Em quarentena, as rotinas precisaram ser mudadas. Alunos não podem ir às escolas, pais não saem para trabalhar. No atual momento, adaptações cotidianas precisam ser feitas. E no meio deste cenário, hoje é comemorado o Dia Mundial de Conscientização do Autismo. Responsáveis usam a criatividade e o tempo dentro de casa para se aproximarem ainda mais dos filhos.
A professora Cristina Ribeiro, 38, é especialista em atendimento educacional especializado (AEE) e mostra a importância da rotina dentro das famílias com crianças autistas. Para os jovens autistas, a rotina deve ser lembrada diariamente, esclarecendo os horários para as principais refeições e incluindo as brincadeiras para o desenvolvimento intelectual da criança. “Conversar com eles, explicar a rotina do dia é importante também para os pais. O autista precisa ser estimulado por meio de imagens, então, o ideal é a utilização das imagens para explicar o que será feito no dia”, ressaltou.
Com a mudança de rotina, as crianças podem ficar mais ansiosas e agitadas. Em alguns casos, ficam mais agressivas, dependendo do grau do autismo. “Então, a ideia é realmente manter uma rotina, explicitar regras e explicar o motivo de não estar saindo de casa. É possível encontrar jogos na internet, histórias em quadrinhos e vídeos explicativos para crianças sobre o coronavírus”, lembra a psicopedagoga.
Além disso, a família deve tomar cuidado com a rotina que a criança já tinha antes do isolamento.“Se ele levantava às 9h para o café da manhã, a recomendação é que mantenha essa regra”. A pessoa com autismo precisa ter em mente tudo o que vai acontecer no dia, caso contrário, pode aumentar a ansiedade e estresse muitas vezes, afetando também os cuidadores.
Por isso, a dica é adaptar o calendário em casa de uma forma que as crianças autistas continuem ativas. “Eles gostam muito da tecnologia, oferecer brincadeiras que estimulem a criança e que seja do interesse dele pode ajudar no processo”, afirma.
Para os pais, a rotina também mudou bastante. Agora, eles precisam trabalhar e cuidar dos filhos em casa.“Os responsáveis também entram em sofrimento, por isso, organizar a rotina dos filhos influencia nos deveres que os pais também devem fazer”, aconselha.
Para se manter na quarentena, a advogada Isaura Sarto, 39, moradora da Asa Sul, diz que precisou mudar a agitada vida do filho Vittorio Sarto, 6. Em tempos normais, ele estuda no período da manhã, ao longo da semana pratica judô, natação, aula de circuito, teatro e as sessões terapêuticas. “Na primeira semana ficamos um pouco perdidos pela falta de rotina, o que considero normal, era um período de adaptação. Mas o próprio Vittorio procurou atividades baseadas nos seus interesses, conta.
Vittorio está recebendo tarefas da escola, mas não deixa de fazer suas atividades educativas. “Meu filho faz terapias desde os 2 anos, temos muitos materiais pedagógicos em casa, praticamente uma sala de aula”. Além disso, Isaura conta como está lidando para explicar toda a situação da pandemia. “Para a minha surpresa, ele está lidando com tudo melhor do que nós aqui de casa. Desde o início, explicamos sobre o vírus, suas consequências e a importância de ficarmos em casa”, mostra.
Dicas da especialista
Para a construção das atividades em casa, Cristina Ribeiro, relembra algumas tarefas que podem ser incluídas pelos pais mesmo dentro da residência. São brincadeiras que são acessíveis e que muitas vezes não é preciso sair para comprar.
Brincadeiras utilizando material reciclável como garrafas pets e caixa de leite vazia; cantar músicas que eles gostam, produzir frascos com pequenos grãos como os de arroz e feijão e trilhas feitas de caixas de papelão são algumas dessas atividades.
Dependendo da idade da criança, é importante relacionar as cores durante as atividades. A tecnologia pode ser uma aliada nisso. É importante que a rotina da criança seja repetida todos os dias, assim, a criança entende o ambiente no qual está inserida.
O mais importante é manter a interação com a família e tarefas que estimulem atividades. Podem jogar bola com as crianças em casa, contar histórias com ilustrações ou mímicas. Afinal, o estímulo visual, a fala e olho no olho são importantes nesse processo.
A criança precisa entender o motivo de não está saindo de casa, é importante repetir isso várias vezes ao longo da semana para que ela se acostume. Na internet há vários vídeos explicativos para crianças sobre o vírus, revista em quadrinhos e joguinhos estimulantes visuais e cognitivos.
A psicóloga e educadora Patrícia Casasanta, 38, moradora de Brasília, está usando o tempo de quarentena para ficar ainda mais próxima da filha Helena, 6. “Temos feito atendimentos online com os profissionais que a acompanham e tem sido muito bom. Além de matar a saudade, ajuda na rotina e a manter o trabalho que já vinha sendo feito. Além disso, a gente criou uma espécie de ‘cardápio de brincadeiras’ (são imagens impressas numa folha a4), com imagens de brinquedos e brincadeiras que ela possa fazer sozinha, ela escolhe o que quer fazer. Assim, dou autonomia a ela”, conta
A luta contra o coronavírus traz saudades de pessoas com as quais não pode ter contato. “Todos os dias ela fala da escola, da terapeuta ocupacional, da fonoaudióloga, do psicólogo, da professora de música e da natação. Aí a gente explica que não poderemos vê-los, que voltar pra escola ainda vai demorar. “Falamos diariamente e explicamos que precisamos ficar em casa para não ficar dodói, que temos que lavar bem as mãos e proteger o vovô”, afirma.
Helena estuda em escola pública, e Patrícia mostra como está encarando a falta das aulas. “A Secretaria de Educação ainda não se posicionou com relação ao ensino a distância. Mas, sinceramente, como psicóloga e educadora, acho que o momento é de aproveitarmos o tempo que estamos em casa para nos conectarmos com nossos filhos e ensinar outras coisas tão ou mais importantes que o conteúdo de um ano escolar”. “Não vejo como um ano perdido, caso não seja possível repor integralmente as aulas, mas como uma oportunidade de ensinarmos, na prática, resiliência, solidariedade, empatia, tolerância e habilidades socioemocionais”, finaliza.
SAIBA MAIS
A data foi estabelecida pela Organização das Nações Unidas (ONU), em 2007, com o objetivo de disseminar informações sobre o autismo e, assim, reduzir a discriminação e o preconceito em relação a pessoas que têm esse transtorno de desenvolvimento do cérebro, conhecido como Transtorno Global do Desenvolvimento (TGD) ou Transtorno do Espectro Autista (TEA).
Normalmente, as crianças autistas apresentam dificuldades no desenvolvimento da linguagem verbal e não verbal. Além disso, há alterações no comportamento e interação social. Essas características podem ser diferentes em cada criança e têm três classificações, sendo eles, nível um (leve), nível dois (moderado) e nível três (grave).
* Estagiários sob supervisão de Nahima Maciel