Cidades

Mamonas Assassinas: O choque

A tragédia dos Mamonas desconcertou os pais dos fãs mirins do grupo; muitos não sabiam a maneira adequada de transmitir a notícia da morte dos ídolos aos filhos

Correio Braziliense
postado em 12/03/2020 06:09

Adaura Martins e Carolina Abreu foram ao show dos Mamonas anteontem e só acreditaram na morte dos ídolos quando viram pela televisão o resgate dos corposEsta matéria foi publicada originalmente na edição de 4 de março de 1996 do Correio. Sua republicação faz parte do projeto Brasília Sexagenária, que até 21 de abril de 2020 trará, diariamente, reportagens e fotos marcantes da história da capital. Acompanhe a série no site especial e no nosso Instagram.

 

O anúncio da morte veio novamente numa manhã de domingo. Assim como no dia do desastre com o piloto Ayrton Senna - em maio de 1994 -, os pais tiveram que se desdobrar para contar logo cedo aos filhos a fatalidade com os Mamonas Assassinas. 

 

Neusicler Abreu preferiu não chocar as filhas Carolina, 16, e Karina, 13, quando soube do acidente com os Mamonas pela televisão. Disse apenas que o avião dos roqueiros estava desaparecido e que ainda não sabiam se o grupo estava dentro. 


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Carolina começou a chorar. No sábado, ela e a amiga Adaura Martins, 16, haviam ido ao show no Mané Garrincha .

 

Inconformadas, elas se recordaram da performance do grupo. “O Dinho desceu do palco e ficou bem pertinho da gente. Ele falou que demoraria um pouco em Portugual, e desejou que a gente ficasse com Deus”, lembra Carolina emocionada. 

 

As duas gastaram todo o dinheiro que levaram para o show com fotos dos ídolos. “Deixamos de tomar refrigerante para comprar as fotos”, afirma Adaura. “A vibração do show era muito bonita”, recorda.

 

Página do Correio Braziliense sobre reação dos fãs à morte dos Mamonas Assassinas 

 

Elas compararam a morte dos ídolos com o acidente de Ayrton Senna. Para Carolina, a morte dos cinco rapazes de Guarulhos chocou bem mais. “Eu estava muito ligada ao grupo. O que chocou mais ainda foi o fato da gente ter visto eles num dia e saber que eles morreram no outro”, lamenta. 

 

Se o ímpeto da morte do piloto não abalou tanto os filhos, a dificuldade de contar a triste notícia foi a mesma para os pais. “Foi exatamente como a morte de Ayrton Senna. Você não acredita no que está vendo e precisa contar aos filhos”, comenta a jornalista Tânia Monteiro. 

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Na manhã de ontem, Tânia e sua filha Paulo, 9 anos, recebiam em casa Fernanda Capilé, 9 anos, amiga de Paula e também tiete dos Mamonas Assassinas. 

 

Às 9h30 o telefone tocou, Bethânia Capilé, mãe de Fernanda, dava a notícia para Tânia. “Fale com jeito para as meninas”, recomendou Bethânia. 

 

Logo que desligou o telefone, Tânia Monteiro debateu com o marido César como transmitir a notícia para a filha Paula e a amiga Fernanda. “Mas como vamos contar para elas”, perguntava a jornalista ao marido na sala de estar. 

 

Nesse momento as meninas apareceram. As duas perguntavam: “Mas dizer o quê?”. Foi quando a mãe falou sobre o acidente com os músicos. “Disse que parecia ter havido um acidente com os Mamonas”, lembra Tânia. “Usei sempre o condicional, para não afirmar nada com certeza”.

 

As duas amigas só acreditaram na tragédia quando viram pela televisão a imagem do helicóptero içando o primeiro corpo na Serra da Cantareira. “Senti como se eu tivesse morrido”, conta Paula Monteiro, com os olhos cheios de lágrimas. 

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Caio Tavares, 7 anos, está desolado: “O mundo é cruel porque todo mundo morre”. O pequeno fã dos Mamonas Assassinas tinha apenas uma fita-cassete gravada dos ídolos. A mãe Rubenita Tavares, que não gosta do rock escrachado dos paulistas, não havia comprado o disco. 

 

Caio gravou a fita dos Mamonas nas férias na casa da tia em Fortaleza (CE). Foi essa mesma tia que ligou para Brasília, às 10h de ontem, para transmitir a notícia à irmã Rubenita Tavares, mãe do menino. 

 

Rubenita precisou de muito jeito para contar a tragédia ao filho. “Disse primeiro que havia acontecido alguma coisa com os Mamonas”, lembra a funcionária do Ministério da Fazenda. “O que houve com eles?”, retrucou Caio. Acuada, a mãe não tinha mais como dizer meias palavras. 

 

O garoto procurava descobrir por que os roqueiros não escaparam da queda do avião. “Eles deveriam usar colete salva-vida”, argumentava Caio. Rubenita Tavares explicava que o avião dos roqueiros era pequeno e por isso oferecia mais riscos. 

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Depois que Rubenita conseguiu convencer o filho, Caio seguiu sua lógica infantil para apontar o responsável pelo acidente com os Mamonas. “Vou culpar o presidente”, disse o menino. 

 

Os pequenos fãs dos Mamonas Assassinas vêem a morte dos Mamonas de forma mais poética do que os tietes adiantados na idade. “Os Mamonas foram embora”, disse Arthur Albuquerque, 3 anos, quando indagado sobre o que havia ocorrido com os jovens artistas. 

 

Nailee Albuquerque, irmã de Arthur, não interpreta a realidade com tanta inocência. “Ainda não estou acreditando nessa história”, afirma a adolescente de 14 anos, com uma expressão desconfortável no rosto. 

 

Rádio

A  105 FM recebeu das 15h às 18h de ontem mais de 40 ligações de fãs dos Mamonas Assassina. Todos pediam Robocop Gay, Pelados em Santos e Vira Vira, maiores sucessos do grupo paulista. 

 

“Nunca tinha visto isso em rádio antes. O telefone não parou”, afirma Calos Alberto Alves, o Cacá, locutor da rádio. Ele afirma que há uma tendência dos pedidos de ouvintes aumentarem durante a semana. 

 

Dentre os telefonemas que atendeu, Cacá lembra o pedido de Danielle, uma fã de 7 anos moradora do Lago Sul. “Foi a única que chorou quando pediu”, afirma o locutor. 

 

Segundo Cacá, a pequena Danielle queria ouvir Robocop Gay e perguntava: “Cadê o Mamonas?”. 

 

 

 

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