Esta matéria foi publicada originalmente na edição de 9 de novembro de 2002 do Correio. Sua republicação faz parte do projeto Brasília Sexagenária, que até 21 de abril de 2020 trará, diariamente, reportagens e fotos marcantes da história da capital. Acompanhe a série no site especial e no nosso Instagram.
Eram 8h30 quando o casal Maria Auxiliadora e Jayro Tapajós Braule Pinto recebeu em suas mãos a confirmação que faltava para acabar com uma espera de 16 anos, nove meses e 13 dias. Como uma segundo certidão de nascimento, o exame de DNA foi anunciado pelo pai: “Milagre existe, milagre existe”. Jayro chorou, agradeceu. Maria Auxiliadora caiu em prantos e desmaiou depois de ouvir três vezes a mesma frase repetida por um policial civil: “Acabou, acabou, acabou. É teu filho”.
Três horas e meia antes, um telefonema da polícia já confirmara o resultado do teste. O adolescente registrado como Osvaldo Martins Borges Junior, criado a 200km de Brasília, em Goiás, é mesmo o caçula dos quatro filhos do casal, roubado da maternidade Santa Lúcia no dia 21 de janeiro de 1986.
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É o Pedrinho de Maria Auxiliadora, de 49 anos, a mulher que durante todos esses anos apegou-se à imagem de Nossa Senhora Aparecida, às novenas com os vizinhos e a centena de cartas em que narrou em detalhes o dia-a-dia da família que o menino nunca conheceu. Que viveu a angústia de receber por cinco vezes a notícia de que seu filho fora encontrado e depois a frustração de não ser ele.
Maria Auxiliadora e Jayro vivem agora a emoção antecipada do reencontro, que deve acontecer neste final de semana. Sabem que não será uma fase fácil para nenhum deles e procuram, de longe, tranqüilizar o filho. “Não queremos tomar nada de você. Só vamos oferecer mais amor”, disse Jayro a Pedrinho.
Em Goiânia, o adolescente está assustado. Ainda chora a morte recente do pai que o criou. A mãe, Vilma Martins Costa, 47, disse à polícia que o bebê foi entregue ao marido por uma gari de Brasília. A Delegacia de Homicídios não descarta a possibilidade de Vilma ser responsável pelo rapto. Os policiais vão investigar se ela esteve no Hospital Santa Lúcia no dia do crime. E devem promover um encontro dela com Maria Auxiliadora, que conversou com a seqüestradora.
Com a descoberta de Pedrinho, começa um novo capítulo da história que comoveu Brasília. A cidade parou para acompanhar o desfecho do caso. Todos esperam ver o abraço reprimido há 16 anos.
A família
Depois da confirmação, Maria Auxiliadora e Jayro dividiram a alegria com amigos, familiares e vizinhos
Eram 5h45 quando ele acordou. O auditor fiscal da Receita Federal Jayro Tapajós Braule Pinto nem precisou de despertador. Deitado na cama, em um quarto da confortável casa na QI 8 do Lago Norte, ele apenas olhava para o teto, ansioso. Jayro sabia que, às seis em ponto, receberia a ligação telefônica decisiva que poderia mudar a rotina de toda a família. E foi exatamente naquela hora que o telefone tocou. O silêncio completo do início foi preenchido por aquele barulho estridente. Em um salto, o homem de cabelos brancos, 50 anos, se levantou da cama e correu até o aparelho.
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Quando tirou o telefone do gancho, não precisou dizer uma palavra sequer. “Ele é teu filho. Acabou, acabou, acabou”, repetia, em gritos, o agente da Polícia Civil e deputado distrital eleito Fábio Barcellos. Fábio tinha em mãos o resultado do exame de DNA que apontava, com 99,99999999992% de precisão, que o rapaz de 16 anos encontrado em Goiânia era o Pedrinho de Jayro e Maria Auxiliadora Rosalino Braule Pinto, 49. Na noite anterior, Jayro havia feito um trato com o agente. “Quero que você ligue às 6h. Você, não outra pessoa. E quero que você não faça rodeios quando me disser o resultado do exame.” O pedido foi respeitado.
O motivo de tanta cautela era o medo de mais uma decepção. Por cinco vezes, durante todo o tempo de espera, a família foi avisada de que Pedrinho teria sido encontrado. Eram todos alarmes falsos. Em uma das vezes, em 1990, um menino de Rondônia chegou a passar 45 dias na casa da família. Chamava Maria Auxiliadora de mãe e Jayro de Pai. Um exame de laboratório desmontou as esperanças da família. Aquele não era pedrinho.
Mas, depois do telefonema da manhã de ontem, nada seria igual. As outras crianças, os outros exames, tudo foi imediatamente deixado para trás. Jayro só queria acordar os outros familiares para contar a novidade. Correu de quarto em quarto, repetindo sempre a mesma palavra: acabou.
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Maria Auxiliadora, porém, não deu crédito à notícia. “Eu quero falar com o policial. Não acredito nisso”, disse. Por 20 minutos, Jayro tentou novamente ligar para Barcellos. Nem assim a mulher deixou a desconfiança de lado. “Repete isso, repete”, ela insistia, ao telefone. O agente repetia, mas ela continuava irredutível.
Apenas às 9h, quando o diretor-geral da Polícia civil, Laerte Bessa, entrou na casa com uma cópia do resultado do exame nas mãos, Maria Auxiliadora acreditou. Emocionado, ao prantos, desmaiou e foi levada para o quarto pela família. Naquele momento, jornalistas já se empurravam no portão da residência. Vizinhos e curiosos pediam pelo interfone para parabenizar a família. Uma hora depois, eram mais de 50 pessoas dentro da casa.
Na sala de estar os familiares comemoravam uma vitória que parecia inatingível. “Hoje é um dia de festa. É a festa do nascimento do meu filho”, festejava Jayro, que recebia um telefonema atrás do outro. “Tudo isso foi uma loucura”, resumiu, com sorriso no rosto. Aquelas três folhas de papel com o resultado do exame de DNA se transformaram no brinquedo de Jayro durante a manhã. Aos jornalistas, mostrava o texto com orgulho. “Isso é tudo um milagre, um milagre”, dizia, entusiasmado.
Frio na espinha
Os 16 anos de espera, sentidos com dor e apreensão pela família, foram transformados em coisas do passado. “Não quero mais falar nisso. O filho é nosso, descobrimos e estamos muito felizes”, dizia Jayro, o pai. Por volta das 10h, ele dispensou os jornalistas com pressa. Entrou na varanda da casa e recebeu, com direito frio na espinha, um telefonema pelo celular. Do outro lado da linha, estava a jovem de 19 anos que ajudou a polícia a encontrar Pedrinho. “Quero te dar os parabéns”, disse a moça.
Jayro não soube o que responder. “Muito obrigado”, falou, apenas. “Eu quero dizer a você que eu já sabia de toda essa história. Quero revelar tudo, mas não posso dizer meu nome”, continuou ela. A conversa terminou em poucos minutos. Mais tarde, por volta do meio-dia, o telefone tocaria mais uma vez. E daquela vez era ele, Pedrinho. Em 15 minutos, o menino pediu ajuda, disse que estava com medo de ser exposto em jornais e na televisão. “Ele estava com medo. Mas parecia muito calmo, tranqüilo”, contou Jayro.
Foi um momento de choro, emoção à flor da pele. Às 14h, depois de uma longa entrevista aos jornalistas, Jayro Finalmente descansou. Almoçou com a família, os três filhos - de 15, 20 e 25 anos - e atendeu a mais meia dúzia telefonemas de amigos. “Estou exausto”, assumiu, ainda um pouco assustado com a presença de tantos jornalistas no portão.
Os vizinhos
“Esse é meu Pedrinho de verdade”. Foi assim que dona de casa Raimunda Souza Silva, 62 anos, recebeu a notícia de que Pedrinho tinha sido encontrado. Ela é uma das vizinha que foi abraçar os verdadeiros pais do menino, que moram na QI 8 do Lago Norte há 21 anos. O drama do casal fez com que os moradores da rua se unissem para acompanhar e dar força à família.
Raimunda mora com o primo, José Vilemar Xavier Ramos, de 60 anos, que acompanhou de perto a gravidez de Lia - nome pelo qual Maria Auxiliadora é chamada pelos amigos. “Ela teve hemorragias e escolheu o nome do menino porque significa pedra. Simboliza a força que ela precisou ter para que o bebê nascesse”, explica o aposentado, que mora na rua desde 1983.
Vilemar lembra de quando um menino, que parecia ser Pedrinho foi levado à casa de Jayro e ficou durante 45 dias, até que o exame do DNA ficasse pronto. “Fizemos uma festa na rua. Dias depois, o oficial de Justiça veio buscar o menino, porque o resultado era negativo”, conta. O médico Paulo Roberto Nogueira, 58 anos, também se lembra desse episódio. “Esse menino foi comemorado e celebrado. Quando foi embora, arrancaram uma esperança do caralho daqueles pais”, recorda.
Cartas relatavam o cotidiano dos Tapajós
Maria Auxiliadora escreveu castas durante 16 anos. Até ontem, eram textos que não chegavam às mãos do destinatário. Eram sempre endereçados ao filho, mas ele não estava lá. Foram mais de 100 cartas redigidas a mão. O conteúdo variava de acordo com o humor da remetente. Certa vez, cansada do tom melancólico dos relatos, Maria começou um dos textos com uma promessa: “Essas cartas estão muito chorosas. Agora só quero falar de coisas boas”. Era assim que a mãe tentava um contato, mesmo que imaginário, com o filho.
Com as cartas, ela tentava relatar fatos cotidianos para que o filho, quando encontrado, pudesse se informar sobre tudo o que aconteceu na família enquanto ele estava ausente. “Era a nossa história. Coisas até pequenas, como o dia em que compramos um cachorro, uma festa de aniversário, diz. As castas foram entregues a um desembargador amigo da família, que prepara um livro sobre o caso Pedrinho. O livro deve ser lançado ano que vem. O título será Cegonha às avessas. Será o segundo livro sobre o caso. O primeiro, Devolvam meu Filho! O caso Pedrinho foi usado na campanha para encontrar o menino.
Agora, tudo o que Maria Auxiliadora deseja é entregar as correspondências a Pedrinho. “Quero que ele leia tudo”, avisou. Só assim o ciclo se fechará. “Agora, é tudo emoção e felicidade”, disse. Ela se referia à manhã em que soube do resultado do exame de DNA. A notícia derradeira foi recebida com um misto de surpresa, alegria e medo.
A ansiedade diminui quando, no fim da manhã de ontem, a mãe conversou com o filho por telefone. “Eu me preparei esse tempo todo para a conversa”, revelou Auxiliadora. Na hora em que ouviu a voz do rapaz, esqueceu de tudo. Chorou. Do que estava preparado, conseguiu soltar apenas a primeira frase: “Meu filho”. O restante foi desabafo. “Você está longe, mas sempre esteve perto de mim durante todo esse tempo. Eu não quero exigir nada de você. Será da forma como você quiser”, disse. Enquanto isso, Pedrinho apenas repetia: “Não chore, não chore.”
Depois, ela passou a se preocupar com a hora do encontro com o filho. “Eu não quero assustá-lo e dar um abraço muito emotivo”, planejou. O que ela dizia em cartas, agora poderá dizer pessoalmente, cara a cara.
A surpresa
A nova identidade de Osvaldo Júnior preocupa amigos e familiares. Ele estava abatido pela morte do pai
Goiânia — Ele é querido pelos colegas de escolas. Gosta de se divertir e costuma visitar parentes no interior de Goiás. O adolescente encontrado em Goiânia está registrado como Osvaldo Martins Borges Júnior. A nova identidade do garoto trouxe apreensão e expectativa para os amigos e familiares de Júnior, como é conhecido em Goiânia.
Júnior não apareceu na escolha esta semana. Para os colegas, o único motivo da ausência era uma gripe, contraída no domingo. Mas, na tarde de ontem, boa parte dos alunos do Colégio Ávila soube da verdadeira razão da falta às aulas.
O melhor amigo de Júnior, Igor Lemos Carvalho, 16 anos, ficou espantado quando soube da verdadeira identidade do amigo. “Eu telefonei para ele hoje. Lembrei que tínhamos prova. Ele falou que não viria por causa da doença”, contou, com a voz embargada.
Lara Lima Costa, 17, é prima de Júnior. Ontem, alternava o semblante de choque com euforia e alegria. “O Júnior perdeu um pai e ganhou outro logo em seguida. A cabeça dele deve estar a mil”, comentou.
Júnior é aluno do segundo ano do ensino médio. Estuda no prédio do Setor Serrinha, num colégio de classe média alta, há quatro anos, desde a 6ª série. Seu rendimento escolar é considerado muito bom pela coordenadora do ensino médio do Ávila, Lílian Maria Cíntia Campos Batista. “Sua média em todas as matérias é 8,5. Ele nunca nos deu problema. É um menino doce, saudável, alegre”.
Lílian soube da possibilidade de Júnior ser Pedrinho há dois dias. Ela não esconde a angústia pela situação do garoto. “Estou apreensiva. Ainda bem que ele é equilibrado. Tomara que mantenha a personalidade depois de tudo isso”, disse a coordenadora.
Bom de bola
O garoto é considerado bom de bola pelos alunos do Ávila. Não perde uma pelada na quadra do colégio. O coração se divide entre dois times: Corinthians e Goiás. Apesar de ter sido apelidado de Slot — o monstro bondoso do filme Os Goonies —, Júnior faz sucesso com as meninas do Ávila, principalmente pelos cabelos e olhos claros.
A nova identidade de Júnior também surpreendeu os moradores da pequena Itaguari, a 100km e Goiânia. Na cidade de apenas cinco mil habitantes, vive o agricultor Antônio Silva, 73 anos. Ele é o avô materno do menino. É na casa humilde, na esquina da rua 6 com a rua 10, que Pedrinho passa a maior parte das férias e feriados prolongados.
Lá ele esteve no último fim de semana, ainda abatido com a morte recente do pai adotivo. Fora visitar o “vô Tonho”. Antônio é padrasto de Vilma, mãe adotiva. O agricultor simpático descreve o neto como um menino carinhoso e inteligente.
Seu amigo mais chegado em Itaguari é o estudante Gilmar Mendes, 18 anos. No último fim de semana, Gilmar notou que o amigo, sempre alegre e brincalhão, estava bastante abalado com a morte do pai. “Ele estava abatido e triste”, contou.
Vida em segredo
A história do menino brincalhão contada por amigos e parentes de Itaguari, onde passa férias, e Goiânia
Itaguari e Goiânia - A história de Osvaldo Martins Borges Júnior ou Pedrinho se espalhou pela pequena cidade de Itaguari, a 100km de Goiânia. É lá que o adolescente costuma passar os feriados prolongados e datas especiais como Semana Santa e Natal. Na casa de número 228, na esquina da Rua 10 com a 6, mora o trabalhador rural Antônio da Silva, 73 anos, avô do adolescente. O vô Tonho como é carinhosamente chamado por Júnior, é padrasto de Vilma Martins Costa, a mãe adotiva de Osvaldo.
Enquanto os pais biológicos, Maria Auxiliadora e Jayro Tapajós Braule Pinto, aguardavam com expectativa o reencontro com Pedrinho (veja matéria na página 21), o vô Tonho e os amigos de Itaguari eram pegos de surpresa com a descoberta da verdadeira identidade do garoto. “Sempre soube que ele era filho de Osvaldo com Vilma”, afirma o agricultor. Com a memória falha, Antônio não lembra da chegada do adolescente na família Martins. “Não lembro da gravidez de minha enteada. Eles sempre viveram a vida deles para lá (em Goiânia) e eu vivi a minha para cá”.
Lembranças de Itaguari
Mas algumas recordações do menino Júnior estão bem vivas na memória do avô. Ele descreve Júnior como um menino alegre, carinhoso e estudioso.”Já acorda falando com todo mundo, abraçando e pedindo a benção”, conta o agricultor. “Ele é muito inteligente. Bate até aquele negócio de computador”, diz o senhor, com jeito bem matuto.
A última vez que Júnior esteve em Itaguari foi durante o feriado de Finados há uma semana. Como de costume, ficou na casa do avô e reviu os amigos de infância. “Estava tudo normal. Não tinha esse negócio de outra identidade”, conta Antônio. Uma das amigas que o adolescente reencontrou foi a estudante Kelly Tereza Amaral Santos, 17 anos, que mora numa rua próxima à casa do vô Tonho. Ela também ficou surpresa quando soube do caso.
“A gente se falou rapidamente na rua. Ele ficou de passar aqui depois. Acabou que conversamos muito pouco dessa vez”, lamenta Kelly. Ela é uma das poucas pessoas na cidade que guarda uma fotografia do garoto como recordação dos tempos de infância. A foto foi tirada há quase dois anos na casa de outro colega da turma. “A gente tava brincando aqui ao lado. Pedi para tirar uma foto de recordação. Fui em casa e peguei a máquina”, lembra a jovem.
A rotina de Júnior em Itaguari se resume a jogar bola com os amigos, que o apontam como um bom peladeiro, e passear na praça principal da cidade, onde a diversão é limitada. “Estamos sempre juntos”, conta Gilmar Mendes de Carvalho, 18 anos, apontado como o melhor amigo do adolescente em Itaguari. Gil, como é mais conhecido, conheceu Júnior há 10 anos. A família dele morava em uma casa em frente à casa do avô Tonho.
O amigo Gil descreve Júnior como um companheiro fiel de todas as horas. O adolescente é do tipo que sempre está preocupado em levantar o astral da turma. A alegria é sua marca registrada. “Gostaria de saber como ele está. Isso deve estar mexendo com a cabeça dele. Ainda mais que, na semana passada, Júnior ainda estava abalado com a morte do pai”, afirma Gil. Os dois ainda não se falaram desde que o caso veio à tona.
Júnior, ontem, quebrou o silêncio. Em entrevista por telefone a uma emissora de televisão goiana, ele se disse surpreso, mas tranqüilo.
A irmã mais velha de Gil, Márcia, 23 anos, revela as semelhanças de Júnior com uma das irmãs dele, Roberta. “Eles são muito parecidos. Tem a pele branquinha, olhos claros e cabelos loiros”, conta a jovem. “Não dá pra imaginar que eles não são irmãos verdadeiros”, comenta a mãe dela, a dona de casa Sônia Mendes de Carvalho, 42. “Todo mundo está admirado como que está acontecendo”, emenda o marido, João Mendes, 52. Júnior sempre teve passe livre na casa da família. “É um rapazinho gente boa”, afirma João.
Infância em Goiânia
Um adolescente equilibrado, estudioso e brincalhão. Essa também é a definição dos amigos, professores e vizinhos de Júnior em Goiânia, onde mora. O garoto de 16 anos levava uma vida tranqüila , gostava de jogar futebol, paquerar, dançar. Pelo menos até descobrir sua outra identidade, a do Pedrinho, o menino roubado dos braços da mãe em 1986, na maternidade do hospital Santa Lúcia, em Brasília. Desde então, está recluso em algum lugar distante do assédio da imprensa.
Júnior foi registrado por Vilma e Osvaldo Martins, em Goiânia. Foi em ruas de bairros pacatos, da capital com jeito e ritmo de interior, que ele cresceu. E criou o perfil de um garoto interiorano. Segundo os parentes goianos, Júnior era uma criança travessa. Se dependesse da vontade dele, passava o dia na rua, brincando com outras crianças. Na adolescência, Júnior conseguiu cativar os amigos com essa postura. Ele participa da turma do fundão, mas na época das provas consegue se sair bem. “Eu não entendo o que ele faz”, contou R., 17 anos,um dos amigos de colégio de Júnior.
O menino que descobriu ser Pedrinho, há três dias, se dá bem com todos os adolescentes do segundo grau do Colégio Ávila, onde estuda desde a 6ª série. Cursa o segundo ano do segundo grau, na unidade do bairro Serrinha do Ávila. “Não há nada que o desabone. Muito pelo contrário”, ressalta a orientadora pedagógica da instituição, Lílian Maria Cintra Campos Batista.
Os amigos de colégio não perdem a oportunidade de tirar sarro de Júnior. Tanto que eles apelidaram o rapaz de Slod - o mesmo nome do personagem monstro do filme Os Goonies. Apesar da simplicidade, Júnior é muito vaidoso. Além de manter o corpo sempre sarado, gosta de novidades. A última foi o reflexo nos cabelos para clareá-los. Também não perde uma festa, vai a boates toda semana e só volta para casa quando a agitação termina. “De música, ele gosta de tudo. De rock a axé”, conta Igor.
O sobrado deserto
Aliás, pelo carisma de Júnior, o sobrado para onde seus pais adotivos se mudaram há pouco mais de dois meses - e que está deserto desde que foi descoberta a história secreta dele - se tornou ponto de encontro da turma. Júnior só não é exemplo quando o assunto é carro. Mesmo sem idade mínima para dirigir, ele não perde a oportunidade de pegar um dos carros da família. Principalmente a caminhonete F-250, de cor branca. Ela rendeu uma bronca e tanto ao garoto há uma semana. Júnior bateu o veículo na grade de casa quando saía escondido da mãe. Envergonhado, ficou dois dias sem falar com os amigos.
Dia de expectativa
Pais biológicos vivem apreensão para rever o filho. “Não quero ver medo nos olhos dele”, diz a mãe
Quando Jayro e Maria Auxiliadora Braule Pinto viram a foto de Pedrinho, publicada na capa de hoje do Correio, logo perceberam a semelhança com uma das filhas do casal - Cláudia de 21 anos. “Ele tem cabelos e olhos castanhos como os dela”, contou Lia, como a mãe de Pedrinho é chamada pelos amigos. Já o pai, não conseguia esconder a “corujice”: “Pedrinho é uma mescla de nós dois, mas parece mais comigo”.
Depois de 16 anos de espera por notícias do garoto, os pais biológicos passaram o dia de ontem apreensivos. A última vez que conversaram com o filho por telefone foi na sexta-feira à tarde, por volta das 16h. “Tentamos contato à noite, mas o telefone não atendia. Ele não deve estar na casa por uma medida de cautela”, acredita Jayro.
No final da manhã de ontem, ele conseguiu falar com o advogado da família adotiva do filho: “O senhor é pai também. Diga a Pedrinho que ele ganhou uma família e que não precisa ter medo, porque nós o amamos muito”. Eles não sabem quando o encontro com o filho vão acontecer. “O comando é deles e não nosso”, dizia Jayro.
Por não conseguir falar com Pedrinho, o pai pediu aos jornalistas que enviassem uma mensagem ao filho: “Sei que ele nos vê pela imprensa. Queria dizer a Pedrinho que ele não tem culpa de nada e que não precisa se envergonhar. Ligue para mim quando quiser. Nós só queremos te dar amor”.
Garantias
Eram 14h15 quando um policial chegou à casa da família Braule Pinto, com um pedaço de papel na mão. Plantado na cozinha, ele esperava pelo pai de Pedrinho. Quando Jayro Tapajós apareceu, o policial estendeu a mão e entregou-lhe o papel:
— Seu Jayro, o doutor Laerte Bessa pediu para o senhor ligar com urgência para este número. Ele quer falar com o senhor.
Jayro Tapajós vestia uma camisa pólo azul-piscina, bermuda cáqui e chinelo de couro. O pai de Pedrinho Olhou para a trinca de policiais e deixou escapar um sorriso sutil no canto da boca:
—É, eu sei. Já falei com ele.
Laerte Bessa é o diretor geral da Polícia Civil. Mesmo oficialmente afastado da investigações sobre o rapto de Pedro Rosalino Braule Pinto, o delegado passou o dia de ontem tentando promover um encontro do garoto com os pais biológicos. Ele é um dos canais de comunicação entre as famílias goiana e brasiliense de Pedrinho.
Quando Jayro Tapajós e Laerte Bessa conversaram por telefone ao meio-dia, o diretor da Polícia Civil disse que havia telefonado para o advogado da família adotiva do garoto em Goiânia (GO). O advogado Izízio Barbosa mantém em segredo o local onde Osvaldo Martins Borges Júnior (nome que o garoto recebeu após o rapto em 1986) está.
Em um dos telefonemas que manteve com Laerte Bessa, Izízio Barbosa pediu garantias de que a mãe adotiva de Pedrinho — a empresária Vilma Martins Costa, de 47 anos — não terá complicações com a Justiça. O advogado quer que o delegado assegure que a cliente dele não será presa.
A Delegacia de Homicídios (DH) não descarta a possibilidade de ser Vilma Martins a mulher que raptou o bebê do Hospital Santa Lúcia na tarde de 21 de janeiro de 1986. A jornalistas, Laerte Bessa diz considerar praticamente nula a possibilidade de a mãe adotiva ter participação no crime.
Uma sentença expedida pela 8ª Vara Criminal de Brasília e transitada em julgada no dia 12 de maio de 1997 determinou o arquivamento do processo que apurava o sumiço de Pedrinho por prescrição. Isso quer dizer que — desde aquela data — nenhum suspeito pode ser levado a julgamento pelo rapto.
Alegando assédio da imprensa, o advogado Izízio Barbosa disse a Laerte Bessa que o encontro com os pais biológicos só será marcado quando Pedrinho se sentir preparado. Ainda pela manhã, Barbosa descartou a possibilidade de o encontro ocorrer hoje. “Não há nada marcado para hoje (ontem) nem amanhã (hoje). Nem em Brasília nem em Goiânia”.
O almoço na casa dos Braule Pinto saiu tarde. Às 16h, o caldeirão de arroz carreteiro foi colocado sobre a mesa rodeada por aproximadamente 12 pessoas — entre parentes e amigos da família de Pedrinho.
A refeição foi marcada por conversas amenas. Música, crianças, culinária. O tema Pedrinho só veio à tona uma vez, quando Lia comentou o telefonema que recebeu da produção do Domingão do Faustão. A mãe de Pedrinho preferiu não gravar entrevistas para o programa da Rede Globo.
Entrevista / Maria Auxiliadora
Numa conversa de 40 minutos, Maria Auxiliadora Braule Pinto, mãe biológica de Pedrinho, conta como se sente depois de 16 anos de espera pelo filho.
Os 16 anos de espera
“ O filme Nas profundezas do mar sem fim (que retrata uma história parecida com a da família de Pedrinho, que teve o filho seqüestrado e criado por um casal de pais adotivos) é a minha história. Eu passei por todas as fases do filme. Fiquei um ano querendo apenas dormir. Depois me mudei para o Rio Grande do Sul para fugir de tudo isso. Passei por uma fase complicada com meu marido e disse a ele que não conseguiria mais ser a mesma pessoa. Agora sei que terei o final feliz, como o do filme. Durante esses anos, eu sempre tive esperança. Eu não me permitia morrer, porque ele poderia aparecer no dia seguinte.”
A esperança
“Minha vida era esperar e essa esperança era meu combustível. Durante esses anos, procurei vários caminhos para saber onde Pedrinho estava. Foram muitas suposições. eu passei a rezar para que o ato do seqüestro tivesse sido por amor. Eu não podia sentir ódio de ninguém. Pedia que fosse para suprir alguém que quisesse muito ter um filho e que o tratasse com amor.”
A confirmação do exame
“Eu não acreditei. Às 6h da manhã de ontem (sexta-feira), Jayro pulou em cima da cama e gritava ‘É ele! É ele’. Eu chorava e queria dizer para as pessoas não acreditarem naquele resultado. Foi tão traumático das outras vezes. Aquele papel do exame tinha um significado horroroso para mim. Precisei conversar com o agente que acompanhou o exame para acreditar.”
A primeira conversa
“Já conversei com Pedrinho pelo telefone. ELe ainda não me chamou de mãe. Eu disse que estou pronta para recebê-lo há 17 anos, mas que quero que ele esteja pronto. Que seja tudo como ele preferir e que ele não terá perda nenhuma. Pedrinho só me disse que eu não precisava chorar mais. É uma felicidade misturada com tudo. Ontem (sexta-feira) passei o dia inteiro chorando e nem sabia o verdadeiro motivo. Hoje estou um pouco angustiada. Quero saber agora como tudo aconteceu. Quero desvendar isso e saber como ele foi levado de mim.”
O encontro
“Eu já me preparei muito para esse momento. Fico ensaiando, mas não posso chorar. Não posso sufocar nem assustar Pedrinho. Ontem eu já comecei a me arrumar para ele achar a mãe dele bem bonita. Queria dizer a ele que estou com o coração tranqüilo. Agora tudo vai ser em paz. Não quero mais sofrimento para mim nem para ele. Choro agora de felicidade. Estamos todos com muita vontade de vê-lo, mas esse encontro será tranqüilo. Não quero ver medo nos olhos de meu filho.”