Investigadores da Polícia Civil tentam identificar o destino de verbas parlamentares destinadas a projetos educacionais e culturais da Secretaria de Políticas para Crianças, Adolescentes e Juventude (Secriança). Os agentes suspeitam que R$ 5,9 milhões tenham sido desviados por servidores da pasta e da Câmara Legislativa, além de terceirizados e laranjas. Apesar de ainda não haver comprovação, os policiais não descartam a participação de deputados distritais no esquema.
As investigações começaram em 2018, quando os policiais deflagraram a primeira fase da operação, batizada de Conto do Vigário, e cumpriram nove mandados de busca e apreensão. Na manhã de ontem, os agentes da Coordenação Especial de Combate à Corrupção e ao Crime Organizado (Cecor) cumpriram 16 mandados de busca e apreensão em empresas e nas casas de pessoas ligadas à suposta organização criminosa. Os policiais apreenderam aparelhos celulares, três veículos de luxo, carteiras de identidade e habilitação falsas, documentos relacionados a contratos públicos, procurações e computadores.
De acordo com Leonardo de Castro, chefe da Cecor, a Secriança usou verbas de emendas da Câmara Legislativa para firmar seis convênios, entre 2015 e 2018, com duas entidades: Terra Utópica e Instituto Brasília para o Bem-Estar do Servidor Público (Ibesp). Ambos ficavam responsáveis por contratar empresas que desenvolveriam os projetos estabelecidos pela pasta. Entretanto, os recursos disponibilizados seriam desviados, e as ações não eram executadas.
Na primeira etapa da operação, os policiais focaram na destinação da verba do GDF para os institutos. Nessa nova fase, os investigadores miram as empresas que firmaram parceria com essas entidades. O delegado ressaltou que nenhuma das contratadas tinha competência ou experiência para desenvolver os projetos. “A suspeita é de que os envolvidos elegiam esses institutos para firmar parceria e, durante a execução do projeto, desviavam as verbas públicas dessas ações, que não eram feitas”, explica Leonardo.
Após análise do material apreendido na primeira fase da operação, os policiais identificaram que os suspeitos — pelo menos 20 — se assustaram com a investida da polícia e passaram a executar os projetos às pressas. Eles teriam usado dinheiro do próprio bolso para custear ações para os estudantes, de concurso de redações e leitura de histórias. Entretanto, como o valor empregado pelos acusados era menor do que o orçado para as despesas, o serviço foi prestado precariamente.
O delegado Ricardo Uchoa, da Divisão Especial de Combate à Corrupção (Decor), revelou que os envolvidos, em uma tentativa de poupar gastos, serviram lanche vencido a crianças de 10 escolas públicas durante uma das atividades. “Também identificamos que um dos investigados chegou a chamar os estudantes de catarrentos. Chamou a nossa atenção a raiva que eles manifestam contra essas crianças”, afirma.
Na investigação, os policiais também identificaram a participação de laranjas. Um deles trabalhava no ramo da limpeza em um órgão público da capital, entretanto, havia 23 empresas registradas no nome dele. Os suspeitos deverão responder por crimes de associação ou organização criminosa, peculato, falsificação de documento, lavagem de dinheiro e fraude processual.
Punição
Em nota, o Ibesp informou que, na primeira etapa, entregou material à Polícia Civil e prestou esclarecimento. “Aguardamos a conclusão da prestação de contas devidamente enviada à Secriança”, ressalta. A reportagem entrou em contato com a Terra Utópica, mas não obteve retorno até o fechamento desta edição.
Como o caso ocorreu em 2018, o ex-governador Rodrigo Rollemberg enviou nota: “Estou surpreso com a denúncia de desvios de recursos numa secretaria do meu governo, mas defendo um aprofundamento da investigação. Sou o maior interessado em que se conclua se houve ou não desvio de recursos. Não pactuo com esse tipo de atitude. Não faz parte da minha linha de conduta. Se forem comprovadas as irregularidades, que os responsáveis sejam rigorosamente punidos.”
Padrinho
O Correio revelou o esquema em novembro de 2018, em primeira mão. À época, a Secriança contratou o Ibesp por R$ 972 mil para realizar um concurso de redação em escolas de ensino médio do Recanto das Emas. O recurso veio de uma emenda parlamentar do deputado distrital Israel Batista (PV), que era o padrinho político de Aurélio Araújo, à época, chefe da Secretaria da Criança.