Esta matéria foi publicada originalmente na edição de 4 de março de 1996 do Correio. Sua republicação faz parte do projeto Brasília Sexagenária, que até 21 de abril de 2020 trará, diariamente, reportagens e fotos marcantes da história da capital. Acompanhe a série no site especial e no nosso Instagram.
Entre a decepção e o delírio. Os produtores, visivelmente abatidos, procuravam justificativas para o “pequeno público” que assistiu o último show dos Mamonas na noite de sábado. Mas as 4 mil e 500 pessoas que presenciaram a apresentação foram à loucura com o quinteto de Guarulhos.
Helder e Waldemar Cunha, da produtora responsável pelo show (ArtWay), estimavam que, “pelo menos” 15 mil pessoas estiveram no Estádio Mané Garrincha, depois de colocar 19 mil ingressos à venda.
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Isso porém não era o que pensavam as crianças e os pré-adolescentes, maioria absoluta na platéia. Eles recepcionaram o Mamonas - e em especial o vocalista Dinho - com um entusiasmo que beirou a histeria. E ao cantar junto os maiores sucessos do grupo.
Mas por que mais gente não apareceu no estádio? “Como o ginásio Nilson Nelson não pode ser utilizado, acreditávamos que o Mané Garrincha seria o local ideal para o show, por oferecer um conforto maior ao público. Mas, pelo visto o brasiliense não entendeu assim”, consolava-se Helder Cunha.
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Já seu irmão Waldemar fez mea culpa ao considerar que o anúncio veiculado inicialmente na televisão e nas rádios, limitando o acesso ao show para maiores de 14 anos, acabou afugentando as crianças, “o contingente maior de fãs da banda”, acredita.
Decepcionado também ficou Luis Tarandach, da produção do Mamonas. “Não tenho explicação para o que aconteceu. O trabalho de divulgação foi super bem feito e esperávamos um público muito maior. A banda vem de quatro show, que tiveram em média 15 mil espectadores”, contabilizava, antes do desastre.
Alheia a este tipo de preocupação, a garotada estava ali para se divertir, sem imaginar a tragédia que estava por vir. Camila Maria Souto Maia, de sete anos, era uma das mais animadas.
Ela chegou ao Mané Garrincha duas horas antes do show começar, acompanhada pelo pai, um irmão e duas amigas. Já estava rouca quando Dinho começou a cantar Vira-Vira, a música dos Mamonas que ela mais gosta. “Eu queria tirar uma foto com ele”, dizia com os olhos fixos no vocalista.
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Talita Marques da Silva, de 11 anos, mesmo confessando que já havia “abusado” das músicas da banda, proclamava sua paixão pelo ídolo: “O Dinho é muito lindo e se eu pudesse dava um beijo nele”. Esse era também o desejo de Renata Clark Cavalheiro, de 9 anos, que colecionava tudo sobre o Mamonas.
No setor de cadeiras, Gabriel Luan Silva Coelho, de cinco anos, não perdia nenhum detalhe. Assistia a um show pela primeira vez e para ele tudo era novidade, das luzes do palco ao barulho do público.
Mas o que Gabriel parecia mais curtir eram as caretas feitas por Dinho, botando a língua para fora. “Ele é engraçado, parece um palhaço”, comentou sorrindo.
Numa fila mais à frente, Júlio César Campos, de oito anos, sem entender porque o vocalista usava vestido ao cantar Robocop Gay, observou: “Parece uma mulherzinha”. Sua irmã Clara, de 10 anos, defendeu Dinho na hora: “Não é não. Ele é xuxuzinho”.
Passagem meteórica pela cidade
A passagem dos Mamonas Assassinas por Brasília foi meteórica: apenas 3 horas e 15 minutos. Os paulistas chegaram à cidade com um certo atraso para o show. Eram 18h20 quando o jato de prefixo PT-LSD que os transportava aterrissou no hangar da Brata. Os músicos ficaram por meia hora na sala vip da empresa, a tempo de assistirem o final do último capítulo da novela História de Amor, da TV Globo.
Lília Souza, gerente da produção da ArtWay, recebeu os rapazes no hangar da Brata. Ela disse que Dinho e seus companheiros não exibiam a alegria costumeira. “Eles pareciam tristes e num determinado momento deixaram a sala vip para uma conversa reservada”.
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Com o atraso na chegada, a banda ficou impossibilitada de passar pelo hotel San Marco, onde haviam sido reservados 20 apartamentos. Os quartos acabaram sendo ocupados, em parte, pela equipe técnica e seguranças.
Eram 19h quando o veículo que conduzia o grupo - uma van da marca Besta - entrou no estádio Mané Garrincha. Imediatamente os músicos se dirigiram para o camarim (montado num dos vestiários), ao qual só tiveram acesso as pessoas envolvidas com a produção do show.
No camarim, os Mamonas encontraram porções fartas de frutas, frios, pães e salgados. Dinho sorriu e comentou que foi o melher bufê que tiveram em toda a turnê. “Eles demonstraram apetite, comendo um pouco de tudo o que foi servido”, lembrou Lília.
Para beber, nada de bebida alcoólica. Comprovando a fama de bons garotos, os Mamonas consumiram apenas Gatorade e água no camarim.
“Nosso último show” - minutos antes de subirem ao palco, às 19h50, os Mamonas estavam felizes. Quase em estado de graça. Eles comemoravam o compromisso final da banda antes de um período de descanso até a gravação do novo disco. “Esse é o nosso último show!”, gritaram juntos, de mãos dadas.
A apresentação em Brasília encerrou a turnê de lançamento do primeiro disco da banda. Na sexta-feira, eles tocaram em duas cidades do interior paulista: Piracicaba e Sorocaba. Tiveram tempo ainda em participar da Festa da Uva, em Caxias do Sul.
Um providencial problema com a Ordem dos Músicos salvou a vida de Benjamin Érico Friedman, o integrante da equipe dos Mamonas Assassinas, responsável pela parte burocrática da banda.
Quase ao término do show, fiscais da Ordem o procuraram no estádio, solicitando a carteira dos músicos e apreenderam duas. O caso foi acabar na 2ª DP, no final da Asa Sul.
Na delegacia, acompanhado por Helder Cunha e Renato Costa, diretor e advogado da ArtWay - produtora do show - respectivamente, Friedman conseguiu reaver as carteiras. Ao retornar ao estádio os Mamonas já tinham ido para o aeroporto e em seu lugar viajou o roadie.
Friedman voltou para São Paulo ontem pela manhã, em vôo de carreira, junto com Luis Tarandach e outros integrantes da equipe de produção, que ficaram na cidade hospedados no hotel San Marco. “Eles estavam arrasados e choraram muito desde a hora em que receberam a notícia do desastre”, contou Waldemar Cunha, da ArtWay.
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