Há uma ansiedade global para que o capitalismo se requalifique, deixando de se voltar exclusivamente ao lucro e ao próprio umbigo, passando a ter um relacionamento empático com aqueles que são direta ou indiretamente afetados por seus movimentos. A esse renovado sistema se dá o nome de ‘capitalismo das partes interessadas’. É o que se insere na teia social, conectando-se aos elos circundantes: clientes, fornecedores, líderes comunitários, instituições de interesse público e organizações não governamentais.
A substituição do ‘shareholers capitalism’ pelo ‘stakeholders capitalism’ foi exortada no ‘Manifesto Davos 2020’, que serviu de lastro ao temário do Fórum Econômico Mundial, realizado entre de 21 a 24 de janeiro. Os melhores jornais do mundo, sobretudo os segmentados em economia e negócios (como o brasileiro Valor), abriram destacado espaço para comunicar que veio à luz o ‘capitalismo das partes interessadas’.
Nós, da Associação Brasileira de Bares e Restaurantes (Abrasel), ficamos surpresos quando tomamos conhecimento da expressão ‘stakeholders capitalism’, nomeando-se assim uma filosofia que há muito praticamos. Em 2015, portanto cinco antes da edição 2020 do evento de Davos, já havíamos divulgado nacionalmente um manifesto que guarda bastante semelhança com o do Fórum Econômico Mundial . Eis o título do nosso manifesto: ‘A partir das ruas, simplifica Brasil’.
Nesse documento, acentuamos que os bares, restaurantes, cafés, bistrôs e as lanchonetes do universo Abrasel se espalham pelas ruas dos 5.570 municípios brasileiros. O nosso slogan explicita a onipresença nacional: ‘Onde há Brasil, Abrasel’. A principal bandeira da Abrasel é a inclusão. A nós não interessa o exclusivo. Seja o bairro exclusivamente residencial, a agência bancária ‘personnalité’, a sala VIP (destinada ao suposto ‘very important people’). Somos, em tempo integral, o antigueto. Sempre fomos misturados às partes interessadas.
Formamos um gigantesco contingente de mais de um milhão de negócios espalhados pelo país inteiro, desde o barzinho da periferia das periferias de qualquer cidade até às grandes redes de restaurantes. Abraçamos as causas inclusivas do interesse da maioria dos 210 milhões de brasileiros. Assumimos a condição de lobistas, sim. Somos lobistas do povo, a voz das ruas. Por isso, nos empenhamos em fazer com que os planos diretores urbanos privilegiem a mescla, a pluralidade, a sociodiversidade.
Este é o nosso mantra: que as legislações municipais permitam e estimulem a proximidade mútua entre moradia, comércio, escola, posto de saúde, transporte público, ciclovias, parques, praças. A concepção urbana por nós abraçada é a mesma das cidades europeias, caminháveis dia e noite. Nelas há calçadas cobertas pelos toldos das confeitarias, floriculturas e quitandas.
Somos capitalistas, sim. Somos os capitalistas de portas abertas para as ruas. É diuturno o nosso trabalho de inclusão. No Brasil infelizmente há 13,5 milhões de pessoas vivendo na extrema pobreza. Fazemos tudo que está ao nosso alcance para mitigar esse infortúnio. Somos os líderes do primeiro emprego. Com larga frequência, contratamos jovens com baixíssima escolaridade. Com o emprego, eles voltam à escola. Com o emprego e a escola, desenvolvem a autoestima e a confiança.
É comum que esses jovens conquistem a simpatia dos fregueses, até mesmo tornando-se populares entre os clientes. Por isso, é corriqueiro que um ou outro deixe o emprego para abrir o próprio negócio, que pode ser um botequim ou um pequeno quiosque. Enfim, prosperam. O setor cresce e se multiplica. Junto às ruas e calçadas, floresce o ‘capitalismo das partes interessadas’.
Portanto, mais do que nunca, estamos alinhados com Davos. E nos alinhamos, ainda, com os que batalham para ampliar as fronteiras do primeiro emprego, por meio da Medida Provisória (MP) da Carteira Verde e Amarela. Agora, só depende de o Congresso aprová-la. O desemprego no Brasil atinge 12,5% da população ativa. Mas, o desemprego entre os jovens, na faixa dos 18 e 29 anos, é o dobro: 25%. As famílias dessa esperançosa moçada são, em grande parte, aquelas da extrema pobreza.
O secretário especial de Previdência e Trabalho, Rogério Marinho, mobilizou toda a sua equipe de especialistas para modelar um programa que tire esses adolescentes e jovens adultos do impasse em que vivem. Eles não conseguem emprego porque não têm experiência. E não têm experiência porque nunca conseguiram um emprego. Com o programa da Carteira Verde e Amarela, dá- se um desconto de até 34% nos encargos trabalhistas para todo o empresário que contrate os rapazes e as moças.
Com o abatimento de até 34% nos encargos, em cinco anos o governo deixará de arrecadar R$ 10 bilhões. A Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF) só permite que haja a desoneração se for encontrada uma forma de se compensarem os R$ 10 bilhões, seja com a adoção de outro tributo , seja com a ampliação do número de pagadores de impostos. O Congresso tem que desatar o nó. Quando os parlamentares chegarem a um acordo sobre qual será a fonte compensatória, atendendo-se às exigências contidas na LRF, estará resolvida a questão.
Com a aprovação da Carteira Verde e Amarela, uma coisa é absolutamente certa: os bares e restaurantes duplicarão as costumeiras contratações de jovens do primeiro emprego. E ali na frente, esses empregados abrirão seus próprios negócios, tornando-se empregadores do primeiro emprego. É o ciclo virtuoso do capitalismo, movido pelas partes interessadas, no jeito Abrasel de ser.