Com as tranças azuis, roupas estampadas e brincos grandes, dificilmente a estudante de economia da Universidade de Brasília (UnB) Luísa Abreu, 19 anos, passa despercebida. Repetidas vezes, ao entrar com a mãe e os irmãos em shoppings, é seguida por seguranças e precisa abrir a bolsa para provar que não roubou nada. Aos 12 anos, ela se descobriu negra, depois do primeiro episódio de racismo em Ceilândia, onde mora. ;Passei na frente de uma casa, onde tinha uma menina na janela. Ela começou a gritar, falando: ;Nega do cabelo ruim, do nariz enorme;. Eu fiquei tão assustada e com medo que paralisei;, lembra. Luísa voltou para casa chorando. ;Fiquei com vergonha e não entendia o porquê de ela ter me tratado daquela forma.;
Nas escolas, também ouvia ofensas de colegas. Ao perceber que a irmã mais nova passava por situações semelhantes, decidiu inaugurar um canal no YouTube. ;Quando eu tinha 15 anos e a minha irmã, 13, ela reclamou que queria sentar na cadeira da frente da sala, mas colegas e professores não deixavam por ela ter o cabelo muito volumoso;, recorda. Para incentivá-la a aceitar a aparência, Luísa produz vídeos promovendo a autoestima. Quatro anos mais tarde, ela coleciona 162 mil seguidores em três redes sociais. ;O meu objetivo maior foi cumprido, mas quero que as próximas gerações também vejam que existe a beleza negra.;
Após concluir o ensino médio em uma escola pública de Ceilândia, Luísa ingressou na UnB. ;Sou a única preta do meu semestre;, lamenta. Dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), divulgados neste mês, mostram que, da população preta e parda do Brasil de 18 a 24 anos, 55,6% estão nas universidades públicas ; em 2016, eram 50,5%. Enquanto isso, 78,8% brancos da mesma faixa etária frequenta instituições de nível superior.
Jhonathan Hebert, 19, aluno de administração da UnB, critica a falta de diversidade, mas acredita que, aos poucos, ocorrem avanços. ;Vemos uma universidade diferente de anos atrás. Estamos caminhando. Não está perfeito, mas estamos indo;, analisa o jovem, que destaca a política de cotas. Ele também vivenciou experiências tristes. ;No meu primeiro estágio, depois de me apresentar, um cara falou que eu parecia com os bandidos do bairro dele;, recorda. Jhonathan usa moda e arte para mostrar talento. Desenvolveu a marca de roupas Krant e criou o evento cultural Truvart, focado na periferia. No dia da festa, músicos, grafiteiros, rappers e tatuadores reforçam o movimento negro da cidade.
Políticas públicas
No Distrito Federal, a Subsecretaria de Política de Direitos Humanos e de Igualdade Racial coordena políticas públicas para negros. O subsecretário Juvenal Araújo afirma que está em estudo um projeto que reserva 20% das vagas de estágio em órgãos do GDF para esses cidadãos, o mesmo percentual de órgãos federais. Além disso, a pasta criou a Feira do Afroempreendedor. Ela ocorre uma vez por mês, no anexo do Palácio do Buriti.
Juvenal reforça a necessidade da aplicação da Lei n; 10.639/2003, que obriga a inclusão da temática História e cultura afro-brasileira no currículo oficial da rede de ensino. ;A luta contra o racismo não é só da pessoa discriminada. É uma luta de toda a população. É um compromisso de todo cidadão brasileiro para que essa desigualdade possa cessar. É inadmissível que, em pleno século 21, as pessoas sejam discriminadas pela cor da pele;, avalia.