Esta matéria foi publicada originalmente na edição de 20 de abril de 1980 do Correio. Sua republicação faz parte do projeto Brasília Sexagenária, que até 21 de abril de 2020 trará, diariamente, reportagens e fotos marcantes da história da capital. Acompanhe a série no site especial e no nosso Instagram.
Dulcina de Moraes chegou a Brasília pelas mãos de Carlos Fernando Mathias (Diretor da Fundação Cultural), em 1963, Carlos Fernando, na época assessor cultural do prefeito do DF, Ivo de Magalhães, estava imcumbido de fazer uma programação cultural para os festejos do 3º aniversário de Brasília.
Indo ao Rio, após assistir a Dulcina no espetáculo “As Oito Mulheres”, com Natália Thimberg, Maria Sampaio, Iracema de Alencar, Suely Franco, Sônia Moraes, Margarida Rei e Maria Fernanda, se apaixonou pela montagem e desempenho daquelas grandes atrizes e, sem pensar duas vezes, transformou o show na grande atração do aniversário comemorado no Cine Teatro Cultura, W/3 sul, quadra 507, hoje fechado esperando solução judicial.
Amor à primeira vista
"Quando cheguei aqui, o Hotel Nacional ainda não estava acabado. Me hospedei no Brasília Palace Hotel. Vi aquela terra vermelha sem uma árvore. Só sentia falta do verde. Eu senti vontade de arregaçar as mangas, trabalhar… Foi um amor à primeira vista. Só não sinto ter chegado antes, no princípio. Lutei. Por intermédio do prefeito, comprei este terreno."
Segundo Carlos Mathias, o professor Armando Hildebrand, “que é um homem de grande visão”, foi quem escolheu o local (SDS) e a Fundação Brasileira de Teatro, comprou. Dulcina, frente àquela área toda desenhada no Mapa do Setor de Diversões Sul, jogou o dedo prum lado e pra outro, se concentrou e deixou que o dedo fosse levado para o ponto exato do setor onde hoje está a sede da Fundação, que inaugura sua Faculdade este ano e possui o já conhecido Teatro Dulcina (em 1980 ele esteve com sua pauta preenchida por produções do Rio, São Paulo, Portugal e Brasília).
Teatro Regina
A história do Teatro Dulcina começa na Cinelândia - Rj, no antigo Teatro Regina. "Na Cinelândia havia o Teatro Regina. Odilon quis comprar…” Odilon?
"Odilon Azevedo, meu marido, hoje longe daqui. Partiu… porque eu não acredito que as pessoas morram, eu acredito que vão embora, partem. Odilon quis comprar e eu não quis. Disse ao Odilon que eu era uma mulher livre, que eu queria ir para onde me levasse a imaginação. Senti que a compra do teatro iria me prender. Então Odilon me falou: Mas, Dulcina, esse teatro é a possibilidade da gente realizar aquele nosso sonho de fazer uma Faculdade de Teatro, de ter uma sede para a Fundação. Acabamos comprando.
"Quando cheguei aqui, vi aquela terra vermelha sem uma árvore, só sentia falta do verde. Eu senti vontade de arregaçar as mangas, trabalhar. Só sentindo não ter chegado antes, no princípio… No governo Costa e Silva foi lançada a pedra fundamental: enterraram aquela caixa de ferro com jornal do dia, ata, documentos, fotos; aquela coisa toda. Palmas, palmas, muitas palmas, discursos, tudo. Eu olhava aquele descampado todo e pensava que o terreno fosse o Setor de Diversões Sul inteiro. Eu pensava: Mas que beleza! O ministro da Educação era o Tarso Dutra, que é membro da Assembléia Geral da Fundação Brasileira de Teatro. Eu estava aqui com O Noviço, de Martins Penna. Houve muito o discurso no dia do lançamento da pedra e eu fiz um discurso no qual dizia que eu acreditava na vida, no teatro, no amor. Naquela época eu acreditava em tudo… e o Dr. Ivan Luz respondeu:
"-Dulcina, eu vou fazer o discurso mais curto da minha vida: Dulcina, nós acreditamos em você.
"Vendi meu teatro no Rio de Janeiro para o Serviço Nacional de Teatro. Sempre tirei dinheiro de algum negócio, nunca fiz dívidas… dívidas eu não faço. Acabei ficando aqui mesmo. Agora, deste lançamento até a instalação, bota ano nisso… nesse meio tempo eu fundei um curso de teatro no Rio de Janeiro, a fim de adquirir experiência e fundar esta faculdade que hoje começa a funcionar."
E dinheiro Dulcina, o governo te deu algum?
“A 1ª pessoa que me ajudou financeiramente foi o Presidente Médici, em 1973. Naquela época eu montei a peça As Mulheres. Eu queria chegar em Brasília e gritar: A Fundação Brasileira de Teatro quer se transferir para Brasília. - Então, me ocorreu fazer a peça As Mulheres com as senhoras da sociedade daqui e foi um escândalo. Muita gente que veio rir do ridículo ficou impressionada com o nível do trabalho. Ficou ótimo!”
Dulcina gesticula, fala, conta as coisas com espontaneidade. Uma conversa solta, fluente, faz a gente esquecer que está entrevistando alguém e começar a assistir à grande atriz… a gente se perde, se esquece…
“Olha, sou uma louca… eu sou louca… louca… eu realizei o primeiro Festival de Amadores… eu sou louca… foi uma loucura hospedar e alimentar todo aquele povo. Era gente de tudo que era canto… de todos os lugares. Quando eu estava para eralizar o festival latino-americano de teatro, o Odilon foi embora… e aí, me faltou aquele braço… aquela força daquele homem maravilhoso… mas eu segui em frente, e hoje estou aí realizando o sonho que era nosso.”
A faculdade de artes
A Faculdade de Artes da FBT teve seu programa totalmente aprovado pelo MEC e tem como diretor o amigo Carlos Fernando, que zelará pela filosofia da escola e dará sua supervisão política, entregando os encargos administrativos a outras pessoas que executarão seu programa.
No primeiro dia de inscrições existiam mais de 20 interessados na porta e acredita-se que todas as vagas sejam preenchidas após o vestibular. Todos os cursos têm um estágio supervisionado e seus professores, na maioria, participaram da elaboração do programa.
Dulcina acha que uma faculdade de teatro não transforma alguém sem vocação em artista, que o verdadeiro artista nasce artista e que ela mesmo não cursou nenhuma escola. Mas o aprimoramento e a formação podem ser orientados e valorizados através de um estudo sistemático e conseqüente por pessoas experimentadas e preparadas didaticamente para tanto.
“Na minha casa, meu pai que era um homem cultíssimo, um ator de primeira qualidade e minha mãe, Concita Moraes, grande atriz, nascida numa excursão de meus avós, também atores, em Cuba e que foi a primeira mulher a ganhar a Ordem do Cruzeiro do Sul, falava-se, comentava-se, cantava-se teatro todo dia. Eu almocei teatro, jantei teatro, sorri teatro, vivi teatro… Na minha casa eu estava acostumada a ver pessoas fazerem teatro, discutirem teatro, com um mês de idade eu já estava em cena.”
Sobre o teatro brasileiro o que você tem a dizer?
“O teatro de cada nação fica pelos autores que tem, pelo que fica escrito, registrado, que o momento da representação é único, ele não pode ser visto duas vezes, não tem registro. O teatro de um país fica nas bibliotecas, corre o mundo porque é traduzido. O ator para correr o mundo já possui a barreira do idioma.
Uma vez me convidaram para ir ao Oriente Médio. Um desses países que estão a volta com com o petróleo… eu disse: Mas como? e eles: - Nós sentimos os atores.
Oh! Que maravilhosa! Que gente sensível… acabei não indo. A vida no teatro é muito rica, muito variada. Já representei Bernard Shaw em inglês, fiz temporada em espanhol.”
O Dulcina, esse monte de papel esse arquivo todo, como é que você se vê no meio desta papelada?
“Ah, eu detesto papel, me afogo em papelada… e vivo rodeada deles…”
A Faculdade de Teatro conta com ótimos professores, além de seu diretor Carlos Mathias, temos a própria Dulcina, Henriete Maurineaut, Sérgio Viotti, Gianni Ratto, Jan Michalski, Fernando Azevedo, Paulo José, Maria Luiza Mathias de Souza, Lúcia Alencastro Valentin de Souza, Rubem Valentin, Celina Costa Xavier, Neuza França, Luiza Angelim, Ricardo Angelin e muitos outros.
A escola está dividida em 5 departamentos: Departamento de Artes Cênicas, Departamento de Artes Plásticas, Departamento de Cultura Básica, Departamento de Música e Departamento de Educação.
“Nós estamos perdendo muita gente boa por falta de escola e falta de mercado.”
Você não acha que falta escola por que falta mercado?
“Ah, não eu prefiro acreditar o contrário, que falta mercado porque falta escola. A meta da F B T, ao fundar a faculdade é dar consciência ao ator da responsabilidade que ele assume ao entrar no palco e dar condições técnicas e culturais a ele para que possa desempenhar bem suas funções.”
Outros planos
“Pretendo, além da faculdade realizar ainda em 81, um seminário de dramaturgia, mas não sei qual mês será o escolhido.”
Carlos Mathias responsável pela 1ª vinda de Dulcina, e diretor filosófico de sua faculdade, sobre ela fala o seguinte:
“A Dulcina é um monumento. No teatro brasileiro quando se fala em Dulcina, tem que dizer antes e depois de Dulcina. O país que tem uma atriz como Dulcina de Moraes, que é citada em tudo quanto é enciclopédia e com fotografia - diga-se de passagem - , é um país feliz com sua cultura, com seu teatro. Pode-se dizer que haverá um ensino antes e depois da faculdade F B T, Dulcina representa em inglês, espanhol, francês, italiano etc. Dulcina possuía a maior bibliografia do Brasil e doou tudo para a Fundação. Quer dizer: a Dulcina é um marco na vida cultural do País.”
As provas da Faculdade de Artes da Fundação Brasileira de Teatro (autorizada pelo decreto nº 85.169, de 16/09/80), serão realizadas em fevereiro de 81, nos dias: 5, Língua Portuguesa; 6, Geografia, História, OSPB; 7, Física, Química e Biologia; 8, Matemática e Língua Estrangeira (Inglês ou francês); e dias 9 e 12, prova de Habilidade Específica. Se você quiser saber mais sobre a Escola e sobre Teatro ou Arte procure a Fundação Brasileira de Teatro, no Setor de Diversões Sul, se informe na secretaria e que Alá esteja contigo.
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