Jornal Correio Braziliense

Cidades

Por um lugar na telona

Apaixonada por cinema desde a juventude, a professora da UnB Edileuza Penha virou documentarista após perceber a ausência de mulheres negras no protagonismo de romances

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Foi a indagação sobre a ausência de protagonistas negras no cinema que deu início à carreira da documentarista Edileuza Penha, 55 anos. A hoje também professora na Universidade de Brasília (UnB) é fã da telona desde a juventude, ainda em Vitória (ES). Mas foi no Distrito Federal que decidiu trabalhar diretamente com cinema e ampliar a briga por mais espaços para os negros.

Antes dos anos 80, em uma época que não havia tantas opções para ver filmes, Penha ia do trabalho direto para uma sessão. ;Sempre gostei. Cinema sempre foi meu lugar de refúgio. Sou de uma época em que tinha muito cinema na cidade. Que depois, nos anos 80, foram virando igreja, bingo; Enfim... Decadência total;, lembra.

Com o avançar da idade, a professora passou a fazer parte de movimentos de esquerda e de negros, mas percebeu que eles não abrangiam as lutas das mulheres negras. ;E eu comecei a me questionar, depois de adulta, por que o cinema, como o maior propagador do amor romântico, não nos contempla? Por que nós, mulheres negras, estamos fora das histórias de amor?;

Ainda na militância, Penha se mudou para Brasília, em 2005, para trabalhar com a complementação da lei que estabeleceu a obrigatoriedade do ensino de história e cultura afro-brasileira dentro das disciplinas que já fazem parte das grades curriculares dos ensinos fundamental e médio. O artigo também estabeleceu 20 de novembro como o Dia da Consciência Negra no calendário escolar.

No ano seguinte, uma amiga da professora sugeriu que ela escrevesse um livro sobre a questão racial no cinema e a dificuldade de trabalhar com o assunto em sala de aula. ;Acho que a maior reclamação dos professores é sobre não ter material;, conta.

Na visão da docente, o professor sai da universidade sem o preparo necessário e, quando o assunto são os negros, a situação é ainda pior. ;Se pararmos para pensar, a Lei n; 10. 639 (ensino de história e cultura afro-brasileiras) é de 2003, tem 16 anos, e a UnB, que é a primeira federal a adotar cotas (raciais), até hoje não tem nenhuma disciplina voltada para a questão racial obrigatória;, reclama.

;No entanto, para Libras, que é uma lei de 2012, existe obrigatoriedade na UnB. Eu não estou dizendo que a gente não tem que estudar Libras, a gente tem que estudar, sim. O professor tem que estar preparado para tudo. Lidar com qualquer tipo de deficiência. Mas eu não estou falando de deficiência, e, sim, de mais da metade da população brasileira;, acrescenta.





Carreira de documentarista

Após três volumes do livro Negritude, Cinema e Educação (2006/07/14), Penha começou a receber convites para falar sobre cinema, mas recusava. ;Eu só gostava de cinema. Minha relação com cinema era de só de ir e gostar;, diz.

Mas foi um relato de uma leitora no Pátio Brasil, em 2007, que fez a professora mudar de ideia. ;A moça me disse que tinha enxergado coisa que nunca tinha visto em um filme assistido 50 vezes. Ela disse que chorou tanto que estragou o livro;, relata.

Naquele mesmo dia, Penha voltou a receber um outro convite para falar sobre cinema e quase recusou como fez em outras diversas oportunidades. ;Mas eu pensei que não podia ouvir o que tinha escutado e me fingir de morta. Foi isso que me levou a estudar cinema;, afirma ela que, em seguida, fez mestrado e doutorado na área.

No doutorado, foi para Cuba estudar documentário e, então, produziu o que é considerado por ela o primeiro trabalho profissional: Mulheres de Barro. ;Desde sempre, eu não queria mostrar história de dor. Ouvir mulheres negras e mais velhas, sobretudo, é ouvir muitas histórias de dor. Mas eu acho que tem muita dor no mundo. Eu quero falar de amor. Esse é o lugar no cinema que eu tenho buscado e que eu quero no cinema. Eu quero falar dos meus, mas quero falar de amor;, conta.

Edileuza lançará em breve o 6; documentário da carreira, que contará a história de mulheres que romperam a ;tradição; familiar. ;O documentário Filha de Lavadeira é inspirado em um livro que conta história de mulheres que as mães e as avós foram lavadeiras ou cozinheiras e elas romperam essa predestinação para serem o que quiserem;, antecipa.

Cotas raciais

A professora é defensora das cotas raciais em universidades. ;Quando eu estava na universidade, era eu e mais nove em toda a instituição. Se cota não serve para nada, ela serve para dar visibilidade. Porque é muito importante você ter os seus pares. Em toda minha trajetória na universidade, eu contava (os negros) com as mãos. No mestrado, eu era única; no doutorado, era única. Então, esse lugar de solidão não é bom;, desabafa.

Para a professora, na UnB, o número de estudantes negros ainda é baixo. ;Mas é significativo a gente ver aquela meninada pelos corredores com os seus cabelos, com suas roupas, com o seu jeito;;, diz. ;Nós não queremos a substituição dos negros por brancos. Nós queremos igualdade, estar em todos os lugares;, completa.

A professora defende uma maior visibilidade para os negros e reclama de situações discriminatórias, como ser questionada ao abrir a porta de casa no Plano Piloto ou de alguém perguntar pela professora mesmo com ela em frente ao quadro-negro e com o giz na mão. ;As pessoas enxergam que aquele corpo não pode ser dono da casa ou professor.;

;O Brasil é um dos países mais racistas do mundo. A desigualdade nesse país tem cor. Assim como tem gênero. São as mulheres negras e mais pobres;, afirma. No entanto, ela vê boas perspectivas para o futuro e uma mudança. ;Eu acho que tem jeito. Que a geração dos meus filhos e dos meus netos vão desfrutar de um outro país;, acredita.


Especial
Para marcar o Mês da Consciência Negra, a série Histórias de consciência é publicada ao longo de novembro e presta homenagem a mulheres e homens negros que ajudam a construir uma Brasília justa, tolerante e plural. Todos os perfis deste especial e outras matérias sobre o tema podem ser lidos no site www.correiobraziliense.com.br/ historiasdeconsciencia