Esta matéria foi publicada originalmente na edição de 4 de março de 1996 do Correio. Sua republicação faz parte do projeto Brasília Sexagenária, que até 21 de abril de 2020 trará, diariamente, reportagens e fotos marcantes da história da capital. Acompanhe a série no site especial e no nosso Instagram.
O anúncio da morte veio novamente numa manhã de domingo. Assim como no dia do desastre com o piloto Ayrton Senna - em maio de 1994 -, os pais tiveram que se desdobrar para contar logo cedo aos filhos a fatalidade com os Mamonas Assassinas.
Neusicler Abreu preferiu não chocar as filhas Carolina, 16, e Karina, 13, quando soube do acidente com os Mamonas pela televisão. Disse apenas que o avião dos roqueiros estava desaparecido e que ainda não sabiam se o grupo estava dentro.
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Carolina começou a chorar. No sábado, ela e a amiga Adaura Martins, 16, haviam ido ao show no Mané Garrincha .
Inconformadas, elas se recordaram da performance do grupo. “O Dinho desceu do palco e ficou bem pertinho da gente. Ele falou que demoraria um pouco em Portugual, e desejou que a gente ficasse com Deus”, lembra Carolina emocionada.
As duas gastaram todo o dinheiro que levaram para o show com fotos dos ídolos. “Deixamos de tomar refrigerante para comprar as fotos”, afirma Adaura. “A vibração do show era muito bonita”, recorda.
Elas compararam a morte dos ídolos com o acidente de Ayrton Senna. Para Carolina, a morte dos cinco rapazes de Guarulhos chocou bem mais. “Eu estava muito ligada ao grupo. O que chocou mais ainda foi o fato da gente ter visto eles num dia e saber que eles morreram no outro”, lamenta.
Se o ímpeto da morte do piloto não abalou tanto os filhos, a dificuldade de contar a triste notícia foi a mesma para os pais. “Foi exatamente como a morte de Ayrton Senna. Você não acredita no que está vendo e precisa contar aos filhos”, comenta a jornalista Tânia Monteiro.
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Na manhã de ontem, Tânia e sua filha Paulo, 9 anos, recebiam em casa Fernanda Capilé, 9 anos, amiga de Paula e também tiete dos Mamonas Assassinas.
Às 9h30 o telefone tocou, Bethânia Capilé, mãe de Fernanda, dava a notícia para Tânia. “Fale com jeito para as meninas”, recomendou Bethânia.
Logo que desligou o telefone, Tânia Monteiro debateu com o marido César como transmitir a notícia para a filha Paula e a amiga Fernanda. “Mas como vamos contar para elas”, perguntava a jornalista ao marido na sala de estar.
Nesse momento as meninas apareceram. As duas perguntavam: “Mas dizer o quê?”. Foi quando a mãe falou sobre o acidente com os músicos. “Disse que parecia ter havido um acidente com os Mamonas”, lembra Tânia. “Usei sempre o condicional, para não afirmar nada com certeza”.
As duas amigas só acreditaram na tragédia quando viram pela televisão a imagem do helicóptero içando o primeiro corpo na Serra da Cantareira. “Senti como se eu tivesse morrido”, conta Paula Monteiro, com os olhos cheios de lágrimas.
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Caio Tavares, 7 anos, está desolado: “O mundo é cruel porque todo mundo morre”. O pequeno fã dos Mamonas Assassinas tinha apenas uma fita-cassete gravada dos ídolos. A mãe Rubenita Tavares, que não gosta do rock escrachado dos paulistas, não havia comprado o disco.
Caio gravou a fita dos Mamonas nas férias na casa da tia em Fortaleza (CE). Foi essa mesma tia que ligou para Brasília, às 10h de ontem, para transmitir a notícia à irmã Rubenita Tavares, mãe do menino.
Rubenita precisou de muito jeito para contar a tragédia ao filho. “Disse primeiro que havia acontecido alguma coisa com os Mamonas”, lembra a funcionária do Ministério da Fazenda. “O que houve com eles?”, retrucou Caio. Acuada, a mãe não tinha mais como dizer meias palavras.
O garoto procurava descobrir por que os roqueiros não escaparam da queda do avião. “Eles deveriam usar colete salva-vida”, argumentava Caio. Rubenita Tavares explicava que o avião dos roqueiros era pequeno e por isso oferecia mais riscos.
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Depois que Rubenita conseguiu convencer o filho, Caio seguiu sua lógica infantil para apontar o responsável pelo acidente com os Mamonas. “Vou culpar o presidente”, disse o menino.
Os pequenos fãs dos Mamonas Assassinas vêem a morte dos Mamonas de forma mais poética do que os tietes adiantados na idade. “Os Mamonas foram embora”, disse Arthur Albuquerque, 3 anos, quando indagado sobre o que havia ocorrido com os jovens artistas.
Nailee Albuquerque, irmã de Arthur, não interpreta a realidade com tanta inocência. “Ainda não estou acreditando nessa história”, afirma a adolescente de 14 anos, com uma expressão desconfortável no rosto.
Rádio
A 105 FM recebeu das 15h às 18h de ontem mais de 40 ligações de fãs dos Mamonas Assassina. Todos pediam Robocop Gay, Pelados em Santos e Vira Vira, maiores sucessos do grupo paulista.
“Nunca tinha visto isso em rádio antes. O telefone não parou”, afirma Calos Alberto Alves, o Cacá, locutor da rádio. Ele afirma que há uma tendência dos pedidos de ouvintes aumentarem durante a semana.
Dentre os telefonemas que atendeu, Cacá lembra o pedido de Danielle, uma fã de 7 anos moradora do Lago Sul. “Foi a única que chorou quando pediu”, afirma o locutor.
Segundo Cacá, a pequena Danielle queria ouvir Robocop Gay e perguntava: “Cadê o Mamonas?”.