Cidades

Igreja é ameaçada por ninguém

Faixas anunciavam invasão a templo de madeira da Vila Planalto. Ninguém assume a autoria, mas todos reclamam

Esta matéria foi publicada originalmente na edição de 28 de setembro de 1999 do Correio. Sua republicação faz parte do projeto Brasília Sexagenária, que até 21 de abril de 2020 trará, diariamente, reportagens e fotos marcantes da história da capital. Acompanhe a série no site especial e no nosso Instagram.

 

Não, não foi ele - apesar de, na Vila Planalto, ser considerado o principal suspeito do ato. Mas o padre Ítalo Guerrera, 70 anos, pároco da Igreja Nossa Senhora do Rosário de Pompéia, uma das primeiras do DF, aprovou as duas faixas de protesto colocadas na carcomida e decadente construção de madeira, desde 1988 tombada como patrimônio histórico de Brasília pelo Decreto nº 11.004. Ele confessa que gostou da idéia. De quem quer que ela tenha sido.

 

Os dizeres da faixa que causam polêmica são idênticos - “Alerta, esta igreja está sob iminente invasão” - e enervam a discussão que se instaurou desde que o templo, inaugurado em 1960, foi interditado por laudo técnico na Defesa Civil, em setembro do ano passado. 

 

Mas que tipo de invasão é tão iminente? Dos sem-teto? Dos cupins? Pobre da Igrejinha, como é carinhosamente chamada pelos moradores da vila que abrigava os operários e engenheiros que construíram Brasília. 

 

Padre Ítalo era um dos suspeitos de ter praticado o ato. Outro de quem os moradores desconfiavam é o contador Carlos Nei de Carvalho, presidente da Associação dos Moradores da Vila Planalto e habitante da cidade desde 1962. Carvalho nega ter algo com a história. Mais certo é que a idéia tenha partido de algum católico cansado de tentar assistir às missas que acontecem no Parque de Ação Paroquial (PAP), lugar de casas antigas onde viviam os engenheiros das construtoras. 

 

O PAP é impróprio para as missas e aulas de catequese. Daí as reclamações. Ali, há duas casas para as missas. Na menor, cabem 70 pessoas sentadas em bancos e carteiras escolares. Na maior, cabem 150 pessoas divididas em cômodos. As portas de entrada são próximas ao altar. Os atrasados atrapalham a missa. Para piorar, também ali foram achados focos de cupins. “Daqui a pouco a Defesa Civil vai ter que visitar o PAP e, quem sabe, interditar o lugar”, teme o professor de História e coordenador do grupo jovem, Aloísio Parreira, 30. 

 

Mistério

O motivo que preocupa os que frequentam as atividades religiosas no PAP foi o mesmo que causou a interdição da tradicional Igrejinha. “Mas tem mais é que colocar aquilo abaixo. A construção de madeira não serve para nada. Nem para celebrar missa ou guardar a memória da cidade. A memória está em todos os cantos, para onde quer que se olhe. Nem para o padre morar serve. Não há nem casa paroquial”, diz, irritado, padre Ítalo Guerrera, pároco da Igrejinha desde 1984 e que mora de aluguel em um apartamento na 202 Sul. “E quer saber mais? Foi o povo da Vila que, indignado e com razão, colocou as faixas”.

 

Se foi “o povo da Vila” é um mistério. O que se sabe é que Guerrera tem um projeto assinado pelo arquiteto André Piccolo Cateli - orçado em R$ 300 mil - de construir uma igreja moderna no local. Com direito a salão e casa paroquial, onde moraria e atenderia à comunidade, que, quando procura um padre, não encontra. Simplesmente porque nenhum mora ali. E só poderia morar se o Iphan (Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional) liberasse a igreja para reforma. 

 

Mas o órgão exige que as características da obra sejam mantidas. Ou que ela seja construída em outro lugar. O padre pretende reunir-se com representantes do Iphan ainda esta semana. “Não sei o dia. Espero chegar a um acordo pacífico”, conta. Ele lamenta o fato de a igreja abrigar “encontros noturnos amorosos e que ferem a moral”, presenciados por algumas pessoas. 


De pé e de fora 

Os tais encontros amorosos são algo que a jovem Hellen Silva Carol, 17, diz não ter visto, apesar de ouvido falar. “Tenho é saudade de assistir às missas na Igrejinha”, diz, sentada na soleira do templo com cupins e rachaduras, povoada por morcegos, ratos e baratas. Ela também reclama das missas no PAP. Sempre fica de pé e do lado de fora. E nem sai de casa quando chove. Sem carro, não conseguiria lugar nem poderia ir à Catedral Metropolitana de Brasília ou à Paróquia do Verbo Divino (609 Norte), igrejas frequentadas pelos jovens da vila nos últimos tempos. 

 

Moradores como Hellen reclamam que o último prédio da cidade, a Escola Classe do Planalto, também foi tombado pelo decreto de 1988 e derrubado em 1994. (Hoje, no local, ao lado da Igrejinha, só resta uma camada de cimento vermelho do piso). E temem que o mesmo aconteça com a Nossa Senhora do Rosário de Pompéia. Dizem que a igreja mais parece um cenário de teatro, onde nada existe dentro. Mais: que o que existe dentro - imagens, bancos, objetos - pertence à comunidade.”As pessoas vão visitar e ver o quê?”, pergunta o padre. 

 

Os fiéis não estão preocupadas com essa história de patrimônio histórico. Querem é conseguir um lugar decente para assistir às missas e às aulas de catequese e expressarem sua fé. E torcem para ver a situação resolvida logo.