Cidades

Mamonas Assassinas: Adeus, meninos

 Esta matéria foi publicada originalmente na edição de 4 de março de 1996 do Correio. Sua republicação faz parte do projeto Brasília Sexagenária, que até 21 de abril de 2020 trará, diariamente, reportagens e fotos marcantes da história da capital. Acompanhe a série no site especial e no nosso Instagram

 

A piada não tem mais graça. Os Mamonas Assassinas se foram tão rápido quanto apareceram, deixando um rastro de sucesso e carisma sem comparações na história recente da música popular brasileira. 

 

Em menos de um ano, venderam quase três milhões de discos. Mais importante: caíram na boca do povo. Quem não assoviou Sabão Crá Crá ou cantou os versos de Pelados em Santos nos últimos seis meses? Todo mundo assoviou e cantou. As crianças, principalmente. Foram elas que adotaram o quinteto irreverente. Agora, choram o sumiço de seus maiores ídolos. 

 

Foi um susto para os pais ouvirem seus filhos falando de surubas lusitanas, sexo animal e robôs homossexuais. Mas não é muito mais divertido do que aturar uma sucessão interminável de ilariês ou balõezinhos mágicos? Os super-heróis da criançada desapareceram tragicamente. Vão deixar saudades e tristeza nos mais novos. Eles terão que aprender mais cedo do que se esperava a enfrentar o lado ruim da vida: a morte. 

 

 

O Acidente 

 

Para os Mamonas Assassinas, a vida era uma piada. Brincavam com tudo e com todos e, ironicamente, até com avião, o meio de transporte que acabou por matá-los. Chocado com a morte dos amigos, o produtor de discos Arnaldo Saccomani lembrou que no encarte do primeiro e único disco, entre outros agradecimentos, os músicos citam textualmente o avião e seu inventor, Santos Dumont. “Ao pessoal do avião (que serviu um rango da hora na nossa viagem pros USA) e aos Santos Dumont que inventou o avião, senão a gente tava indo mixar o disco a pé”, dizia o grupo no encarte de seu primeiro disco onde ainda agradecem a força da por Arnaldo Saccomani e também ao inglês Charles Miler, por ter trazido o futebol para o Brasil. 

 

Não há mais mamonas. Os cinco integrantes do grupo Mamonas Assassinas e mais quatro pessoas morreram no final da noite de sábado, quando o Lear Jet de prefixo PT-LSD, retornando de Brasília, onde o grupo acabara de dar seu último show, chocou-se com a Serra da Cantareira, no Norte da capital paulista, explodindo em seguida. 

 

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O acidente ocorreu por volta das 23h30m, pouco depois de o comandante da aeronave ter pedido autorização de pouso à torre do Aeroporto Internacional de Cumbica, em Guarulhos, na Grande São Paulo. 

 

Após receber a autorização, o avião arremeteu (subiu novamente) quando se preparava para tocar a pista. Logo a seguir, a torre do aeroporto perdeu o contato com o Lear Jet, de propriedade da Mari Táxi Aéreo, de Ribeirão Preto (SP).

 

De acordo com a Infraero às 23h20m, o piloto entrou em contato com a torre de controle pedindo autorização para pousar. Logo depois o piloto informou que não desceria, pois necessitava retomar o curso. 

 

Por volta das 23h37m, o radar da torre de controle perdeu o sinal do avião, o que levou a Infraero a acionar Polícia Militar, Defesa Civil e Corpo de Bombeiros. 

 

Segundo a Infraero as investigações para saber as causas do acidente devem levar de 30 a 60 dias para serem concluídas. Os aviões do tipo executivo não possuem caixa preta, mas a comissão de investigação vai analisar as gravações feitas pela torre de controle da conversa dos operadores com o piloto. 

 

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O avião se espatifou no topo da Serra da Cantareira, abrindo clareira na mata fechada e matando na hora seus nove ocupantes: o vocalista Alecsander Alves, o Dinho; o baixista Samuel Reis de Oliveira, e seu irmão, o baterista Sérgio; o guitarrista Bento Hinoto; o tecladista Júlio Rasee; o piloto Jorge Luiz Germano Martins; o co-piloto Alberto Yoshihumi Takeda; o secretário da banda Isaac Souto; e o segurança Sérgio Saturmilho Porto. 

 

O resgate dos corpos foi iniciado na madrugada de ontem por cerca de 80 soldados da Polícia Militar e do Corpo de Bombeiros. Por volta das 8h de hoje, todos os corpos foram localizados e embrulhados em lonas. 

 

A seguir, foram içados para a pedreira localizada no sopé da Serra da Cantareira, com o auxílio de um helicóptero e de um cabo. No local, só quatro dos corpos foram reconhecidos. 

 

 

 

Sobrevivente

A tragédia que matou a matou Mamonas Assassinas poderia ter sido maior: na última hora, André de Brito Oliveira, o Ralado, amigo de infância e secretário pessoal de Dinho, desistiu de viajar, deixando um assento vago no Lear Jet. 

  

Ralado chegou ao Aeroporto Internacional de Cumbica, em Guarulhos, às 9h40m de ontem em vôo de carreira junto com outros quatro auxiliares da banda - Benjamin Fridman, secretário administrativo, Joni Anglister, produtor dos 180 shows da turnê Mamonas Assassinas, e os técnicos Anderson Soares e Maurício Bezerra. 

 

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Encarregado de zelar pelas roupas espalhafatosas que Dinho usava durante os shows, Ralado explicou que teve problemas na emissão da passagem para Portugal e como não poderia embarcar sábado com os Mamonas Assassinas preferiu voltar a São Paulo ontem em avião de carreira. 

 

“Eu deveria estar com eles. Isso é uma tragédia, porque éramos amigos de infância” - lamentou Ralado. 

 

Joni, Benjamin, Anderson e Maurício foram do aeroporto direto para o estúdio na rua Pedro 213, no bairro Tremembé, que se tornou um símbolo da carreira meteórica dos Mamonas Assassinas.

 

Foi lá que Dinho e seus parceiros gravaram as primeiras músicas, inicialmente a fita “demo” (de demonstração) e depois a base do disco, que foi mixado nos estúdios da EMI-Odeon nos Estados Unidos e que já vendeu 2,7 milhões de cópias. 

 

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O estúdio pertence ao empresário Rick Bonadiu, apelidado de Creuzebek por Dinho, Bonadiu foi quem levou pela primeira vez fitas “demo” dos Mamonas Assassinas para DJs e produtores musicais e por isso era reconhecido pelos integrantes da banda.  

 

Do show à morte

21h05m - Final do show no estádio Mané Garrincha

21h35m - O Lear-Jet PT-LSD decola de Brasília em direção a São Paulo

23h20m - Ocorre o último contato com a torre de controle do Aeroporto de Cumbica. O piloto avisa que precisou arremeter o avião e que irá reiniciar os procedimentos de pouso. 

23h25m - Moradores da Zona Norte avistam uma explosão na Serra da Cantareira. Corpo de Bombeiros recebe dez telefonemas informando sobre o acidente. 

23h37m - O avião desaparece do radar da torre de controle. O Centro de Emergência do Aeroporto faz o informe oficial de acidentes aos Bombeiros, à Polícia Militar e à Defesa Civil.

23h38m - O Corpo de Bombeiros, que já tinha sido alertado, é o primeiro a chegar nas proximidades do local do acidente, junto a uma pedreira. 

3h30h - Começam a chegar na pedreira parentes dos integrantes do conjunto. 

5h - Os destroços do avião são localizados pelo Centro de Operações Especiais da PM. 

6h45m - Os copos começam a ser encontrados. O corpo de dinho é o último a ser localizado. O Grupamento de Apoio Aéreo da PM inicia a operação de resgate. 

10h45m - Resgate do último corpo do local, do piloto José Luis Germano Martins. 

 

Coral de fãs no IML

Os fãs dos Mamonas Assassinas lotaram ontem o IML do Hospital das Clínicas, em São Paulo. Queria ver os corpos para acreditar que a tragédia tinha, de fato, ocorrido.

 

Cantando sucessos do grupo com faixas e fotos dos ídolos nas mãos, as pessoas foram colocadas para fora pelos policiais. Tiveram de ficar observando o movimento pelas grades. 

 

Maria Carolina Siqueira Rosa de 18 anos, veio de longe, do Parque Dom Pedro, para dar o último adeus ao grupo. Ela contou ter perdido seu emprego de assistente técnica na Editora Abril por roubar credenciais para shows do Mamonas. 

 

“Eu trabalhava lá há um ano e meio e sempre que tinha shows eu roubava as credenciais”, confessou. “Vou acompanhar o velório de qualquer jeito”. 

 

Os guarda-costas Ricardo Brito e Joá de Santana, que trabalharam em mais de 20 shows do grupo, muito abalados, compareceram ao local. Segundo eles, trabalhar com o Mamonas era muito divertido. “Eles eram alto astral”, comentou Brito. 

 

Santana acrescentou dizendo que nas viagen, Dinho financiava até as programações dos seguranças. “A gente andava de banana-boat e jet-ski com eles e fazíamos a maior farra”. 

 

 

 

Página do Correio Braziliense sobre a morte dos Mamonas Assassinas
Arquivo/CB/D.A Press - Página do Correio Braziliense sobre a morte dos Mamonas Assassinas
Marcos Fernandes/CB/D.A Press - Corpo de Bombeiros na cena da queda do avião dos Mamonas Assassinas