A necessidade da construção de uma nova visão dos relacionamentos é destacada pela jurista Ela Wiecko. “É preciso trabalhar a quebra desse ódio contra o gênero feminino. Isso tanto com os homens quanto com as mulheres. É preciso enxergar uma nova masculinidade, que não tenha como referência as mulheres como um objeto de posse. Temos que mostrar o quão importante é reconstruir essas relações entre homens e mulheres no dia a dia”, reforça.
“Se um relacionamento abusivo acaba e cada um segue a sua vida, vemos que a tendência de repetição do ciclo existe. A mulher pode, sim, cair em outra relação abusiva e os homens continuam com o mesmo comportamento com as novas companheiras. Então, precisamos ter mais programas do governo para atendimento nesse sentido de conscientização de todas as partes envolvidas na violência”, completa.
Enfrentamento
Denunciar os casos de violência domésticas é uma das ações importantes para quebrar o ciclo de agressões, conforme ressalta Ben-Hur Viza, juiz titular do Juizado de Violência contra a Mulher do Núcleo Bandeirante e coordenador do Núcleo Judiciário da Mulher (NJM). “Os dados indicam que as mulheres não morrem porque tiveram a medida protetiva indeferida ou porque denunciaram a situação de violência. Isso pode ocorrer? Sim. Mas o grande foco deve ser em como fazer com que uma situação de violência chegue às autoridades. Se a vítima não registra, não há como protegê-la e orientá-la”, detalha.
O magistrado concorda se tratar de uma problemática cultural: “Define-se que, para a mulher ser respeitada, precisa ter a imagem masculina. De um certo modo, atitudes como esta legitimam a violência”. Acredita, no entanto, haver avanços nesse sentido. “Um dos fatos que apontam este progresso é o número de ocorrências de agressões familiares que são abertas pelos vizinhos. E é esse o nosso papel: comunicar as violências à polícia, para que não evoluam para um feminicídio”, alerta.
Para a mudança a longo prazo, Ben-Hur destaca a necessidade de se tratar a violência doméstica e familiar dentro do âmbito escolar, e cita o projeto Maria da Penha Vai à Escola: Educar para prevenir e coibir a violência contra a mulher. “Hoje, esse trabalho leva o conhecimento da lei para crianças e adolescentes que também são vítimas de violência”, diz.
Além da educação, Maria Carolina Ferracini aponta outros elementos que devem ser mudados. “É preciso implementar políticas públicas eficazes e suficientemente financiadas, pois é necessário mudar urgentemente o foco da punição para a prevenção”, afirma. “Apesar de ser importante garantir às vítimas o direito à justiça e à memória, antes de mais nada é fundamental que as mulheres vivam. Para isso, será necessário que os serviços de acolhimento estejam verdadeiramente prontos para recebê-las, sem discriminação racial e sem estereótipos de gênero.”
Esse trabalho, reforça a especialista, não pode se limitar às delegacias. Deve ocorrer também na saúde, na assistência social e nas casas-abrigo. “Aqui no Brasil temos observado indícios de que as políticas de enfrentamento à violência e amparo de mulheres vítimas são menos acessíveis às mulheres negras, indígenas e rurais.”