Cidades

Ricardo Tavares: "Fiquem em casa o máximo que puderem"

Em entrevista ao CB.Poder, o assessor da pasta da Saúde comentou o cenário atual de infecções por coronavírus na capital e as estratégias para o combate à Covid-19 no futuro, como instalação de leitos no Mané Garrincha e exames rápidos em sistema de drive-thru

Correio Braziliense
postado em 31/03/2020 06:00

homem gesticulandoO Distrito Federal entrará, nesta terça-feira (31/3), no mês considerado por especialistas o mais crítico da pandemia do coronavírus no país. O pico de casos confirmados deve ser registrado e o sistema de saúde público precisa estar preparado para atender todos os pacientes contaminados. Em entrevista ao CB.Poder — parceria do Correio com a TV Brasília —, o secretário adjunto de Assistência da Secretaria de Saúde do DF, Ricardo Tavares, comentou as principais medidas planejadas pela pasta para as próximas semanas. Segundo ele, o governo vai investir nos leitos construídos no Estádio Nacional Mané Garrincha, provavelmente prorrogará o período de isolamento social por meio de decretos e ainda estuda realizar exames rápidos em sistema de drive-thru.

Vimos que o número de casos confirmados de coronavírus no DF chegou a 301, mais do que o dobro da semana passada, apesar de todas as medidas restritivas que foram tomadas. O que pode ser feito para conter a disseminação da doença?
O número de casos é muito dinâmico. É variável ao longo do dia. Domingo, tivemos 298. Na manhã de segunda-feira, 301, mas pode aumentar até o fim do dia. Quando começamos a passar pela pandemia, a previsão era dobrar esse dado a cada dia. Todos os estudos mostravam isso. A Universidade de Brasília (UnB) mesmo fez um estudo até interessante, mas assustador, baseado no que a literatura mundial fala. Mas a gente vem percebendo um achatamento da curva. Com essas medidas restritivas do governo, de fechamento de escolas, shoppings e outras atividades, conseguimos achatar essa curva. Estávamos duplicando o número de casos no começo, hoje não mais.

Abril deve ser o pior mês, segundo especialistas. Como o DF está se preparando para isso? Até porque tivemos a primeira morte por coronavírus confirmada recentemente. 
O ministro da Saúde, (Luiz Henrique) Mandetta, tem sido perfeito nas falas e vou seguir uma fala dele. Tudo para coronavírus é muito empírico, tudo é novo, não temos resultados a longo prazo, não temos vacina nem medicamentos como tivemos no H1N1. Estudos mostravam que os primeiros 20 dias de abril seriam os de pico de casos, mas estamos tentando achatar a curva.

É possível o governo ampliar o período de quarentena, previsto para acabar em 5 de abril?
Sim, criamos o grupo executivo com várias secretarias e nos reunimos todos os dias, até pela noite, trabalhando de casa. Existe a possibilidade de prolongar, mas tudo é analisado dia por dia. Estamos diante de um inimigo invisível e desconhecido pelo mundo inteiro.

O que a gente pode fazer aqui no DF para reverter o mau exemplo do presidente Bolsonaro e manter as pessoas em isolamento, sem aglomerações?
Todos os decretos continuam em vigor, as escolas estão sem aulas; o comércio, fechado. Não posso julgar a postura de um presidente, mas o governador Ibaneis está sendo firme e os órgãos de fiscalização estão atuando, aplicando multas. Pode ser que, no futuro, as pessoas possam ser multadas, mas espero que a população seja compreensiva e tenha consciência, independentemente de ideologia partidária, para que a gente não precise tomar uma medida dessa. A Itália fez isso, nós não temos uma legislação sobre isso. Tivemos o bom exemplo da campanha da vacinação, que fizemos funcionar bem sem aglomerações. Criamos o sistema de drive-thru, vacinação por letra inicial do nome da pessoa. Mas não adianta nada o governo fazer tudo o que vem fazendo nos últimos dias se a população não colaborar.

Adultos e jovens, mesmo sendo saudáveis, devem cumprir o isolamento?
Sim. Os idosos são grupo de risco, têm possibilidade maior de o quadro evoluir para óbito. Mas pacientes mais jovens são vetores, podem não ter sintomas, mas podem transmitir. Eu tenho uma mãe de 76 anos, mas não a visito e peço para meus irmãos não visitarem. Temos que estar unidos.

Quase metade das pessoas contaminadas têm menos de 50 anos no DF. Como o senhor avalia o número grande de jovens infectados?
Digo que o coronavírus começou como uma doença de rico, que veio de fora, de pessoas que trouxeram do exterior. Tanto que, se olhar por região administrativa, as com maior poder aquisitivo têm mais infectados. Brasília tem um grande poder aquisitivo e os jovens viajam mais. Isso explica ter mais infectados e o próprio Ministério da Saúde interpretou assim.

O Ministério da Saúde disse que, a depender da evolução dos casos de coronavírus no país, o sistema de saúde entraria em colapso no fim de abril. Aqui no DF, a secretaria pode calcular até quando o sistema vai ser capaz de atender essa demanda?
Primeiro, temos que lembrar que não temos só pacientes com coronavírus, temos diabéticos, pessoas com câncer, acidentados, agredidos. E precisamos continuar prestando assistência a essas pessoas. Fizemos um plano de contingência e o Hran (Hospital Regional da Asa Norte) é o hospital de referência. Ele tem leitos exclusivos para pacientes com coronavírus. Pelo número de pacientes em internação, estamos conseguindo atender. Associado a isso, existem várias outras tratativas. Vamos ter mais 200 leitos no Mané Garrincha, temos o Hospital da Polícia Militar, que será equipado com mais 86 leitos, e ampliação dos leitos de UTI no Hospital de Santa Maria e em unidades da rede privada, que também devem assinar contratos para a Secretaria de Saúde.

Vocês receberam verbas adicionais de R$ 56 milhões. Como o dinheiro será usado?
Para aquisição de aparelhos, respiradores, equipamentos de UTI, montagem desses hospitais, principalmente do Mané Garrincha. Temos EPI (equipamento de proteção individual) para o início da sazonalidade, mas estamos comprando a mais. Mas é uma dificuldade, porque todo mundo está comprando ao mesmo tempo.

Qual o tamanho da rede de atendimento hoje do DF, pública e privada?
Mais de 5 mil leitos de enfermaria, quase mil leitos de UTI. Com o nosso plano de contingência, teremos mais quase 400 leitos de enfermaria e em torno de 150 leitos de UTI.

Como montar planos de ações para regiões mais carentes do DF?
Junto às vigilâncias epidemiológicas locais e equipes de saúde da família, estamos avaliando esses locais. Paciente que chega hoje à UPA (Unidade de Pronto Atendimento) vai passar pelo médico, que fará avaliação. Se continua a suspeita, é feito o exame do paciente. Se ele estiver bem, é orientado para o isolamento domiciliar. E a equipe de saúde da família, com o Cievs (Centro de Informações Estratégicas em Vigilância da Saúde), faz acompanhamento por meio de ligação ou visitas. Se a pessoa não ficar bem, é encaminhada ao hospital. Estamos monitorando cada caso e as regiões com maior número de pacientes acometidos. Estamos traçando plano para avaliar até se determinada rua tem maior de incidência. Temos que lembrar, ainda, que 86% dos pacientes estão assintomáticos. Dos que têm sintomas, 79% se contaminaram com quem não apresentou sintomas. Isso para percebermos o alto poder de transmissão. Mas a incidência de pacientes que vão precisar de internações é de 15%.

A secretaria tem uma previsão de quando a situação pode ser controlada no DF?
É tudo muito empírico ainda. Todos os estudos falam que, do início de abril ao mês de maio, é o período de maior incidência. Por volta de agosto ou setembro, pode chegar à normalidade. Não que isso signifique não tenhamos mais casos, mas tudo indica que não estaremos mais nessa situação de pandemia.

Ministério da Saúde diz que vivemos uma tempestade com outras doenças. Surtos de dengue e de sarampo, por exemplo. Como o sistema de saúde pode suportar isso?
Não paramos de ter dengue no DF há alguns anos, mas diminuímos o número de mortalidade em comparação aos anos anteriores, com várias ações. O grupo que cuida da dengue segue trabalhando. Por exemplo, todo sábado, o Corpo de Bombeiros vai às ruas, verifica onde há focos, visita as casas, procura foco de mosquitos para combatermos e, assim, trabalhamos as diversas questões ao mesmo tempo.

O governador entrou em contato com autoridades chinesas para receber equipamentos. O GDF vai utilizar algum equipamento ou até profissionais da China?
O primeiro caso de coronavírus do DF usou um respirador usado da China, inclusive. Mas eles também têm dificuldades de vender para o mundo, por conta do mercado interno. Teremos uma capacitação por videoconferência com profissionais da China. Essa troca de informações é muito útil.

A OMS reforçou a necessidade de testes massivos, o DF terá?
Sim, o teste mais recomendado hoje é o PCR do coronavírus. Só que ele é um teste que depende de carga viral para dar resultado. Por exemplo, se eu me infectei hoje, não adianta colher hoje ou daqui a 15 dias, que ele dará negativo. Não é um teste que tem memória, um teste de anticorpo. Diferentemente dos testes rápidos. Estamos adquirindo estes, com a possibilidade até de fazer um sistema de drive-thru com pacientes suspeitos. Porque é importante ter essas estatísticas, de quantos pacientes são, a localização deles, para ver onde vamos atuar de forma mais enfática. Quando se dosa anticorpo,  tem-se certeza se a pessoa foi infectada ou não. Se der um IGM positivo, por exemplo, que é um tipo de anticorpo, a pessoa está na fase aguda da doença. Se deu IGG, significa que ela já teve a doença e tem a memória imunológica, então, está curada, mas já teve coronavírus, o que a gente não consegue com o PCR, e ainda há a possibilidade de um falso negativo também.

Qual recado final o senhor deixa para a população?
A primeira coisa é bom senso. Seguir orientações dos órgãos de controle, do governo. Fiquem em casa o máximo que puderem. Sei que é difícil, tem gente que tem criança. Mas só de as crianças ficarem em casa nessa fase inicial, já tivemos uma repercussão da sazonalidade. As bronquiolites, por exemplo. A gente tinha uma incidência muito grande de crianças com doenças respiratórias nesse período, mas isso diminuiu e as pediatrias têm leitos desocupados. É usar a criatividade e o bom senso com elas. No geral, evitar contato com os mais velhos, lavar as mãos com água e sabão sempre, usar álcool em gel, evitar tocar em locais muito públicos, cumprimentar a distância. Tudo isso ajuda.

 

 

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