Cidades

Crônica da Cidade

Onze Horas 2

Enquanto o mundo explode, cuido de coisas mínimas para manter a sanidade. Já contei, neste espaço, a história da planta chamada Onze Horas, mas volto ao tema porque ele teve desdobramentos. Há algum tempo, ocupo-me em constituir um jardim na minha casa. Pode parecer simples, mas não é tão fácil quanto se imagina.

Mesmo que tivesse dinheiro suficiente para instalar um jardim completo, existem fatores imponderáveis que interferem no empreendimento. Moro em um condomínio horizontal fronteiriço a uma mata cerrada. Algumas plantas não se adaptam ao ambiente e fenecem. O espaço é amplo.

Além disso, as formigas atacam e têm preferência por determinadas espécies. Elas, praticamente, destruíram um pé de manacá que plantamos. E se não são as formigas, as pragas podem ser as lagartas. De modo que cultivar plantas é uma ciência complexa e delicada.

É preciso saber se gostam da sombra ou do sol, se apreciam pouca ou muita água. Na verdade, quem comanda, cuida e bota as mãos na terra mesmo é a minha esposa. Eu entro com o apoio moral, a observação e, de vez em quando, ajudo na aguação.

O ataque das formigas ao manacá não me demoveu do projeto de plantar vários arbustos do cerrado. Estou de olho em um pé de caliandra rosa, que encontrei em um viveiro perto de casa. No entanto, enquanto fizemos planos florais, recebi, antes do isolamento, um belíssimo presente.

Contratamos um jardineiro para dar uma geral uma vez por mês no quintal. Havíamos comprado um vaso que estava no quintal sem função. Zé Vieira, o jardineiro, trouxe a muda da planta chamada popularmente de Onze Horas, que eu desconhecia. Adapta-se com facilidade a jardineiras, canteiros e vasos. E não exige maiores cuidados.

Ela me proporcionou muitos momentos de êxtase em razão de uma peculiaridade. Quando não está exposta à luz solar, fica com os botões fechados. Mas, no ápice do sol, os botões se abrem em flores que esplendem com fulgor. A inflorescência derrama-se do vaso numa radiação de beleza. É um instante mágico. Além disso, ela atrai abelhas para a polinização.

A gente estuda que o mundo vegetal está em permanente mutação. No entanto, com a Onze Horas, é possível assistir a esse momento de transformação. As pétalas delicadas e a fulguração rosa com nuances de vermelho e de lilás havia sido, para mim, uma fonte permanente de alegria.

Mas, eis o fato novo: Zé Vieira disse que era preciso fazer uma poda drástica para revitalizar a planta. Ela só tem duração de um ano. Trouxe também uma mudinha de várias cores. Elas estão começando a vicejar. São brancas, amarelas e vermelhas.

Os dias estão chuvosos. No entanto, quando o sol se abre, vou ao quintal para apreciar esse pequeno milagre da natureza. A beleza, sopra-me ao ouvido Stendhal, é uma promessa de felicidade.