Cidades

Crônica da Cidade

Drogas e futuro

O cineasta italiano Pier Paolo Pasolini escreveu um artigo em 1968 de impressionante e larga atualidade. Ele indaga: “Por que as pessoas tomam drogas?”. E se arrisca a responder: “Não o compreendo, mas de certo modo explico. As pessoas se drogam por falta de cultura. Falo, evidentemente, da grande maioria ou média de drogados. É claro que quem toma drogas o faz para preencher um vazio, a ausência de alguma coisa, que causa desânimo e angústia. É um substituto da magia. Os primitivos estão sempre diante desse terrível vazio em seu íntimo. Ernesto de Martino o chama de ‘medo da perda da própria presença’; e os primitivos, precisamente, preenchem esse vazio recorrendo à magia”.

Ao fazer um paralelo entre o mundo moderno e o primitivo, Pasolini chega à conclusão de que, passado o momento de euforia com o iluminismo, a ciência, a comodidade, o bem-estar e o consumo, o alienado começa a se sentir sozinho consigo mesmo: “Portanto, como o primitivo, ele se sente aterrorizado pela ideia da perda da própria presença”.

Pasolini admite: na realidade, todos tomamos drogas. “Eu (ao que saiba) fazendo cinema: outros, aturdindo-se em outra atividade qualquer. A ação tem sempre uma função similar à droga. Che Guevara se drogava através da ação revolucionária (a teorização pelo castrismo romântico: agir antes de pensar); também o trabalho que serve para ‘produzir’ é uma espécie de droga.”

A certa altura, Pasolini toca no ponto que me parece crucial para entendermos o momento que vivemos: a passagem de uma cultura humanista para uma cultura técnica coloca em crise a própria noção de cultura. “Vítimas dessa crise são sobretudo os jovens. É por isso que há tantos jovens que tomam drogas. Carecer de certezas culturais e, portanto, da possibilidade de preencher o próprio vazio alienado, senão de outro modo, por meio da autoanálise e da consciência (individual ou de classe), significa — em termos atuais — ser também ignorante. Com efeito, a crise da cultura faz com que muitos jovens sejam literalmente ignorantes. Em suma: que não leiam mais, ou que não leiam com amor.”

Pasolini não é nada otimista quanto à superação dessa crise cultural, pois ela envolve não apenas um problema de educação, mas, sim, um drama de civilização difícil de ser transcendido: “Por outro lado (e esta é a conclusão desesperadora), libertar-se dessa ‘falta de cultura’ ou de ‘interesse cultural’ parece algo impossível; com efeito, ela provém, provavelmente, de um sentimento mais geral de ‘medo do futuro’. Jamais, como nestes anos (nos quais a ‘previsão’ tornou-se ciência) o futuro foi fonte de tanta incerteza, foi tão parecido com um pesadelo indecifrável”.