“A invisibilidade é um preconceito”, define a modelo Raquel Abiahy, 41 anos. Diagnosticada autista tardiamente, aos 39, a ativista passou a difundir a inclusão social na moda. Hoje, sonha em participar pela primeira vez da Osasco Fashion Week, que acontece em março, em São Paulo. “Desde os 15 anos era chamada para ser modelo, mas nenhuma agência me levava a sério, creio que por perceberem limitações, como entender comandos para recriar expressões, que é uma dificuldade de alguns autistas”, relata. “Não pensava mais no assunto de ser modelo. Passei a acreditar que as agências e a moda eram um jogo de cartas marcadas, onde somente certos padrões alcançariam uma oportunidade. Mas, no ano passado, um amigo me chamou para fazer fotos de teste em uma agência inclusiva. Resgatei minha autoestima e hoje estou muito animada para concorrer em Osasco”, conta.
O sonho de desfilar na cidade paulista não é apenas de Raquel. Tampouco a dificuldade financeira para alcançá-lo. Idealizadora do projeto Fashion Inclusivo, Ângela Ferreira também espera uma oportunidade de levar os 70 modelos do projeto para Osasco, na região metropolitana de São Paulo. “É muito importante fazer parte desse momento e estamos divulgando pelas redes sociais em busca de apoio”, diz. “A gente não tem nenhuma ajuda do governo. Nós arcamos com gastos por meio de doações e trabalho voluntário de maquiadores e misses, que ensinam os alunos a desfilar Os pais também colaboram com, no mínimo, R$ 10”, completa.
A associação nasceu em 2010 com a missão de despertar a sociedade para questões que envolvem estilo, elegância e moda, contemplando as necessidades das pessoas com deficiência. À época, Ângela era professora do ensino especial da Secretaria da Educação. “No fim do ano, queria propor uma confraternização inédita e pensei em um desfile no shopping de Sobradinho”, lembra. Ela esperava a participação apenas dos pais, amigos e familiares dos alunos, mas foi surpreendida: “O desfile ganhou uma dimensão que não esperávamos. Cerca de 400 pessoas assistiram”.
A falta de inclusão no universo da moda motivou Ângela a levar o projeto para frente. “Sou uma mulher negra de traços africanos e, quando era adolescente, na década de 1990, por ser alta, várias pessoas me estimulavam a procurar agências de modelos. Só que, quando me apresentava em alguns lugares, não era bem recebida. Sempre senti um preconceito. E não só o negro passa por isso, mas qualquer pessoa com algum tipo de diferença”, comenta.
A cada ano, ela percebe uma agenda cada vez mais cheia e uma procura maior do público. Para participar, os interessados devem entrar em contato pelos perfis do projeto no Facebook e no Instagram ou aparecer em uma das reuniões mensais, divulgadas nas redes sociais, que acontecem na Associação DF-Down, na 507 Sul.
O modelo Ernandes Feitosa, 42, entrou no grupo no ano passado e também espera conseguir ir para Osasco. “Temos que levar a inclusão para o mundo inteiro. Quanto mais divulgarmos e participarmos de eventos dentro e fora de Brasília, melhor”, opina. O advogado conheceu o Fashion Inclusivo por meio de uma colega da Comissão dos Direitos das Pessoas com Deficiência da Ordem dos Advogados do Brasil no Distrito Federal (OAB-DF), em maio do ano passado. “Fiquei curioso sobre moda inclusiva e fui conhecer”, recorda. A primeira vez que Ernandes subiu em uma passarela foi marcante: “Achei muito bacana o foco não ser a beleza comercial e, sim, a participação inclusiva. Logo me identifiquei”.
A iniciativa surpreendeu o modelo. “Ganhei o prêmio de mister inclusivo do DF em 2019. Fiquei surpreso, pois não esperava que me elegessem para o primeiro lugar”, afirma. Encantamento é a palavra que define o sentimento de Ernandes em relação às novas oportunidades. “O Fashion Inclusivo eleva a autoestima das pessoas que têm uma deficiência. É uma mensagem de que pessoa pode se achar bonita, independente de qualquer coisa”, pontua. Apesar dos avanços na moda, ele cobra mais ações de inclusão na cidade. “Muitos aspectos melhoraram, mas ainda não estamos perto do ideal. Brasília precisar investir mais em acessibilidade em transporte e mobilidade, por exemplo.”
Empoderamento
Miss cadeirante em 2019, Karol Cruz enfrentou diversos desafios ao longo dos 34 anos de vida, mas afirma que “existe felicidade na dificuldade”. Desde pequena, a fã de Gisele Bündchen desfila em passarelas e participa do mundo da moda: “É onde me sinto bem e feliz”. Há quatro anos, porém, a modelo precisou se adaptar a uma nova situação nas passarelas. “Descobri, após uma cirurgia para a retirada da vesícula, que teria que andar de cadeiras de rodas por conta de um procedimento com a anestesia”, conta. Karol precisou se adaptar com a nova condição, seguida da novidade de que seria mãe pela segunda vez. “Foi uma gestação complicada e, após o nascimento de Catarina, concentrei todos os esforços para cuidar dela. Não tive tempo de me adequar à minha nova realidade”, relembra.
A fase difícil lhe trouxe uma visão diferente. O que poderia ser motivo de desistência tornou-se um momento de redescoberta. “Nesse processo, conheci o Fashion Inclusivo e, após o divórcio, passei a pensar mais em mim. Pensei: ‘vou tentar me incluir nesse mundo da moda’, e comecei de novo”, diz. A decisão trouxe oportunidades para a modelo. Entre elas, a chance de participar do Miss e Mister Cadeirante Inclusivo DF 2019: “No primeiro momento recusei, porque, à época, estava fazendo quimioterapia. Mas em 11 dias mudei de opinião. Desfilei carequinha e com máscara de oxigênio”. Para a surpresa de Karol, o prêmio foi dado a ela. “Depois do concurso as propostas e parcerias aumentaram. Comecei a trabalhar para a GJM Model Agency e a participar de desfiles de moda. Este ano mesmo vou para o Osasco Fashion Week”, comemora.
A diretora da GJM Model Agency, Gisah Pinho Madeira, explica que, a partir de parcerias, é possível inserir os modelos no mercado da moda. “Nosso objetivo é gerar empoderamento e elevar a autoestima dos modelos. Eles ficam entusiasmados em participar e perdem aquele sentimento de que não são capazes porque a sociedade olha para eles com deficiências e incapazes de realizar algo.”
Inclusão
A semana de moda de Osasco foi criada em 2017, com objetivo de permitir a diversidade nas passarelas. A ideia é democratizar e conscientizar sobre a importância da moda no país como uma forma de autoestima. Com o tema diversidade, a 3ª edição começa em 5 de março, no Espaço Borborema, em Osasco (SP).
Fashion Inclusivo
Facebook: Fashion Inclusivo
Instagram: @fashioninclusivo
Reuniões mensais divulgadas nas redes sociais
Encontros na Associação DF-Down, na 507 Sul
Agência GJM
Endereço: Premier Lago Norte, SHIN CA 8, Lote 1, Lago Norte
Contatos: 98267-5492 | 98346-6458 | (21) 96475-9128
Facebook: GJM Model Agency
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Caso o aspirante tenha dificuldade de ir à agência, funcionários vão até ele.