[FOTO1]A dor de Willian Anunciação, 40 anos, demonstrava bem a aflição de quem sofria há um mês com sinusite. Quando as dores musculares, o cansaço, a febre e a secreção nasal apareceram, o técnico em informática procurou um hospital na cidade onde mora, Valparaíso (GO). ;Eles me passaram alguns remédios, mas me informaram que era caso de cirurgia, e eu ficaria em espera para ser atendido em Goiânia.; Willian foi a uma unidade de saúde particular, mas a radiografia e o tratamento contra a doença custariam mais de R$ 10 mil. Em busca de uma solução, ele procurou o Hospital de Base do Distrito Federal, mas o chefe de equipe disse que não havia um médico otorrinolaringologista para atendê-lo.
Por último, recorreu ao Hospital Regional da Asa Norte (Hran), onde esperou mais de nove horas, sem sucesso. O drama de Willian é um retrato da situação de muitas pessoas que dependem da rede pública de saúde no Distrito Federal. ;Fizeram a triagem e me deixaram esperando. Essa situação só se repete e é horrível, porque não tem nenhum funcionário para nos comunicar sobre a falta de médicos. Pelo contrário, eles ficam jogando a pessoa de um lado para o outro e não resolvem o problema;, lamentou o técnico em informática.
Os desafios no setor para 2020 são muitos. Para especialistas, priorizar a atenção básica, ampliar o número de leitos nas unidades, investir na formação técnica dos profissionais e melhorar a gestão para evitar a falta de medicamentos devem ser prioridades para o ano que vem. ;É preciso que o Sistema Único de Saúde (SUS) se efetive como a mais importante porta de entrada dos usuários. Essa medida deve ser atrelada ao fortalecimento do controle social e da participação da comunidade, nos serviços diversos;, argumenta Thais Alfaia, professora e mestre em enfermagem do Centro Universitário de Brasília (Uniceub). Segundo ela, o suporte prestado ao público nos hospitais e nas unidades de saúde do DF deixa a desejar. ;Enquanto não se ampliar o acesso e não se permitir a continuidade da assistência, bem como reforçar a atenção primária, a prestação de serviço ainda será deficitária.;
O Correio conversou com algumas pessoas que aguardam cirurgias e enfrentam as longas filas de hospital, assim como Willian. No dia em que a reportagem esteve no Hran, na última quinta-feira à tarde, apenas um clínico geral prestava atendimento, segundo a escala médica disponibilizada pela Secretaria de Saúde. À noite, nenhum profissional estava de plantão, exceto os enfermeiros. De acordo com a pasta, na data, um médico recebia pacientes no pronto-socorro, enquanto outros dois atendiam as pessoas na sala vermelha, destinada a casos graves. O órgão disse que a escala médica do Hran está desatualizada no site e que solicitou a atualização à equipe responsável.
A cuidadora de idosos Elienai Silva, 40, conta que foi informada pela chefe de equipe que só haveria um médico disponível. ;Ela não tinha previsão para sermos atendidos e disse que, talvez, teríamos que retornar no dia seguinte.; Elienai chegou ao Hran às 8h30 sentindo fortes dores de cabeça e no abdômen. ;Estava com calafrio e peguei a pulseira vermelha, de emergência, na esperança de ser atendida rapidamente;, relata. Após 12 horas de espera, não obteve sucesso. ;Isso é uma falta de respeito. Não estamos pedindo um favor para o governo. Somos trabalhadores e pagamos nossos impostos corretamente. Isso é inadmissível. Onde estão nossos direitos?;, questionou.
Barreiras
Demora em atendimentos, infraestrutura deficitária e falta de medicamentos nas farmácias de alto custo são algumas barreiras que a população enfrenta na rede pública. Segundo levantamento da Companhia de Planejamento do DF (Codeplan), de outubro do ano passado, quase 61% dos brasilienses reprovam a qualidade do sistema.
Até a última terça, a reportagem verificou que, dos 426 leitos disponíveis nos hospitais do DF, apenas 33 estavam vagos, 317 estavam ocupados e 72, bloqueados para manutenção. No Hospital Materno-Infantil (Hmib), por exemplo, dos 55 leitos, 45 estavam ocupados, sete bloqueados e três disponíveis. No Hospital de Base, dos 75 leitos, 43 estavam preenchidos e 30, bloqueados.
A espera por cirurgias também é um problema recorrente. Dados da Secretaria de Saúde mostram que, até 28 de novembro, havia 6.690 pessoas na fila de espera. A maioria delas era para procedimentos de otorrino e urologia.
Na semana passada, pacientes que aguardavam por cirurgias de menor risco no Hran, como cardíaca, na cabeça, no pescoço, de urologia, de catarata e de retina, foram desmarcados por um problema no ar-condicionado. Segundo a secretaria, o aparelho não passa por manutenção há seis anos e segue sem previsão de conserto. ;Estamos fazendo o máximo para garantir que o processo para arrumar o equipamento seja efetivado. Contudo, por ser um aparelho antigo, o reparo será de grande porte;, esclareceu, em nota oficial. Ainda de acordo com a pasta, procedimentos de urgência estão sendo feitos normalmente.
Após retirar as duas mamas e esvaziar a axila, em julho deste ano, por conta de um câncer de mama, a monitora escolar Silvia Adriana de Jesus, 45, ainda não conseguiu marcar as sessões de quimioterapia no Hospital Universitário de Brasília (HUB). ;Estou esperando o tratamento há quatro meses. Eles me chamaram para começar as sessões, mas, quando cheguei lá, os médicos falaram que não poderiam iniciar o procedimento por causa do tempo que havia passado. Essa é uma doença que não dá para esperar. Tirei a mama, mas e o que está por dentro? Não tenho como saber. Isso me preocupa.;
Pouca verba
De acordo com o professor de gestão de políticas públicas na área da saúde do Instituto Federal de Brasília (IFB), Danylo Vilaça, o orçamento destinado à saúde (R$ 3,6 milhões, em 2019) é pequeno, o que impacta negativamente na qualidade do serviço. ;Pelo fato de ter pouca verba, a rede pública deixa a desejar na estrutura e no atendimento. Quando se tem dificuldades de orçamento, espera-se que a gestão seja criativa, e isso requer planejamento e investimento na qualificação dos profissionais em nível técnico, o que vai além da ministração de cursos;, enfatiza.
O professor elenca alguns gargalos no setor, que, segundo ele, necessitam de mudanças emergenciais. Entre eles estão a falha de comunicação e a carência de ações de conscientização. ;O usuário que recorre ao hospital de imediato, por exemplo, não sabe que ele pode ir a uma unidade básica de saúde. Isso ocorre porque não há divulgação dos serviços prestados, e o paciente acaba se perdendo;, argumenta.
Danylo também cita a incidência da dengue como problema a ser sanado no DF. ;Neste ano, tivemos um alto índice de óbitos em decorrência da doença. Implementar um plano operacional de emergência que vise combater a epidemia é essencial para preservar a vida. Ao sensibilizar a população sobre os métodos de evitar o mosquito, há um grande impacto positivo;, frisa.
O DF conta com 172 unidades básicas de saúde (UBS) e 16 hospitais. De acordo com a Secretaria de Saúde, para 2020, estão previstos quatro novos hospitais: o Hospital Oncológico de Brasília, o Complexo Hospitalar do Guará e mais duas unidades de saúde em Ceilândia; uma é o Hospital Geral e a outras é o Hospital Materno-infantil. Além disso, está em andamento a construção de outras quatro UBS: na Fercal, no Recanto das Emas, no Riacho Fundo e em Samambaia.
Medicamentos
A escassez de medicamentos está entre os problemas no setor. Até sexta passada, faltavam 106 remédios nas três redes de distribuição: na Estação 102 Sul do metrô, na Praça do Cidadão, em Ceilândia, e no Gama. Medicamentos como o Alfaepotina, usado para anemia, o Betainterferona (esclerose múltipla) e o Citalopram (antidepressivo) não constavam do estoque.
A Secretaria de Saúde informou que todos os medicamentos estão com processo de compra regular ou emergencial e que os fatores que interferem no abastecimento dos estoques são: muitas etapas a serem cumpridas no processo da aquisição; falta de matéria-prima nas indústrias; e fornecedores que não cumprem obrigação de entrega; entre outros.
Para saber mais
Metas para o Iges-DF
O Instituto de Gestão Estratégica de Saúde do Distrito Federal (Iges-DF) é uma das apostas do governo Ibaneis Rocha (MDB) para solucionar os impasses enfrentados pelos brasilienses na rede pública. Em cerimônia nesta quarta-feira (18/12), a direção da entidade apresentou as metas para 2020, que incluem reformas no Hospital de Base e a construção de sete unidades de pronto-atendimento (UPAs) ; nas regiões de Brazlândia, Ceilândia, Gama, Planaltina, Paranoá, Riacho Fundo II e Vicente Pires. Entre os objetivos para o ano que vem também estão a ampliação dos serviços oncológicos, a implementação do novo prontuário eletrônico, a reestruturação da unidade de psiquiatria, a reforma de Bloco de Emergência do Hospital de Base. O Projeto de Lei n; 748/2019 que viabiliza a implantação das sete UPAs já foi aprovado.
O Iges-DF foi estabelecido em fevereiro deste ano, a partir da ampliação do modelo do antigo Instituto Hospital de Base, criado em 2017, ainda na gestão de Rodrigo Rollemberg (PSB). A entidade é responsável por gerenciar o Hospital de Base, o Hospital Regional de Santa Maria e seis UPAs.
Lista de espera por cirurgias*
Otorrinolaringologia: 3.092
Urologia: 968
Cabeça e Pescoço: 917
Oftalmologia ; Retina: 734
Oftalmologia ; Pterígio e Calázio (retirada de tumores benignos): 273
Procedimentos Endovasculares: 227
Oftalmologia ; Catarata: 155
Ginecologia Oncológica: 150
*Até 28 de novembro de 2019