Em um ano repleto de discussões sobre legislação trabalhista, alguns direitos básicos seguem negligenciados. Mesmo 131 anos após a Lei Áurea, que definiu a libertação dos escravos no Brasil em 1888, a prática persiste no país. Segundo Cecília Amália Santos, procuradora da 10; Região do Ministério Público do Trabalho (MPT), regiões que exploram açaí, castanha, soja e criação de gado ainda registram casos de mão de obra não remunerada. ;Quando você vê que, assinada a Lei Áurea, teve a liberdade e nenhuma política de inserção de pessoas negras no mercado de trabalho, percebe-se que a marginalização do povo negro foi uma escolha do Estado;, avalia a procuradora.
Para ela, ações afirmativas, como criação de cotas em empregos, são maneiras de reparar os anos de exclusão dessa população. As declarações foram dadas ontem durante o programa CB.Poder, parceria do Correio Braziliense com a TV Brasília.
Uma das áreas em que a senhora trabalhava é relativa à
inclusão de deficientes físicos no mercado. Como a senhora
avalia o movimento do governo para acabar com as cotas para deficientes?
avalia o movimento do governo para acabar com as cotas para deficientes?
O ordenamento jurídico prevê uma cota para inclusão de pessoas com deficiência no mercado de trabalho. Essa política só vale para empresas com mais de 100 empregados. Quando a gente vê um movimento de retirada dessa cota é preocupante, porque nem consegue a implementação total.
Como avalia a situação do trabalho escravo em 2019?
Eu fico lotada em Araguaína, no norte de Tocantins, e essa é uma realidade com que a gente, infelizmente, ainda convive. O que acontece nos últimos anos é um enfraquecimento dos grupos móveis de fiscalização do antigo Ministério do Trabalho e, agora, Ministério da Economia. É uma política que está sendo desmontada, com cortes de recursos. O Brasil é profundo, difícil de chegar. A falta de fiscalização estimula o aumento das ocorrências.
A senhora mencionou que existe vínculo entre o
trabalho infantil e o trabalho escravo.
trabalho infantil e o trabalho escravo.
Sim. Infelizmente, fazem parte do mesmo ciclo de pobreza, porque as pessoas que a gente resgata do trabalho escravo são, normalmente, de baixa escolaridade, que não tiveram acesso à educação, porque trabalham desde meninos e meninas. Então, o ciclo da pobreza nunca quebra.
Há outras cadeias produtivas onde existem sérios problemas
trabalhistas. A senhora poderia mencionar um exemplo?
trabalhistas. A senhora poderia mencionar um exemplo?
Em Tocantins, principalmente o gado e a soja são atividades em que mais há problemas. Geralmente, é onde são abertos novos plantios e pastos, onde é preciso derrubar a mata nativa e fazer cerca, é onde há mais trabalho temporário e escravo. No Pará, a gente tem o ciclo do açaí e o da castanha, também identificados como rota de trabalho escravo.
A senhora trabalha também a questão racial.
Como são as situações de racismo no trabalho?
Como são as situações de racismo no trabalho?
O racismo no Brasil é interessante, porque, em regra, não é declarado. O que a gente percebe no mercado de trabalho são pessoas negras em subempregos, ganhando menos, com maiores dificuldades para alcançar cargos de destaque. Então, o que o Ministério Público do Trabalho tem feito são campanhas, debates e simpósios para conscientizar que as pessoas negras possam exercer todos os cargos aos quais estão preparadas.
Como o negro pode denunciar o racismo no trabalho?
O brasileiro tem mania de naturalizar o racismo com o racismo recreativo, que é aquilo de dizer: ;Eu não fui racista, estava brincando;. É racismo, sim. A diferença da injúria para o racismo é quando a injúria ofende, e o racismo é quando você impede o exercício de direito, que a pessoa entre em um local, que participe de algo. Em ambos os casos, com relação à parte trabalhista, pode procurar o MPT e denunciar.
A senhora também trabalha a questão de gênero. Como está a realidade no Brasil?
As mulheres, em regra, recebem menos do que os homens. Há uma questão de um teto de vidro que impede que as mulheres alcancem os postos de maior destaque do mundo corporativo. Há toda uma questão da construção social que fala do papel da mulher de se dedicar à família, à casa e seria como se fosse algo incompleto, mas também é uma falácia, fruto de preconceito. A mulher tem total condição de se dedicar ao trabalho, assim como em qualquer outro aspecto da vida dela.