Sócios da paixão
A Confraria dos Bibliófilos do Brasil é uma referência positiva de Brasília. É dirigida por José Salles Neto. Ele é o nosso José Mindlin do cerrado, amante inveterado de livros, mas com a diferença de que o paulistano dispunha de uma rede de empresas bem-sucedidas para bancar a paixão, enquanto Salles teve de vender o fusquinha para editar livros. Aliás, Mindlin era fã e sócio número 2 da confraria brasiliense.
Salles é o criador, o editor, o presidente, o secretário, o motorista, o divulgador e o office-boy da Confraria. Com a cara e a coragem, conseguiu a façanha de envolver, na condição de colaboradores e cúmplices dos seus projetos, uma constelação de nomes de primeira linha, incluindo alguns dos seres mais inacessíveis e intratáveis do planeta de extraterráqueos da literatura e das artes gráficas: Dalton Trevisan, Millôr Fernandes, Ferreira Gullar, Rubem Fonseca, Luis Fernando Verissimo, Rubens Gerchman, Antonio Candido, Marcelo Grassmann, Renina Katz, Poty (o ilustrador de Guimarães Rosa), entre outros.
Cada livro da Confraria é um presente dos deuses. As edições artesanais esmeradas os transformam em verdadeiros objetos de arte. Mas um aspecto que desperta a atenção é a renovação dos sócios da entidade.
Quando se fala em Confraria, logo pode surgir a imagem exclusiva de venerandos senhores e senhoras. Todavia, diferentemente do que se possa imaginar, a maioria dos 450 integrantes da entidade tem menos de 40 anos.
A Confraria foi criada em 1995 e, portanto, tem 25 anos. É natural que, ao longo do tempo, vários sócios tenham morrido. No entanto, aconteceu um insólito fenômeno. Quase sempre os filhos herdaram a paixão dos pais.
Mindlin dizia que o fascínio pelos livros é o vírus da mansidão e da bondade. Depois de sua morte, a filha dele manteve-se sócia com o mesmo amor pela literatura. De fato, a loucura lúcida pelos livros contamina.
Salles tinha um amigo dos tempos em que morou em Frutal, interior de Minas Gerais. Por solidariedade, ingressou na Confraria. De tanto entrar em contato com os livros da entidade, o filho do amigo aderiu, com mais amor do que o pai, sem nenhuma solidariedade. Alguns enviam fotos com estantes que mandaram construir especialmente para abrigar as obras da Confraria.
E não se trata apenas de gente ligada às humanidades. Salles é engenheiro elétrico. O filho de um dos seus professores, Marcos Ditz, de 35 anos, vive imerso no ambiente de uma empresa tecnológica, mas não lê em celular ou tablet. Gosta mesmo é de literatura brasileira e livro bonito, os dois pilares da Confraria.
Antes, Salles estigmatizava quem lia em mídias digitais. Mas, hoje, ele percebeu que se tratava de ignorância. O importante é que se mergulhe na obra, não importa o meio.
No entanto, pessoalmente, não abre mão da estética do objeto. Ele mora em uma casa de dois andares que parece uma biblioteca de babel, com livros saindo por todos os lados. Se você perguntar quem no mundo gosta mais de livro, Salles responderá com a maior desfaçatez: “Pode haver quem goste igual a mim, mais do que eu, nunca”.