Cidades

Crônica da Cidade

Toda vaidade é burra

A frase que intitula este texto foi escrita no começo do século 20 por Louis-Ferdinand Céline, um dos meus escritores preferidos, mas nunca esteve tão atual. Céline complementava: não existe vaidade inteligente.

O filósofo Arthur Shopenhauer faz uma distinção que me parece essencial entre o orgulho e a vaidade. Segundo ele, o orgulhoso exige ser reconhecido por um mérito que realmente possui, enquanto o vaidoso deseja ser reverenciado por méritos que, de fato, não tem.

Claro que sempre houve vaidade. Mas a diferença é que, agora, existe todo um arsenal de tecnologia da comunicação para praticar o narcisismo 24 horas por dia. Não exagero: até os médicos foram flagrados tirando selfies durante as cirurgias nos hospitais. Os passeios turísticos também se tornaram aventuras arriscadas porque, nos lugares mais perigosos, as pessoas se desconcentram tirando autorretratos.

E tudo indica que a prática obsessiva de selfies não é muito favorável para a autoestima dos adeptos do narcisismo radical, pois a convivência intensiva com a própria imagem acarretou um aumento desmedido das cirurgias plásticas. Quer dizer, é precisamente o contrário da felicidade.

E, quando a vaidade é transferida para o território da política, pode resultar em desastres, principalmente em circunstâncias dramáticas tais como é a pandemia do coronavírus, na qual estamos mergulhados. Parece que não aprendemos nada com as tragédias da Itália, da Espanha e dos Estados Unidos.

Quanta energia desperdiçada que poderia ser canalizada para resolver os problemas urgentes da transferência dos 
R$ 600 para os trabalhadores informais, da fabricação de equipamentos de proteção para os profissionais da saúde e da violência doméstica com o confinamento.

Não quero ditar regras, mas, pelo pouco que li sobre os mestres ascensionados, a vaidade é um projeto infalível de infelicidade. Sim, Céline tem razão, toda vaidade é desinteligente, mas, associada a meios virtuais tão poderosos de manipulação em massa, em circunstâncias de crise sanitária global, toda vaidade fica perigosíssima.