Cidades

Sem isolamento, mais de 70% da população do DF teria contato com a Covid-19

Grupo de trabalho da UnB estima que, sem o isolamento social, mais de 70% da população da capital teria contato com o vírus. No entanto, nem todos apresentariam sintomas. Segundo os pesquisadores, efeitos positivos dos últimos decretos já podem ser vistos

Correio Braziliense
postado em 28/03/2020 07:00
ilustração de um vírus giganteUm grupo de pesquisadores da Universidade de Brasília (UnB) estima que, sem o isolamento social, cerca de 70% da população da capital teria contato com o coronavírus. No entanto, os decretos adotados pelo Governo do Distrito Federal (GDF) já mostram resultados na contenção da Covid-19, de acordo com o estudo da UnB. 

O Núcleo de Altos Estudos Estratégicos para o Desenvolvimento e o Laboratório de Dinâmica de Doenças realizaram um trabalho que mostra as projeções futuras do vírus no DF, para evitar cenários ainda mais negativos do que o atual. As conclusões mostram o tamanho do problema e as maneiras de combate.

Um dos pesquisadores do grupo é Walter Ramalho, epidemiologista e professor da UnB. Ele explica que o núcleo envolve cientistas, doutores, estudantes de mestrado e doutorado. “Nós, assim como todo o planeta, fomos surpreendidos pela pandemia. Então, começamos esforços para construir parâmetros que possam ser utilizados pelas autoridades públicas para orientar as tomadas de decisões neste momento crítico”, diz. Os envolvidos analisaram países que já passaram pelos períodos mais críticos da doença, utilizando artigos científicos internacionais e parâmetros matemáticos de disseminação da Covid-19. “Percebemos que o novo coronavírus tem um potencial de transmissão grande. Cada contaminado infecta outras 2,7 pessoas, em média. É um potencial maior do que o do H1N1, por exemplo”, detalha.

A letalidade do vírus é considerada baixa, mas a velocidade de disseminação preocupa. “Ela é rápida e pode levar o sistema de saúde a uma saturação imediata, principalmente em relação aos leitos normais e de UTI. Isso pode elevar o número de pacientes severos e críticos, aumentando o número de óbitos”, ressalta Walter.

O estudo mostra que o índice de falecimentos provocados pela doença é de 2%, e que a capital poderia ter 7 mil mortes em 156 dias, em um cenário sem intervenções. Os pesquisadores ainda lembram que nem todos os contaminados vão apresentar sintomas ou precisar de internações, e que já é possível ver impactos positivos da luta contra o coronavírus no DF.

Quarentena
O Distrito Federal foi uma das primeiras unidades da federação a impor decretos de fechamento de escolas e estabelecimentos para o isolamento social da população. A medida gerou críticas de parte dos moradores da capital e divergências com outros governos. Mas, segundo análises do grupo da UnB, as ações foram adequadas. “Os efeitos matemáticos disso já podem ser vistos, bastando uma comparação da curva teórica matemática com o que estamos observando neste momento. Temos apenas nove casos de transmissão comunitária da doença, do total de mais de 200 contaminações. Isso mostra que é possível afirmar, mesmo que de modo preliminar, que as ações trouxeram grande impacto ao DF”, afirma o professor.

Além dos números baixos de pacientes infectados pela transmissão comunitária — quando não se sabe a origem da doença — outro ponto positivo das medidas adotadas é o resguardo da massa populacional. “Esse isolamento também está protegendo a população mais pobre, pois a grande maioria dos casos notificados está situada nas regiões de maior renda. Ou seja, estamos diante de um cenário repleto de incertezas, mas já temos resultados que, neste momento, podem ser utilizados para a boa tomada de decisão. O governo do DF e os representantes de estados que propuseram a redução da mobilidade acertaram”, sintetiza Walter.

Apesar disso, o aspecto econômico do fechamento de comércios segue sendo debatido no país. Para o professor, é necessário analisar as evidências técnicas. “Em 1918, as populações que mantiveram-se em quarentena saíram em melhor situação sanitária e econômica após a pandemia de gripe”, observa.

Aumento natural 
Os pesquisadores alertam que é natural que os casos confirmados de infecção pela Covid-19 continuem crescendo nos próximos dias, mas essas medidas são eficazes porque prolongam e achatam a curva epidêmica. Isso permite tempo para que os pacientes sejam atendidos e cuidados com uma estrutura corretamente dimensionada. De acordo com a Secretaria de Saúde, a rede pública do DF conta com 16 hospitais e dispõe de um total de 3.416 leitos gerais. “Também buscamos disponibilizar mais 90 leitos de UTI, sendo 60 no Hospital Regional de Santa Maria (HRSM). Junto da rede privada, os leitos somam 6501. A Secretaria também está buscando mais hospitais para a retaguarda, como o Hospital da Polícia Militar e um particular ainda indefinido”, informou a pasta, em nota. 

Três perguntas para Wildo Navegantes, professor e pesquisador da UnB

O estudo surge em um contexto muito sensível para pesquisadores e cientistas. No seu ponto de vista, pesquisas como essa podem ajudar os governos e a população?
As sociedades evoluíram e evoluem no mundo devido ao investimento em educação, ciência, tecnologia e inovação. É nesta hora que as pessoas procuram por vacinas, medicações, testes diagnóstico e demais soluções para, neste caso, se proteger ou estabelecer a saúde. Essas soluções, praticamente, só existem devido aos investimentos nas universidades e centros de pesquisa públicos. O nosso trabalho pode auxiliar os governos a monitorar o efeito das intervenções respondendo, por exemplo, qual foi o efeito da suspensão das aulas no possível impacto da Covid-19.

O trabalho também projeta a linha de crescimento, pico e queda de infecções. Nessa análise, podemos dizer que estamos só no começo das contaminações? Quando podemos esperar uma normalização dos casos, com o menor número de pacientes em tratamento do novo coronavírus?
Este estudo foi realizado sem que os governos decidissem pelas intervenções não farmacológicas, ou seja, estimamos o que seria a história natural da doença. Mas, por certo, estamos no início da pandemia no Distrito Federal. Por outro lado, com os dados disponíveis, ainda não podemos estimar o seu fim.

Qual sua mensagem, como especialista, para a população do DF sobre a Covid-19?
Preocupem-se com o coronavírus. Não se trata de uma ‘gripezinha’ como alguns têm dito por aí. A Covid-19, em pessoas mais velhas e que já possuem doenças crônicas, tem levado a muitos casos graves, que levam a internação e óbitos. A nossa preocupação é que já temos um sistema de saúde com limitada capacidade de internação. Então, recomendo que confiem nos pesquisadores brasileiros e gestores de saúde pública responsáveis, de forma que sigam o isolamento social, a etiqueta respiratória, a lavagem das mãos com água e sabão, uso do álcool, evitem aglomerações e acesso à rua desnecessariamente. Pacientes jovens e sem outras doenças só devem sair de casa para procurar o sistema de saúde se, de fato, apresentarem sinais de gravidade, como falta de ar. O impacto econômico está acontecendo pelas medidas sanitárias, mas também poderá ser oneroso socialmente, ou financeiramente, pelos custos sanitários. Internações, medicamentos, profissionais de saúde e equipamentos também custam muito caro. E não há como quantificar a perda de um ente querido em cada família.

Estimativa
O grupo de pesquisa estimou a necessidade de leitos no DF nos próximos meses, calculando que 18% dos infectados podem precisar de internação em um curto espaço de tempo.

» Demanda máxima de leitos normais: 6.700 (margem de erro aproximadamente de 10%, para mais ou para menos)

» Demanda máxima de leitos de UTI: 2.200 (margem de erro aproximadamente de 10%, para mais ou para menos)

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