Cidades

Alegria e depressão

Fui resolver uma pendência administrativa na W3 Sul e, quando passava por uma loja, uma senhora atarracada olhou para mim de uma maneira estranha. Segui em frente, ela veio atrás e perguntou, com voz firme: “O senhor tem alguns segundos para eu te dizer uma coisa importante?” Tinha pressa, mas, por cortesia, respondi que sim. A senhora fechou os olhos, se concentrou como se fosse receber um pai de santo e esperou alguns segundos, em suspense.

Depois da impressão dramática do silêncio, em tom bíblico, profético, inapelável e inescapável, me fulminou, escandindo quase sílaba por sílaba: “O senhor é pro-fun-da-men-te depressivo”. Senti-me aterrado com a revelação; no entanto, na sequência, ela me disse algo que me ressuscitou: “Mas eu tenho uma boa notícia para o senhor: Jesus te ama”.

Com os olhos radiantes do brilho alucinado dos profetas, ela me observava atenta, aguardando o efeito causado por suas palavras ameaçadoras.

Estava com pressa, um tanto agoniado para chegar ao trabalho, mas, mesmo assim, ainda tive tempo de comentar: “Olha, a senhora só acertou na parte de Jesus. Depressão é algo que passa longe de mim”. Ela ficou um tanto decepcionada com a minha convicção antidepressiva e reduziu o tom apocalíptico, sem dar inteiramente o braço a torcer: “É, mas o senhor me parece um pouco aflito”.

Saí voado para o trabalho. No entanto, gostaria de dizer-lhe algumas palavras. Minha senhora, fiquei muito honrado com a distinção que me conferiu, mas minha verdadeira vocação é a alegria. Entretanto, pensando bem, a senhora não se equivocou inteiramente em suas ponderações. Algumas coisas me deixam em cavo estado de depressão.

É o caso da recente decisão do Congresso Nacional de aumentar o fundo partidário. Trata-se de uma deliberação pornográfica. Depois de toda a luta para o fim do financiamento político das empresas, as suas excelências driblam a proibição e resolvem retirar o dinheiro diretamente do bolso do contribuinte.

Dá profundo desalento constatar que os praticantes de atos suspeitos ainda se permitam o desplante de legislar em causa própria para continuar a fazer bandalheiras com o dinheiro dos nossos impostos. Para mim, as campanhas políticas deveriam ser feitas com as filipetas. Isso evitaria os trambiques. Fico angustiado de constatar que, com a internet, a mentira tornou-se quase que a língua oficial brasileira.

Confesso que, nos últimos tempos, perdi um pouco o senso de humor. Impossível não ficar triste ao ler as notícias. No entanto, se a alegria bater à porta ou roçar o meu corpo, insinuando-se, pode ter a certeza de que me encontrará de braços abertos. Xô, satanás! Xô, depressão!