As investigações para elucidar a motivação por trás do homicídio de Júlia Felix de Moraes, 2 anos, continuam. Agentes da 12ª Delegacia de Polícia (Taguatinga Centro) apuram se Laryssa Yasmim Pires de Moraes, 21, mãe da criança, que confessou tê-la assassinado, cometeu o crime em razão da disputa de guarda que enfrentava. O pai da menina, Giuvan Felix, 25, assim como a avó materna, Luciana Pires, 37, travavam uma batalha judicial pelo direito à custódia. O homicídio ocorreu em uma quitinete de Vicente Pires. Em audiência, realizada ontem, a Justiça determinou a prisão preventiva da acusada. Com isso, ela não poderá responder ao processo em liberdade.
Para desvendar o porquê de Laryssa ter matado a filha, os policiais ouviram parentes e vizinhos. Depoimentos de familiares e testemunhas da vizinhança serão coletados nos próximos dias. Até o momento, o delegado encarregado das investigações, Josué Ribeiro, indica que a principal suspeita é a disputa pela guarda da criança. “A gente sabia da intenção. Eles tinham tentado essa guarda lá pela Justiça de Goiás, em Padre Bernardo, mas sem êxito.” Segundo ele, a mãe de Laryssa acreditava que a filha não tinha condições de criar a bebê. “Era uma vida muito largada e sem compromisso. Ela judiava muito da criança”, disse.
De acordo com o investigador, após o insucesso no estado vizinho, a avó recorreu à Justiça do Distrito Federal. “Ela falou com o pai que tentaria conseguir a guarda por aqui, e foi quando ele procurou a Defensoria Pública”, afirmou. Em nota oficial, o órgão informou ao Correio que processos do tipo correm em sigilo, e que não iria se manifestar sobre os fatos.
O delegado, porém, informou que, como Laryssa Yasmin e Júlia Felix estavam estabelecidas na quitinete alugada por Giuvan, a Defensoria o teria alertado de que não seria possível pleitear a guarda da filha, justamente por ela morar com ele. Isso o teria motivado a pedir para que Laryssa deixasse a residência. “Faz a gente crer que seria um bom ingrediente, senão a motivação inteira para o crime. É como se ela (Laryssa) tivesse pensado: ‘Se eu não vou ter a guarda dela, ninguém mais vai ter’. Questionada durante depoimento na delegacia, no entanto, ela negou, alegando que não sabia o porquê de ter feito aquilo.
A linha de investigação dialoga com depoimentos informais de conhecidos da família. Limatésio Eliodoro, 38 anos, é primo de Luciana, avó de Júlia, e conta que a prima chegou a dizer que a guarda pode ter motivado o crime. “A Laryssa fez isso porque queria a guarda da menina, e o pai e a avó também. Mas é uma tragédia que não dá para entender. A garota (Laryssa) tinha uma criação boa, uma mãe que sempre ajudava”, avaliou.
Tentativa de homicídio
Os relatos sobre o relacionamento de Laryssa com a filha são controversos. Enquanto alguns familiares e amigos a descrevem como uma boa mãe, outros a tratam como relapsa. O caseiro Elves Rodrigues de Oliveira, 30, tio paterno de Júlia, acusa a mulher de tentar assassinar a criança há cerca de seis meses, quando ainda morava em Padre Bernardo (GO). O suposto crime é investigado pela 12ª DP.
Segundo o caseiro, a jovem dava banho na menina quando tentou afogá-la. O caso fez com que Elves aconselhasse Giuvan a lutar pela custódia. “Ela alegou que tudo não tinha passado de um acidente”, lembrou. “Ela era instável emocionalmente e fazia consumo de drogas com certa frequência. Agora que essa tragédia aconteceu, a gente consegue ver com mais clareza que o que ocorreu no passado não tinha nada de acidente.”
De acordo com Elves, apesar de o irmão estar morando com Laryssa desde dezembro passado, eles não estavam juntos: “Ele aceitou ajudá-la por causa da Júlia. Aquela menina era o brilho dos olhos. Não tinha nada nesse mundo que ele não fazia por aquela criança”. Segundo ele, a mãe de Júlia estaria ali até se estabilizar em Brasília, após deixar Padre Bernardo, onde morava com a mãe.
Segundo o delegado responsável pelo caso, os maus-tratos da mãe em relação à criança eram perceptíveis. “Parte da família acredita que (o acidente na banheira) foi intencional, porque ela tinha uma personalidade muito ruim em relação à filha”, descreveu. “Apesar disso, aparentemente, Júlia amava muito a mãe. Queria ficar o tempo todo com ela”, complementou. O Correio procurou o Conselho Tutelar de Vicente Pires para verificar registros de maus-tratos por parte de Laryssa Yasmin à filha. No entanto, nenhuma ocorrência foi registrada no órgão.
Psicológico
Apesar do uso de drogas possibilitar comportamentos violentos, por si só não justifica um crime como esse, segundo o psicólogo do Conselho Regional de Psicologia (CRP-DF) Romeu Maia. Especialista em saúde mental e psicanalista, ele explica que o efeito da substância química varia de pessoa para pessoa. Do mesmo modo, afirmar que existe um transtorno psicológico na suspeita seria precipitado sem, antes, uma avaliação do histórico.
“Pode existir um transtorno psicótico? Pode. Um transtorno de personalidade? Também. Talvez, a gente possa afirmar com mais segurança que, com certeza, há um nível de tensão e sofrimento muito alto”, avaliou. Na visão dele, algo deveria ter sido feito quando Júlia esteve no hospital, após o afogamento na banheira. “Poderiam ter conversado com a família, conhecido melhor o caso e, conforme fosse, chamado o Conselho Tutelar, porque se tratava de uma proteção de menor”, ponderou.
Passado o ocorrido, o psicólogo sugere o suporte especializado tanto para a acusada quanto para os demais membros da família. “Hoje, na rede pública, o melhor são os Caps.” (leia Ajuda psicológica). “O pior é o preconceito e o julgamento precipitado das pessoas. Sem base consistente, isso cria fantasmas sociais.”
Ajuda psicológica
A rede pública de saúde do Distrito Federal oferece espaços de atendimento voltados para a saúde mental:
» Centros de Atendimento Psicossocial (Caps): espaços destinados ao cuidado com a saúde mental, de maneira multidisciplinar. Conta com psicólogos, psiquiatras e demais profissionais relacionados ao tema. No DF, há 18 unidades.
» Centro de Referência de Assistência Social (Cras): unidade de assistência social responsável pelo atendimento de famílias ou indivíduos em situação de vulnerabilidade e risco social. É a porta de entrada para acesso a políticas públicas. No DF, há 27 unidades.
» Centro de Referência Especializada em Assistência Social (Creas): oferece serviço especializado de proteção e atendimento a famílias e indivíduos em situação de ameaça ou violação de direitos. No DF, há 11 unidades.
» Conselho Tutelar: o Distrito Federal conta com 40 conselhos em todas as cidades. Cada um é destinado à proteção de crianças e adolescentes.
Dopado
A Polícia Civil investiga a hipótese de que Giuvan Felix tenha sido dopado por Laryssa horas antes do crime. Em depoimento, o jovem afirmou que ela providenciou o jantar, no entanto, não comeu nem bebeu. Laryssa teria feito uma macarronada para ele, mas não comeu. Ao invés disso, saiu para comprar um sanduíche. Ela também teria feito dois sucos distintos: um para ele, e um para ela. A jovem ainda teria servido um copo d’água ao rapaz antes de dormir, o que teria sido lembrado pelo jovem no depoimento aos policiais. O homem passou por exames toxicológicos e de corpo de delito no Instituto de Medicina Legal (IML), na quinta-feira. Os resultados dos laudos devem sair em até 30 dias.