Cidades

Macaca nada para encontrar o amante

Capitu, babuíno fêmea do Zoológico, se apaixonou por Eliseu, viúvo que mora em outra ilha, para desespero do marido Otelo

Esta matéria foi publicada originalmente na edição de 1º de abril de 1998 do Correio. Sua republicação faz parte do projeto Brasília Sexagenária, que até 21 de abril de 2020 trará, diariamente, reportagens e fotos marcantes da história da capital. Acompanhe a série no site especial e no nosso Instagram

 

Um triângulo amoroso animal. Otelo, que ama Capitu, que ama Eliseu, que despertou a ira de Otelo, que anda à beira de um ataque de nervos. Essa história não vai acabar bem. Três macacos babuínos da África — descendentes das espécies Papio hamadryas e Papio anubis — revolucionaram o Zoológico de Brasília.

 

Capitu — até então bem casada com Otelo — deixou de lado convenções, regras e assumiu a paixão pelo amante. Escancarou. Há uma semana, desafiou todos os limites que dificultavam seu encontro com o amado. Pula num lago com três metros de profundidade e, numa atitude que intrigou os biólogos do Zoo, perdeu o medo d’água e, pasmem, aprendeu a nadar para atravessar os seis metros que separam a sua ilha e a do amante.

 

Até há alguns dias, nadava meio apreensiva. Tinha receio de enfrentar o lago. Agora, mais dona de si e louca de paixão, nada sempre que sente saudade de Eliseu, o amante que ficou viúvo, solitário e confinando numa ilha há dois anos.

 

Otelo, o marido, rodopia pela ilha. Contorce-se de raiva. De longe, encara a companheira e assiste ao chamego do mais novo casal. Eliseu acaricia Capitu, que se derrete toda e faz cara de difícil. Só no começo.

 

Em seguida, já completamente desinibida, entrega-se às carícias do amante. Até Deus duvida. Capitu parece insaciável. Eliseu pede arrego e corre da amante. Ela o persegue. Cansado de guerra, o macaco entrega os pontos.

 

Capitu, então, volta para o marido. Pula novamente na água e vai ao encontro de Otelo e do filho Tadeuzinho, de dois anos, que ficou aos cuidados do pai. Otelo a recebe com desprezo. Humilha a companheira, coloca-a para fora da casinha de pedra que dividem na ilhota.

 

Ela tenta pedir desculpa. Disfarçar o mal estar, propondo cafuné ao marido traído. Otelo a empurra e a despreza. Nos últimos dias, tem-se tornado mais agressivo. Do outro lado da ilha, impassível, o amante Eliseu vê Capitu sendo maltratada pelo marido. Não faz nada. É como se dissesse: “Em briga de marido e mulher…”

 

Humilhada, Capitu vai curar a rejeição nos braços do amante. Nada e volta aos carinhos de Eliseu. Ele a recebe e começa tudo de novo. Mais tórridas cenas de amor. Para o desespero de Otelo, que faz questão de não perder um detalhe para depois se autotorturar.

 

Indiferente a tudo, Tadeuzinho brinca com o pai e espera a mãe chegar do passeio. Ao chegar em casa, Capitu — feliz e relaxada, como boa mãe que zela pelo rebento — brinca com Tadeuzinho. A cena é vista sob os olhares raivosos de Otelo.

 

EXAME DE DNA

 

“O que mais nos impressionou é que primatas só nadam em circunstâncias absolutamente extremas, em caso de vida ou morte. Nunca tinha visto um caso de babuíno nadar”, espanta-se o primatólogo Milton Thiago de Mello, de 82, um dos maiores estudiosos de reprodução e comportamento de macacos no Brasil.

 

 

 

“O caso parece engraçado, mas na verdade Capitu só foi em busca de sexo e afeto”, analisa Mello. E complementa: “Macacamente falando, não há adultério nem pecado no mundo animal. O que acontece é que tentamos adequar os bichos segundo nossas próprias normas e semelhanças, é o que chamamos de conceito antropocêntrico”.

 

Mas o bafafá não pára por aí. Com a descoberta da vida liberal de Capitu, dentro do próprio Zoológico agora pairam dúvidas sobre a real paternidade de Tadeuzinho. Alguns dizem que o primogênito é mesmo filho de Otelo; outros, diante do “escândalo” amoroso, agora desconfiam: “Quem sabe ela (Capitu) não pulava a cerca há mais tempo?”, indaga uma funcionária.

 

Pelo sim, pelo não, o Zoo fará exame de DNA nos quatro macacos: Otelo, Capitu, Eliseu e, é claro, Tadeuzinho para saber quem é seu verdadeiro pai.

 

O inusitado caso de amor entre Otelo, Capitu e Eliseu vai ser discutido no Congresso de Zoologia, a ser realizado no dia 26 de abril, na Bahia. 

 

FOFOCA

 

Os visitantes se dividem nas opiniões. Na manhã de ontem alunos da escola primária João Wesley, de Sobradinho, opinaram:

— “Ela (Capitu) é casada, tem compromisso com marido e além do mais tem um filho. Devia se comportar melhor”, desaprova a aluna Rebeca Monteiro, de 11 anos.

— “Gente, que bobagem! O que ela tá fazendo é apenas uma loucura por amor”, apóia Marcela Nascimento, também de 11 anos.

— “Claro que ela tá certa. O marido tá muito velho pra ela”, atiça o estudante Rodrigo Osvaldo, de 12 anos.

 

A pernambucana de Ribeirão, em visita a Brasília, Maria Messias da Silva, de 58 anos, acha o comportamento de Capitu “uma pouca vergonha”. Olhando para o marido, o aposentado Antônio Vicente da Silva, de 62 anos, disparou: “Hoje em dia mulher não respeita mais o marido. É por isso que o mundo tá assim”>

 

No auge da discussão, pára uma moça numa Picap Fiat branca e berra da janela:

— “Volta pra casa, vagabunda, teu marido tá te esperando.”

Nesse momento, Capitu acabara de chegar à ilha do amante. Esbaforida de tanto nadar, nem ligou para os gritos da moça indignada. Tratou de roçar em Eliseu e se perdeu no mundo. Haja amor.

 

A diretora do Zoo, a gerente ambiental Zezé Weiss, de 43 anos, atiça ainda mais a discussão. “Isso é uma história de amor como nunca vi antes em animais. Como mulher, acho que Capitu tem o direito de buscar o que mais seja adequado para ela”. E acrescenta: “Ela é o protótipo da mulher moderna: cuida bem dos filhos, do marido, mas não renuncia ao amor”.

 

DE MACHADO A SHAKESPEARE

 

Otelo e Capitu, nomes de personagens — o primeiro da tragédia do escritor inglês William Shakespeare; o segundo, da obra Dom Casmurro, de Machado de Assis. Ambos tratam de traição e adultério.

 

CAPITU

A bela morena de “olhos oblíquos e dissimulados” — enfeitiçou Bentinho. Bentinho morreu desconfiado que Ezequiel não era seu filho, mas, sim, do seu melhor amigo, Escobar.

 

OTELO

Tragédia em cinco atos, estreada em 1605. Seu tema é o ciúme que enlouquece Otelo, general mouro a serviço de Veneza, a ponto de matar sua diel Desdêmona.

 

PARA SABER MAIS

Espécie de Eliseu não é muito viril

 

Papio Hamadryas, conhecido como macaco sagrado, a espécie de Capitu e Otelo. Pertence à ordem dos Primatas e à família Cercopithecidae. Embora seja um macaco grande, é bastante esguio. Seus pêlos são verde-oliva escuro, com a parte interna um pouco mais clara e muitas vezes desprovida de pêlos. As calosidades na base de seu rabo são pequenas e acinzentadas. 

 

A cara tem um focinho alongado com um ângulo muito marcado no ponto de encontro entre focinho e a testa. O tamanho do corpo e da cabeça chega a 100 cm, o rabo a 70 cm e pode pesar até 45 kg.

 

As fêmeas tendem a ser um pouco menores. Existem do Senegal à Somália e mais ao sul da África e da Arábia. Habitam terrenos acidentados em savanas e rochedos à beira-mar. Vivem em grupos grandes, que chegam a ter de 150 a 200 membros, nos quais prevalece uma rígida ordem hierárquica. Os machos são chegados a ter haréns. Geralmente são 12 fêmeas para cada macho.

 

Papio Anubis (conhecidos como macacos verdes, de onde pertence Eliseu, o amante de Capitu) são monogâmicos. Pelo menos não têm virilidade tão exacerbada. Acasalam-se, como manda o figurino, e não costumam ser infiéis com suas fêmeas. Os babuínos comem no início do dia e ao anoitecer. Alimentam-se basicamente de plantas, mas podem comer pequenos mamíferos e pássaros.