Cidades

Crônica da Cidade

Braga no Jardim

 

Desde que li uma matéria sobre o projeto de Burle Marx para um megajardim ao longo do Eixo Monumental, não paro de imaginar as mudanças na qualidade de vida na área central do Plano Piloto. Imaginei tanto que acabei sonhando com o Parque do Burle.


Como se sabe, Brasília está situada em zona fronteiriça com matas cerradas e inúmeras espécies de aves procurariam aquele santuário ecológico. Tesourinhas, pintassilgos, sabiás, bem-te-vis, sanhaços, anuns e quero-queros. Seria comum avistar macacos-pregos, lobos-guarás, capivaras e gambás atravessando perigosamente a pista do Eixão, sob uma avalanche de carros, em busca do refúgio verde.


A fama de sítio ecológico fez com que até mesmo Rubem Braga, sempre pronto a esnobar Brasília, desse as suas escapadas do outro lado da vida e passasse a frequentar o Planalto para plantar árvores frutíferas clandestinamente e apreciar a passarada. Braga se escondia detrás de óculos escuros, chapéu Panamá e um terno branco, o que o deixava com um certo ar de agente secreto de filme B mexicano.


Mesmo assim, foi reconhecido por um braguista implacável, Francisco de Souza, o Chiquinho, do Cedoc do Correio, que identificou as indefectíveis sobrancelhas do cronista capixaba e o saudou com efusão. De sua parte, Braga desconversou com firmeza cínica: “Amigo, me confundir com a lastimável figura do Velho Braga é um engano que seria perdoável se não revelasse grave deficiência visual. Não me considero um galã de telenovela das oito, mas tenho lá a minha plástica. Consultarei meus advogados para estudar a possibilidade de processá-lo por danos morais à minha imagem.


”Chiquinho pediu sinceras desculpas pelo transtorno e Braga aceitou plenamente as escusas: “O senhor me interrompeu quando me encontrava exercendo o honesto ofício de não fazer nada, que é uma arte, sobretudo quando se está perto de mulheres bonitas ou de passarinhos. Quando vejo essas belas brasilienses passeando pelo parque do Burle, imagino que é uma gentileza distrital para com a nossa mesquinha, às vezes surdamente aflita pessoa”.


Chiquinho perguntou se o forasteiro era deputado e se viera a Brasília em alguma missão política: “Eu preferia ser um passarinho do que um deputado. Deputado não voa. É gentil ser um passarinho”, cortou Braga.


Ao ouvir a resposta, Chiquinho não resistiu e indagou, desconfiado: “O senhor tem certeza de que não é mesmo o Rubem Braga, o sabiá da crônica?”. Ao que Braga replicou prontamente: “Não sou sabiá coisa nenhuma. Preferia ser um urubu, ave pesada e mais triste”.


 Preocupado, Chiquinho perguntou se haveria algo a fazer pelo forasteiro, mesmo porque estamos na passagem dos 25 anos da morte de Braga:“Sim, suplico humildemente que me esqueçam!”, devolveu Braga: “Não quero ser fotografado na ilha da coluna Fama ou ser personagem da Crônica da cidade. Sobretudo, não quero ser personagem das supostas crônicas desse tal de Severino Francisco. Só gostaria de lembrá-los de que eu já morri. Fui”.


Dito isso, Rubem Braga permaneceu estático no banco, observando distraidamente as evoluções de um beija-flor, flanando no ar em frente a uma planta de Burle Marx, com seu voo veloz, leve, ziguezagueante e inesperado, parecendo um drible de Garrincha ou um chorinho de Waldir Azevedo.