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Brasília vibrou com a vitória de Emerson e com o autódromo

Esta matéria foi publicada originalmente na edição de 4 de fevereiro de 1974 do Correio. Sua republicação faz parte do projeto Brasília Sexagenária, que até 21 de abril de 2020 trará, diariamente, reportagens e fotos marcantes da história da capital. Acompanhe a série no site especial e no nosso Instagram

A vitória foi de Emerson. E veio dar ainda mais colorido e entusiasmo à festa com que a cidade justificadamente mostrava seu encantamento e seu orgulho pelo magnífico presente que recebia de seus administradores: o tão sonhado Autódromo, que superou a mais otimista expectativa. 

 

Tudo funcionou que foi uma beleza. Até o céu lançou sobre a cidade às, primeiras horas do dia, uma neblina inusitada, como que querendo esconder mais um pouco do brasiliense a supresa, a jóia que lhe estava reservada. E o resto foi o que se viu: Brasília em peso, vibrando de entusiasmo, comparecendo ao Autódromo; o Presidente Médici prestigiando com sua presença a prova automobilística com que foi homenageado: a máquina de Merson certinha, certinha, levando-o à bandeirada final com a maior tranquilidade e com o piloto dando um “show” de categoria; a organização do espetáculo perfeita em todos os sentidos: nenhum acidente para empanar o brilhantismo do acontecimento.

 

Brasília está feliz. E muito orgulhosa. E com muita razão.

 

A prova

No horário estabelecido, foi dada a largada para o Grande Prêmio Presidente Médici, assumindo a liderança o argentino Carlos Reutemann, sempre com Emerson em sua cola. Essa situação perdurou até a sexta volta, quando Emerson resolveu “cuidar dos papéis” e assumiu, de passagem, a primeira colocação, aumentando progressivamente, a diferença que o  separava do segundo colocado, que passava a ser Jody Schekter, com a quebra do carro do volante argentino. Sempre em terceiro, Arturo Merzario. E acabou a corrida. Foi assim até a 1ª e última volta, com o público saudando entusiasticamente a vitória de Emerson, que foi receber das mãos do Presidente Médici o magnífico troféu que conquistou com técnica, coragem e galhardia.

 

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Com seu Mc Laren, Merson cumpriu as quarenta voltas do percurso, totalizando cerca de 220 quilômetros, no tempo de 1 hora, 25 minutos, 22 segundo e 7 décimos, com a média de 174,333 km.

 

Chegaram a seguir: Jody Sheckter (Tyrrel Ford), da África do Sul; Arturo Merzario (Iso Marlboro), da Itália; Jachen Mass (Surtess) da Alemanha; Wilson Fittipaldi (Brahham), do Brasil; Howden Ganley (March), da Nova Zelândia; Henry Pescarolo (BRM), da França; Jean Pierre Beltoise (BRM), da França e José Carlos Pace (Surtess), do Brasil, que teve problemas com seu carro.

 

Os pilotos James Hunt. Carlos Reutemann e Hans Von Stuck não terminaram a prova. Cobertura completa nas páginas 6,7 e 8).

 

Emerson venceu quando e como quis o Grande Prêmio Presidente Médici

Dirigindo um Mc Laren, Emerson Fittipaldi foi o vencedor do Grande Prêmio Presidente Médici, prova realizada ontem, inaugurando o Autódromo de Brasília. O piloto brasileiro cumpriu as 40 voltas do percurso de 5.475,52 m, totalizando cerca de 220 km no tmepo de 1 hora, 25 minutos, 22 segundos e 7 décimos, perfazendo a média de 174,337 km/hora. A segunda posição coube ao sul africano Jody Scheckter, que ao volante de Tyrrel Ford nº 3 chegou poucos segundos atrás do brasileiro, seguido do italino Arturo Merzário que dirigia um Iso Marlboro para o Frank Williams Team.

O quarto lugar - sem prêmios ou taça 0 ficou com o alemão Jochen Mass, que dirigiu um Surtees, inscrito sob o nº 19. Uma volta atrás Wilsinho Fittipaldi recebeu a bandeirada ao volante do Bradham nº 8, que conseguiu chegar ao fim da prova apesar dos inúmeros problemas apresentados. 

Uma bela corrida

Tudo concorreu para que a prova se desenrolasse com êxito. Não só as características do autódromo e seus detalhes de construção que o fazem o melhor do mundo, mas a organização e até o tempo contribuiu para o êxito total.

O público, calculado em 150 mil pessoas começou a lotar o autódromo às sete e trinta da manhã quando foram abertos os portões, permanecendo até pouco depois das 13:00 horas, quando encerraram-se as festividades. Muita gente e nenhum acidente durante a competiação, e um final indicando muito êxito, marcaram o espetáculo de cores e som que assinalou o início das atividades da mais nova praça desportiva do DF. 

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Da corrida

O argentino Carlos “Lole” Reutemann, que conquistara a “pole position” no sábado, largou na frente, e nas primeiras 3 voltas a impressão geral era que o seu Brabham apresentava rendimento bem superior ao Mc Laren de Emerson. Durante as três primeiras voltas, a distância entre os dois ponteiros aumentava, notando-se igualmente a estranha presença do italiano Arturo Merzário que ocupava a terceira posição A quarta passagem começou a mostrar o que seria o restante da corrida. O sul africano dirigindo o Tyrrel que na temporada passada foi pilotado por Jackie Stewart, ultrapassou Merzário e começou a diminuir a distância que o separava do segundo classificado, Emerson e o Mc Laren. 

O brasileiro, ao notar a aproximação do Tyrrel azul, entendeu ter acabado a brincadeira e começou a fazer a aproximação com o Brabham líder. Sem muita dificuldade Emerson ultrapassou Reutemann durante a sexta volta, no miolo, começando a levar vantagem considerável do piloto argentino, cujo automóvel começava a mostrar sinais de perda de rendimento. Há que se reconhecer a categoria de Reutemann, que atualmente dirige muito mais que o Brabham pode lhe oferecer em matéria de rendimento. Duas voltas depois, a queda do Brabham branco permitiu que Scheckter o ultrapassasse, até que na décima volta, com o motor soltando fumaça pelo lado esquerdo, ele encostou na reta oposta aos boxes. Corrida à parte, a manifestação do funcionamento do esquema de segurança foi imediata. Em 2 segundos, quatro bombeiros estavam cercando o Brabham branco, e se Reutemann diz que não havia fogo levava um belíssimo banho de solução contra incêndio. Mais e mais bombeiros chegaram ao carro e logo uma tropa do Pelotão de Força da PM tirou os fotógrafos de perto do carro, escoltando Reutemann até o seu box. 

Emerson, tranquilo... 
Com a desistência de Reutemann, que parecia o único em condições de disputar com Fittipaldi, este ficou mais tranquilo, provocando com isto a queda da média horária, indicada na face que funcionava do painel eletrônico. Jody Scheckter mantinha a mesma distância, sem conseguir aproximar-se de Emerson, apesar do brasileiro ter diminuído o “train” da competição. A diferença entre os dois situava-se nos 7 segundos.

O inglês James Hunt, dirigindo para o Hesketh Racing Team, saiu muito mal, com o motor do seu March rateando. Depois, começou a aproximar-se dos últimos colocados, ensejando o que poderia ser uma boa disputa, que afinal não ocorreu. Na quarta volta, com o motor embolando muito, ele parou nos boxes, sem maiores condições de pretender algum resultado.

Moco, o José Carlos Pace, assim como Wilsinho Fittipaldi, largou com problemas na suspensão do Surtees. O carro saia muito com a frente nas curvas, obrigando o piloto a fazer as tomadas de curva antes do que seria o normal, para tentar corrigi-lo depois. Logo, uma parada nos boxes, com o motor falhando, o que motivou a troca de todos os cabos de vela e uma rápida verificação no distribuidor. Ele perdeu mais de uma volta nesta operação, e quando saiu, explorando o motor, pensou-se que uma tentativa de recuperação onde toda a sua capacidade de dirigir  seria demonstrada, fosse o programa da tarde. Mas, o Surtees decepcionou, mostrando que seu rendimento era medíocre, e que o brasileiro teria que se conformar com os problemas, tentando levá-lo até o fim da prova.

Stuck x Wilsinho
A melhor disputa da competição ficou por conta de Hans von Stuck, primeiro piloto da March e de Wilsinho Fittipaldi, com um Brabham sem embreagem desde a 10ª volta, com freios cujo pedal tocava o chassi, e sem muita estabilidade. O March verde com o nº 9 e o Brabham branco brigaram durante seis voltas, com ultrapassagens feitas no limite, curvas sem tomadas em uma disputa que mais parecia um pega de rua, onde a emulação é a  dona do espetáculo e a prudência o bom sendo ficam de longe para evitar comprometimentos. Tanto Wilsinho como Stuck demonstram que conhecem muito bem o produto, mas a vantagem ficou com o jovem alemão em sua terceira prova da Fórmula-1. Mesmo assim, ele ficou somente duas voltas à frente do Brabham, ocupando a 5ª posição. Logo encostou nos boxes com o aerofólio traseiro inteiramente solto, e com os freios dianteiros perdendo óleo depois do sacrifício a que foi submetido o sistema. 

Na frente, Emerson ampliava sua distância para o Tyrrel Ford nº 3, ficando folgado e sem problemas na liderança, o mesmo acontecendo com relação a Sechekter com o Tyrrel, Merzário, na terceira posição a bordo do Iso Marlboro e Jochen Mass, que ao volante de um Surtees garantia a representação da marca, à vista dos problemas que Pace, seu companheiro de equipe enfrentava.

A equipe mais fraca da Fórmula Um, correndo com superados BRM, um carro inglês com motor de 12 cilindros que não se entendem muito em si, disputava a última classificação, Jean Pierre Beltoise e Henry Pescarollo, ambos franceses, brigavam na tentativa de chegar em penúltimo, colocação afinal ocupada por Pescarollo, em que pese a tentativa de Beltoise fazê-lo, passando as marchas com uma vioência digna do Arturo Merzário, que ao fazê-lo para manter a terceira posição, chegava a mexer o corpo inteiro.

Encerradas as disputas pela queda de rendimento do Brabham de Wilsinho, as paradas de Pace nos boxes, a quebra do aerofólio e freios do March do alemão Stuck e determinado que Pescarollo chegaria na frente de Beltoise, a prova encerrou-se nas 40 voltas sem problemas, acidentes ou derrapagens mais sérias. Sob os aplausos gerais da enorme multidão que enchia o autódromo, Mário Patti deu a bandeirada de chegada, fazendo-o sem o tradicional e indispensável “jump”.

Logo em seguida, depois de fazer funcionar a segurança e de uma pequena dúvida sobre que boné utilizar - o da Marlboro ou da Goodyear, - Emerson optou pelo primeiro cruzando, a ponte sobre a pista para cumprimentar o Presidente Médici na Tribuna de Honra, quando, acompanhado de Jody Scheckter e de um nervoso Arturo Merzário, receberam os troféus relativos às classificações.

Logo em seguida, os três primeiros classificados ocuparam seus lugares no Pódium onde Emerson recebeu uma coroa de louros e deu o tradicional banho de champagne nos fotógrafos e nos segundos e terceiro classificados.

O incêndio que não se registrou
A única intervenção dos 270 solgados do Corpo de Bombeiros verificou-se quando o carro de Carlos Reutemann parou na pista. Um deles, talvez pensando que se tratava de um incêndio, usou o extintor jogando pó-químico no motor.

Bem aparelhado e com um esquema de socorro montado, testado e aprovado há dias, a corporação teve um dia tranquilo. Cada soldado ficava distante do outro menos de 200 metros e, se houvesse um acidente com os pilotos, o socorro viria em 5 segundos. 

Curso
Da “Para que tudo saísse bem, levei uma equipe de soldados a São Paulo com uma única finalidade: ver como trabalhavam os bombeiros de lá durante a prova de interlagos” disse o Capitão Rosado, chefe da segurança contra-incêndios. No final, ele estava satisfeito “porque não houve sequer um acidente e tudo saiu dentro do figurino”. Explicou ter levado seus soldados a São Paulo “porque eles não tinham conhecimento de socorros numa prova de Fórmula-1”. Os bombeiros madrugaram no Autódromo e eram vistos em todos os pontos. Seus 22 carros espalharam-se pelo Centro Desportivo “e, embora com esse esquema, a cidade ficou bem servida com equipes de plantão em todos os quartéis do Plano Piloto e Cidades-Satélites pontos para entrar em ação em casos de incêndio”. 

Arquivo CB -
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