Correio Braziliense
postado em 29/02/2020 14:21
“Não tem cura, não tem regressão. Eu sei meu destino, mas a gente retarda a perda de movimentos”. Nadja Nayra Magalhães, de 31 anos, convive há 14 anos com os sintomas cada vez mais evidentes da Síndrome de Ehlers-Danlos, conhecida como "Síndrome do homem elástico". No caso dela, a evolução da doença genética deve causar a perda completa dos movimentos - a enfermidade, entretanto, não a impediu de sair de casa na manhã deste sábado (29/2) para participar de uma caminhada em Brasília na qual familiares e portadores de doenças raras pediram visibilidade e mais políticas públicas voltadas para a temática. Nadja estava no local com seus três filhos de 14, 12 e 11 anos, que também possuem a doença - mas subtipos diferentes. Nadja explica que a parte cognitiva da doença se parece com o Alzheimer, enquanto a motora se parece com a esclerose múltipla. A questão principal, debatida durante o encontro na manhã deste sábado, que é o Dia Mundial das Doenças Raras, é a dificuldade de um diagnóstico e de tratamento. Nadja, por exemplo, demorou 10 anos para conseguir um diagnóstico. Enquanto isso, vivia em hospitais com dores intensas, em todo o corpo, sem saber o que era.
A pequena é portadora da Síndrome de Pitt-Hopkins] O evento foi organizado por Andrea Medrado, de 32 anos, mãe de Maria Flor, de 3 anos, que é portadora da Síndrome de Pitt-Hopkins. A doença é neurogenética e caracterizada por atraso cognitivo e motor, sendo que o portador pode apresentar ainda problemas respiratórios e convulsões. A mãe fala justamente sobre a dificuldade de conseguir um diagnóstico para os sintomas da filha. A família só foi descobrir exatamente a doença de Maria Flor depois de um exame feito somente pela rede privada e que custaria R$ 10 mil, caso a família não tivesse plano de saúde.
“Com essa caminhada, a gente pede mais sensibilidade da sociedade e do governo. Não temos acesso a exames, não temos políticas públicas. E somos muitos”, disse. Um estudo da Associação da Indústria Farmacêutica de Pesquisa (Interfarma) publicado neste ano aponta que doenças raras afetam 13 milhões de brasileiros - o equivalente a 6% do total da população. Andrea pontua que apesar disso, não existe no Brasil um protocolo específico para pessoas com doenças raras, e que muitas vezes as pessoas chegam para atendimento emergencial e os profissionais da medicina não conhecem. Conforme o Ministério da Saúde, o número total é desconhecido, mas estima-se que existam no mundo entre 6 mil e 8 mil tipos diferentes de doenças raras.
A mãe de Maria Flor conta que ficou completamente perdida quando descobriu a doença da filha. Por isso, ela busca levar conhecimento para outros pais, organizando encontros com profissionais e agora esta 1ª caminhada. Para ela, dois pontos principais atrapalham familiares que lidam com doenças raras: a falta de respeito das pessoas e a ausência de tratamentos gratuitos. “Se a minha filha começa a gritar ou chorar na rua, as pessoas olham de cara feia. Quando estou em uma fila com ela no colo, tem gente que fala que ela é muito grande para estar no colo”, afirma.
O objetivo de levar conhecimento para mais pessoas e auxiliá-las principalmente no momento inicial, assim que se descobre a doença, foi o que motivou a empresária Andréa Soares a lançar a plataforma Crossing Connection Health, que está sendo lançada neste sábado (29). Andréa é portadora de hepatite autoimune, doença com a qual convive há oito anos. Quando os sintomas começaram de forma mais acentuada, a empresária foi a um hospital e teve um pré-diagnóstico de dengue. Como não melhorava, começou a ir de hospital em hospital, passando por vários consultórios médicos, mas sem saber o que tinha. Quando finalmente descobriu, passou 60 dias internada fazendo tratamento.
Andréa fala de algumas dificuldades, como a burocracia para conseguir remédios de alto custo. Inicialmente, como não conseguia junto ao Sistema único de Saúde (SUS), chegava a gastar R$ 500 por semana com medicamentos. “Você se sente muito sozinha, não conhece ninguém com a doença e não sabe bem o que fazer”, explicou. A ideia da plataforma é justamente promover a interação de pessoas com doenças raras e ajudá-las a percorrer os caminhos de forma mais fácil e ágil. “Para quem está descobrindo a doença hoje vai passar pelo menos caminho que eu, porque a informação não circula como deveria. Existe a informação, mas ela está pulverizada”, pontuou.
Troca
Renata Gonçalves da Silva, de 42 anos, conta que foi ao encontro buscar mais contatos que possam ajudá-la no tratamento do filho de 25 anos e que possui Miopatia nemalínica, uma doença que se caracteriza pelo não desenvolvimento da musculatura. O jovem, por exemplo, pesa 30 quilos - o mesmo peso desde os 10 anos de idade. “Ele cresceu, mas os músculos não”, contou. Renata explica que o filho fez o curso superior de Design Gráfico e criou o símbolo da doença como Trabalho de Conclusão de Curso (TCC). Hoje dependente de um aparelho para respirar, o jovem fica mais em casa.
A mulher conta que está em Brasília há seis anos e ainda não conseguiu um neurologista para acompanhar o filho. “É sempre bom interagir com outras pessoas. A gente vai pegando dicas e vendo por onde podemos ir”, disse.
O casal Carolina Pereira, de 19 anos, e Paulo Soares, de 23, também foram à caminhada para ouvir outras pessoas e compartilhar a história deles. Em dezembro do ano passado, o jovem casal perdeu uma filha aos três meses de vida. A pequena nasceu com a Síndrome de Edwards, microcefalia e mielomeningocele. Os médicos afirmaram que ela viveria questões de horas, e que talvez não aguentaria a cirurgia pela qual passou no dia seguinte ao nascimento. “Mas ela conseguiu ficar três meses com a gente”, conta Caroline.
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