Cidades

Mamonas Assassinas: Sorriso e lágrimas

Doze horas separaram a alegria dos fãs brasilienses em ver os Mamonas no Mané Garrincha e a tristeza pela morte dos ídolos

Esta matéria foi publicada originalmente na edição de 4 de março de 1996 do Correio. Sua republicação faz parte do projeto Brasília Sexagenária, que até 21 de abril de 2020 trará, diariamente, reportagens e fotos marcantes da história da capital. Acompanhe a série no site especial e no nosso Instagram.

 

Milhares de brasilienses viveram emoções antagônicas em menos de 24 horas. O Correio Braziliense conversou com fãs antes e depois do show e da tragédia ocorrida após a apresentação da banda no Mané Garrincha.

 

Pouco antes do último show dos Mamonas Assassinas, a comerciária Silvânia Rodrigues, 23 anos, explicava os motivos que a levaram ao estádio Mané Garrincha na tarde de sábado . “Os Mamonas são o máximo. As músicas são legais e têm tudo a ver com a juventude de hoje”.


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Durante o show Silvânia dançou, pulou e gritou “Dinhô, lindô” o tempo todo, não se intimidando pela presença do namorado, Wanderson Sousa, 16 anos. 

 

Às 7h30 da manhã de ontem, Silvânia foi acordada por um telefonema. Desconfiando da veracidade da notícia dada por um amigo do outro lado da linha, Silvânia ligou o rádio para checar.  Imediatamente uma reportagem desfez todas as dúvidas. Não só o ídolo Dinho, como todos os outros Mamonas estavam mortos. 

 

A simplicidade das palavras de Silvânia descrevem sua comoção: “Eu estou me sentindo triste, muito triste. Eu esperava vê-los novamente, ouvir outros discos, ir a outros shows. Hoje (ontem) eu já ouvi as fitas e beijei as fotos deles não sei quantas vezes”, conta a fã.

 
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Silvânia acredita que a morte dos integrantes dos Mamonas Assassinas não vai diminuir o brilho do grupo. “Eles vão é fazer mais sucesso, igual aos Beatles, quando o John Lennon morreu”, compara. 

 

O namorado de Silvânia, Wanderson custou a acreditar no fim dos Mamonas. “A gente tinha acabado de sair do show. Não poderia ter acontecido uma tragédia dessas, não. Eu estou chocado”, disse Wanderson. 

 

O casal passou o domingo na frente da TV, acompanhando o noticiário sobre o acidente. “Toda hora que passa alguma coisa falando deles, eu choro”, disse a menina, desolada. 

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A casa de Silvânia, na QNQ 05 da Ceilândia, virou concentração de tietes dos Mamonas. Suas amigas Andréa César, 15, Maria José, 21, Jacira Figueiredo, 13 e Eva de Araújo, 16, se reuniram para assistir juntas aos plantões telejornalísticos que davam as últimas informações sobre o conjunto. 

 

 

 

Eva de Araújo, que também foi ao show de sábado, estava muito emocionada com as morte de Dinho, Samuel, Júlio, Sérgio e Bento. “Estou me sentindo péssima”, declarou. 

 

O engenheiro mecânico Márcio Almeida, 23 anos, também foi ao último show da carreira dos Mamonas. O ingresso foi comprado com duas semanas de antecedência. Márcio não queria correr nenhum risco de deixar de conferir ao vivo a execução das músicas que admira. 


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Para ele, saber da morte dos Mamonas Assassinas foi um “baque”. Duas horas antes do acidente fatal, Márcio havia se despedido alegremente do maior fenômeno da música brasileira dos últimos tempos. Não imaginava que, na manhã seguinte, sua satisfação com o espetáculo que definiu como “ótimo” se converteria em muita tristeza.

 

“Foi difícil falar sobre isso. Não tem o que dizer. Dá um nó na garganta”, lamenta Márcio. 

 

Cenas de tietagem 

Exatas duas horas antes do acidente que encerrou prematuramente a carreira dos Mamonas Assassinas, a estudante Maira Machado, 15 anos, se despedia os ídolos com gritos histéricos no estádio Mané Garrincha.

 

“O show foi ótimo porque deram um close no Dinho, e apareceu a bunda dele no telão”, dizia Maira, entusiasmada. 

 

As amigas que acompanharam Maira no show demonstram o mesmo ânimo diante do “lindo, maravilhoso” Dinho. 

 

“Eu gostei mais da parte que o Dinho ficou rebolando de sunguinha”, disse Daniela Setúbal, 18 anos, após a apresentação dos Mamonas. Sua irmã, Mariana, concordou com tudo. Para ela, o show só merecia uma crítica: “Só não gostei porque a namorada do Dinho veio, aí não deu para ele mexer com o público”, reclamou sem razão, uma vez que a concorrente não veio a Brasília. 

 

Antes do show, as três já tinham sido responsáveis por cenas de tietagem explícita no San Marco Hotel, onde os Mamonas ficariam hospedados. O plantão foi inútil. Dinho e Cia. não ficaram no hotel nem apareceram para saciar a curiosidade das meninas de o verem de perto.

 

Maira, Mariana e Daniela perderam sua última oportunidade de conseguir os almejados autógrafos. “A gente era louca para falar com eles, pegar autógrafo deles. Agora nunca mais”, afirmou a estudante Mariana, enquanto chorava. 

 

“Ontem (sábado) eles estavam tão alegres. Agora nem existem mais. Nós fomos umas das últimas pessoas a ver eles. É inacreditável”, espanta-se Mariana, e emenda, inconsolável: “O aniversário do Dinho seria dia 5, terça-feira. Ele faria 25 anos”.

 

Com palavras de desespero semelhante, Daniela Setúbal descreve seu estado de espírito ante a tragédia que vitimou os Mamonas Assassinas: “Estou muito mal. Não consigo nem acreditar. Do meu coração eles não saem”. 

 

Para Maira Machado, que se encarregou de dar a má notícia às companheiras de tietagem na manhã de ontem, o único remédio para sua dor é tirar os Mamonas da cabeça. “A gente vai tentar esquecer, porque, toda vez que a gente lembra, dá aquela tristeza”, explicou a garota. 

 

Pelo menos alguém vai ficar feliz pelo fato de as meninas pararem temporariamente de ouvir Mamonas: os outros moradores do bloco K da 216 Norte. “Antes, a gente pulava a ponto de incomodar os vizinhos de baixo”, confessou Maira.