telemedicina e realizam o atendimento por chamadas telefônicas e de vídeo.
A medida está temporariamente autorizada pelo Conselho Federal de Medicina (CFM). Diante da crise do novo coronavírus, o órgão considerou válida a prática, desde que com algumas restrições. Para os médicos, o recurso tem sido fundamental no acompanhamento de pacientes e tende a continuar, mesmo após o fim da pandemia.
A cardiologista Milena Gerez lida, diariamente, com idosos, hipertensos, portadores de doença arterial coronariana e imunossuprimidos — todos integrantes do grupo de risco do coronavírus. Com a autorização do CFM, ela passou a realizar as consultas remotas. “Cardiopatas precisam de assistência contínua. Podem até não ter manifestação de coronavírus, mas têm problemas no coração e estão com medo de ir ao hospital.”
Por telefone, ela conversa, orienta e prescreve medicação. Em casos de remédios de uso controlado, uma assinatura eletrônica garante a legitimidade no documento para o farmacêutico. Casos mais graves continuam precisando de atendimento presencial. “Dependendo da queixa, vejo se é possível avaliação ambulatorial, no meu consultório, que é fora do ambiente hospitalar. Mas, se a situação for mais grave, encaminho direto para a emergência”, ressalta.
Manter o acompanhamento, ainda que a distância, está sendo fundamental para o professor aposentado Ênio Dutra, 76 anos. Apesar do estilo de vida saudável, em janeiro, ele sofreu um infarto que gerou consequências prolongadas: em 2 de março, desmaiou e passou seis dias em Unidade de Terapia Intensiva (UTI). Voltou para casa apenas em 16 de março, com indicação para cirurgia de cateterismo.
Enquanto procurava a melhor data para marcar o procedimento, teve uma consulta com Milena. “Nem estava marcada, foi da boa vontade dela. Eu não estava sentindo nada, mas ela quis me acompanhar e saber como eu estava”, recorda. “Ela achou melhor não fazer o cateterismo agora, porque é perigoso ficar em hospitais nesse momento.” Para o idoso, a atenção dada em uma chamada de vídeo fez toda a diferença. “Receber uma mensagem de carinho e incentivo da médica que te assiste é muito bom. Estou confiante de que vou me recuperar rapidamente.”
Cuidados
Uma das exigências do CFM é que os profissionais atendam pacientes conhecidos — não façam primeiras consultas. Por isso, recuperar histórico médico e os exames mais recentes ajudam até mesmo a regular medicações, como explica a clínica médica Patricya Tavares. Especialista em longevidade, ela trabalha com idosos, pessoas diabéticas, hipertensos e também portadores de dores crônicas, como fibromialgia. Por dia, chega a fazer 10 atendimentos.
“São pacientes que precisam de avaliação mais frequente. Se eu reavalio o exame laboratorial e vejo que a dosagem dos remédios que eles tomam não está adequada, posso mudar”, afirma. “A importância da telemedicina agora é exatamente evitar a sobrecarga do sistema de saúde. Se, por telefone, eu consigo orientar uma pessoa com pico de pressão, ele não vai para uma emergência.”
Modalidades
A orientação por vídeo livrou a aposentada Eleusa Marquez, 80 anos, de um sufoco. Embora use aparelho auditivo há três anos, acordou, logo nos primeiros dias da quarentena, sem escutar por um ouvido. Sabendo da interdição de muitos estabelecimentos, entrou em contato com a clínica Para Ouvir, onde faz o acompanhamento da audição e foi oferecida uma consulta remota.
Por vídeo, a fonoaudióloga conseguiu orientar sobre a limpeza adequada do equipamento e o problema foi resolvido. “Eu adorei. Estava apavorada, pensando que ficaria daquele jeito durante a quarentena toda. Como eu faria?”, recorda. “Nunca tinha feito consulta por telefone, mas foi muito tranquilo. Fiquei calma e foi bom, porque eu estava tomando cuidados de não ir para a rua e me expor.”
Erica Bacchetti, fonoaudióloga da clínica, explica que o método está sendo bem-aceito e muitos idosos estão quebrando as barreiras que tinham com a tecnologia. Por telefone ou videoconferência, os especialistas orientam sobre os aparelhos e queixas físicas. Quando necessário, enviam insumos, como pilhas e sondas, para a casa de quem precisar. Durante as consultas, caso não seja possível identificar a razão das queixas, são feitas consultas domiciliares. A medida, contudo, é apenas para casos extremos. “Sempre vamos precisar do atendimento presencial. Uma modalidade não substitui a outra, mas, combinadas, são ferramentas poderosas para a saúde das pessoas”, declara Erica.
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O que diz o CFM?
Em 19 de março, o Conselho Federal de Medicina (CFM) encaminhou ofício ao Ministério da Saúde reconhecendo, em caráter excepcional, a possibilidade e a eticidade de uso da telemedicina no país. O modelo pode ser exercido para orientação a distância, encaminhamento de pacientes em isolamento, monitoramento, supervisão e consultas, que permitem a troca de informações e opiniões exclusivamente entre médicos, para auxílio diagnóstico ou terapêutico.