"É uma doença que você encara sozinho, isso é algo que sabemos dela", comenta o médico Lucas Valente, 29 anos, anestesista e emergencista de um hospital público. Até domingo (5/4), quando finalizou o plantão, Lucas estava cercado por companheiros de trabalho no combate ao novo coronavírus. À noite, ele começou a sentir febre e, depois de uma conversa com a chefe, decidiu fazer o exame para SARS-CoV-2. "Nesta terça-feira (7/4), o laboratório me ligou perguntando se tinha visto o resultado, que tinha dado positivo para a Covid-19", lembra.
Em casa, isolado da família, dos amigos e da noiva há três semanas por precaução, o médico elabora, agora como paciente, a realidade do diagnóstico. "Na hora, você fica assustado. No hospital, estou vendo as piores faces do vírus. A gente trabalha com a parte dos pacientes em estado crítico, então a gente sempre vê o pior. Claro que uma boa parte dos infectados evolui para quadros mais brandos, mas dá medo", relata. Além da febre, Lucas começou a ter uma tosse seca, mas não chegou a sentir dores no corpo ou de cabeça e nem falta de ar. Desde que finalizou o plantão e, agora com o teste positivo para o novo vírus, ele segue afastado dos companheiros de trabalho.
O anestesista e emergencista não viajou para o exterior nem teve contato com pessoas que estavam fora do país. Para Lucas, mesmo com todos os cuidados, a contaminação ocorreu no ambiente hospitalar. "A gente está muito exposto, especialmente quem é emergencista, intensivista, anestesista, que atua bem na linha de frente. Você faz uma redução de danos bem extensa. Em casa, tenho uma zona limpa e uma zona suja. No hospital, você pode tomar todos os cuidados, mas uma vez ou outra, fica exposto, pode respirar alguma suspensão do ar. É muito tempo de exposição", avalia.
No domingo, Lucas integrou a reportagem do Correio que apresentou relatos de profissionais da saúde que atuam olho no olho no combate ao novo coronavírus. O médico é um dos responsáveis pela intubação dos pacientes confirmados com a Covid-19. "É um procedimento que está sendo bastante discutido no meio médico, inclusive para encontrar uma forma de reduzir a exposição da equipe e a dispersão de partículas pelo paciente", acrescenta.
Mesmo no lugar de paciente, Lucas não deixa de lado o olhar e a atenção com o outro. Para a família, buscou comunicá-los de maneira tranquila para não tornar a notícia ainda mais difícil. Com hipotireoidismo e sobrepeso, o médico se sente bem. "Minhas preocupações agora são evitar de contaminar as pessoas, obedecendo estritamente o isolamento, e o medo da doença evoluir", conta.
Além da medicação para a febre e muita água, o médico tem recorrido às evidências científicas para minimizar a ansiedade e se ater às comprovações. Com uma pequena farmácia em casa, Lucas consegue fazer as próprias medições e controlar a evolução dos sinais vitais. "Como é uma doença que ainda não tem tratamento específico e a única coisa que é comprovadamente eficaz para diminuir a disseminação do vírus é o isolamento, a nossa maior arma é a informação correta. A gente sabe que a gente está na curva ascendente. Se a gente superlotar hospital, sobrecarregar os recursos humanos, esgotar os materiais, podemos morrer por algo evitável. Se frearmos um pouco, as pessoas contaminadas poderão ser atendidas".