Embora Rubem Braga fosse muito econômico nas palavras e se mantivesse em silêncio grande parte do tempo, só saindo da toca para espetadas certeiras, ele suscitou uma antologia de deliciosas histórias com o célebre mau humor bem-humorado. Não sei se todas são verdadeiras, mas, como o compromisso da crônica é mais com a dimensão lúdica do que com a veracidade, repasso algumas narrativas que li e ouvi.
Braga trabalhava em uma emissora de televisão, compondo pequenas crônicas. Escreveu um texto, o editor leu e veio com o pedido: “Será que dava para você piorar um pouquinho, pois o público de televisão não vai entender”. Braga reescreveu o texto e entregou ao chefe. Novamente recebeu a solicitação no sentido de que rebaixasse mais o vocabulário para se adequar à comunicação com o público. Ao que Braga replicou rispidamente: “Olha, isso é o pior que eu consigo”.
Braga sempre viveu no sufoco, acossado por uma situação financeira incerta, embora trabalhasse muito. No fim da vida, o seu amigo Armando Nogueira, responsável pelo telejornalismo da Rede Globo, conseguiu um emprego para ele na poderosa emissora.
Em conversa com Braga, Armando comentou: “Fiquei sabendo que você e o doutor Roberto Marinho se encontraram no elevador. Você disse alguma coisa a ele?”. Braga respondeu que não. Armando contou que o próprio Roberto Marinho, dono da Globo, lhe havia perguntado o que Braga fazia na casa: “Ah, ele não só escreve, como corrige textos, dá aula aos mais novos, colabora com o Jornal Hoje e apoia o pessoal na edição”. A lista era tão grande que o chefão fez o seguinte comentário: “Mas como ele dá conta de tudo isso?”
Se assistisse a uma reunião de pauta do Jornal Hoje, Marinho poderia constatar a seriedade de Braga, que parecia ser o mais imbuído de profissionalismo na equipe, pois realizava intermináveis anotações em um papel, supostamente sobre os temas em debate. No entanto, quando se encerrava a reunião, ele distribuía a cada um dos colegas o resultado de suas garatujas: uma série de caricaturas ácidas.
Reza também a lenda que, certo dia, Braga se dirigiu a Armando Nogueira com um ar tão desconsolado que o amigo perguntou: “Por que você está aflito? Diz logo de uma vez o que quer”. Braga abriu o jogo: “Queria dar um pulinho a Cachoeiro de Itapemirim para matar as saudades, mas queria ir de avião”. Armando quase não resistiu em lhe dar uma tremenda bronca: “E precisava de tudo isso? Se todo problema era só a passagem de avião para Cachoeiro do Itapemirim, por que não falou logo?”. Ao que Braga respondeu: “Mas com escala em Paris...”
» Crônica publicada originalmente
em 7 de novembro de 2017