Cidades

Luciana poderia estar viva se tivesse recebido socorro, afirma delegado

A vítima foi esfaqueada 48 vezes pelo ex-namorado, Alan Pinto de Jesus. O suspeito confessou parcialmente o crime para a polícia em interrogatório, realizado no sábado (30/12) no Hospital de Base

Sarah Peres
postado em 31/12/2019 12:41
Luciana de Melo FerreiraA funcionária do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) Luciana de Melo Ferreira, 49 anos, levou 48 facadas nas costas, conforme laudo cadavérico do Instituto de Medicina Legal (IML). Ainda segundo o exame, ela morreu por choque hipovolêmico (perda súbita e excessiva de sangue) e, se tivesse recebido socorro, poderia estar viva. O vigilante Alan Pinto de Jesus, 45, está preso preventivamente. Ele está internado no Hospital de Base com traumatismo cranioencefálico, sob escolta policial.
Segundo o delegado Ricardo Viana, chefe da 3; Delegacia de Polícia (Cruzeiro), o vigilante confessou parcialmente o crime durante interrogatório, que durou mais de quatro horas, no sábado (30/12). Na versão do acusado, ele confirmou ter esperado por Luciana no prédio dela, o que já tinha sido confirmado por circuito interno de segurança do local, localizado na QRSW 2, no Sudoeste. O caso ocorreu na noite de 21 de dezembro, mas o corpo foi encontrado dois dias depois.
"Ele afirma que não tinha a intenção de matá-la, mas sim, conversar. Por isso, ficou nas escadas do quarto andar. Após duras horas, viu Luciana chegar e desceu as escadas. Ela tentou fechar a porta, mas ele bloqueou com a mão e forçou a entrada. Dentro do apartamento, Alan diz que conversou com a vítima, pedindo para reatar o namoro. Eles discutiram e ela pegou uma tesoura, atacando-o. Alan a mobilizou e, nessa hora, ela mesma teria se esfaqueado", relata.
Depois, o vigilante viu a ex-namorada agonizar no chão da sala. Ele pegou a tesoura, colocou na bolsa da vítima, onde já tinha outros pertences pessoais. "Alan trancou a porta e deixou a casa. Ele seguiu de carro para a casa da ex-mulher e, durante o trajeto, se livrou das provas materiais do crime. Acreditamos que a intenção dele em levar os objetos era tentar fazer com que o caso parecesse um latrocínio (roubo com morte), não um feminicídio", afirma o delegado.
Para Ricardo Viana, a versão do acusado é "esdrúxula e descabida. Quando questionados o motivo de ele não ter chamado o socorro para a vítima, pois não tinha a intenção de matá-la, não houve resposta. A investigação indica que, até o momento em que força entrada no apartamento, é verdade. Mas não acreditamos que Luciana teria se auto lesionado, até pela localidade dos ferimentos."
A tese de que Alan premeditou o crime e chegou o apartamento decidido a assassinar a ex-namorada se consolida no fato de, nas filmagens, o homem estar com um objeto na mão direita. "Acreditamos que ele levou a arma do crime, que não podemos afirmar que seja mesmo uma tesoura, como o acusado relata. Tudo aponta que o vigilante chegou atacando Luciana, que lutou pela própria vida. Além dos golpes nas costas, ela também tinha cinco perfurações nos antebraços", acrescenta Viana.
Os ferimentos do vigilante, inclusive o traumatismo cranioencefálico, teriam sido decorrentes da luta corporal com a funcionária do TSE. O acusado segue internado no Hospital de Base, sob escolta policial. Ele está preso preventivamente. Alan responderá por homicídio quadruplamente qualificado: feminicídio; motivo torpe; mediante emboscada; e asseguração a execução de outro crime (por tentar fingir um latrocínio).

Feminicídios

O Distrito Federal registrou 33 casos de feminicídios neste ano, até o fechamento desta edição. O número é 37% maior do que todo o ano passado, quando foram 28 assassinatos por questão de gênero. Para a defensora pública e coordenadora do Núcleo de Defesa da Mulher, Dulcielly Nóbrega, os dados indicam uma cultura de objetificação das mulheres.
"Em primeiro momento, precisamos esclarecer que a Lei do Feminicídio é de 2015. Por isso, esse aumento pode ser atribuído a uma maior capitulação das policiais neste tipo de crime. Por outro lado, os números revelam uma profunda desigualdade de gênero existente no país e no nosso caso, no DF. Isso está relacionado a cultura a qual o homem ainda se sente proprietário da mulher, tendo poder sobre ela de vida ou morte. A maior parte dos feminicídios ocorrem quando a mulher decide colocar um fim ao relacionamento", destaca a defensora.
Dulcielly Nóbrega defende também que é preciso ter políticas públicas para a prevenção dos crimes, pois "as medidas após os assassinatos não são suficientes. Precisamos que ocorra um engajamento de toda a comunidade para que a mulher não se sinta culpada e sozinha quando decidir denunciar. As mulheres também precisam se disponibilizar a fazer os formulários de risco. Além disso, precisamos pensar políticas contra a desigualdade de gênero a longo prazo, com ensino nas escolas, como o Maria da Penha vai à Escola."

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