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Comunidade japonesa em Brasília mantém tradição milenar de ano-novo

Mochitsuki chama a atenção pelo aspecto primitivo. O arroz, amassado com um batedor em um pilão de madeira, se transforma no tradicional moti japonês, uma oferenda aos deuses em agradecimento pelo ano que passou e um pedido por realizações na temporada que se inicia

Há 111 anos, a comunidade japonesa dava seus primeiros passos no Brasil. Em 1908, imigrantes chegavam com a perspectiva de trilhar um novo caminho longe de sua terra natal. Os costumes, no entanto, são respeitados há milênios e permanecem sendo cultivados em solo brasileiro.

A ligação entre as duas nações ultrapassa os limites do tempo. Cerca de 2 milhões de descendentes japoneses moram no Brasil ; o equivalente a dois terços da população do Distrito Federal ;, enquanto 200 mil brasileiros vivem na terra do sol nascente atualmente.

Em meio a tantos hábitos diferentes entre os dois povos e tradições para atrair boa sorte no ano-novo, o Mochitsuki chama a atenção pelo aspecto primitivo, em plena modernidade do século XXI. O ritual é espiritualizado e braçal ao mesmo tempo. O arroz, amassado com um batedor em um pilão de madeira, se transforma no tradicional moti japonês, uma oferenda aos deuses em agradecimento pelo ano que passou e um pedido por realizações na temporada que se inicia.


Dezenas de descendentes orientais se reúnem, anualmente, no clube Nipo, no Setor de Clubes Sul, para fazer diversas receitas com o moti e perpetuar a tradição nipônica. ;É uma forma de a gente preservar a cultura japonesa. Assim, continuamos vivendo aquele Japão mais antigo;, conta a aposentada Helena Oki, 65 anos, que participa da celebração há quatro anos com a família.

Pelo menos cinco gerações confraternizam e interagem enquanto produzem o moti, a massa de arroz sagrada. ;Os mais pobres não tinham a oportunidade de comer arroz no Japão. Acontecia raramente. Por isso, era tido como um alimento que continha Deus. Consumiam ao fim do ano para agradecer o que passou e para trazer força e harmonia no ano seguinte;, explica Roberto Fugimoto, presidente do clube Nipo, onde o Mochitsuki é realizado há 10 anos.


Em uma espécie de linha de montagem, o arroz é cozido a vapor em panelas e, depois, colocado em um recipiente de madeira, o ussu. Em seguida, é momento de sovar os grãos com uma marreta. A tarefa é prioritariamente dos jovens, já que exige força. A cada marretada, um pouco d;água é retirada da bacia que fica ao lado para hidratar a madeira, o arroz e dar a liga necessária à massa.

Após ganhar consistência suficiente, é hora de fazer os bolinhos. Centenas deles são enrolados por avós, mães, pais, netos e filhos. Um bocado de farinha e o moti está pronto para ser frito ou grelhado. Há quem goste dele só com molho à base de soja, o shoyu, ou até com feijão doce. O ritual é mais relevante que o preparo. ;As pessoas fazem o moti como uma esperança de que o ano que vem seja melhor. E comer junto é uma festa da comunidade para esperar a boa sorte;, diz o embaixador do Japão no Brasil, Akira Yamada.


Para o japonês Yuraj Sato, 16 anos, em um mundo em que os avanços tecnológicos são constantes e as tradições, cada vez mais, tendem a cair no esquecimento, celebrações como o Mochitsuki servem de elo entre o passado e o futuro. ;Quando morava no Japão, já percebia que muitas pessoas não prestavam mais atenção nessas tradições. O que eu observo, no Brasil, é que jovens e velhos, cuidam mais da cultura japonesa do que as pessoas que moram lá. E isso é importante para unir as pessoas que têm uma cultura em comum;, diz o jovem estudante do ensino médio, que mora em Brasília há quatro anos. ;É tempo de mudança. Tem jovens que não prestam atenção. Mas tem os que prestam. É isso que vai diferenciar cada um e mostrar o futuro da comunidade japonesa;, completa.