Gosto de puxar conversa com os motoristas de táxi, pois eles circulam o tempo todo, ficam de orelhão ligado, são muito bem informados. Às vezes, o papo envereda rumo a questões pra lá de Marrakech. Ontem, fui fazer um exame em um hospital, tomei um táxi de volta e a conversa resvalou no Uber e esticou.
; O senhor trabalha há quanto tempo no táxi?
; Há 45 anos. Agora, o trabalho diminuiu por causa do Uber.
; Mas o Uber está dando emprego para muita gente nesta época de recessão.
; É verdade, você tem razão, as pessoas que não têm nenhuma perspectiva pelo menos sobrevivem até a situação melhorar.
; Então, qual é o problema?
; O problema é que as pessoas que trabalham para o Uber são espoliadas. Veja bem: os motoristas entregam 25% de tudo o que ganham para o aplicativo.
; Não tem motorista que está satisfeito no Uber?
; Eu tenho colegas que deixaram o táxi e voltaram. E também outros que continuam no Uber e gostam.
; Mas as pessoas gostam de usar o Uber e pagar uma corrida mais barata. A competição não é boa para o cliente?
; Claro, isso conta, principalmente com a crise econômica. Mas é preciso também pensar nas consequências para os trabalhadores. Um motorista de Uber não tem a menor perspectiva de vida. É quase uma volta à escravidão.
; Por quê?
; Não pode fazer a manutenção do carro, não pode fazer nenhum plano de vida e, quando envelhecer, está no sal. Só vive o hoje. A Uber não paga nada para a aposentadoria. O motorista fica desamparado.
; Não pensa em se aposentar algum dia?
; Claro que penso, mas até agora não foi possível. Um dirigente nosso pediu isenção de pagamento do INSS para os taxistas. Foi um tiro no pé. Ficou um buraco de vários anos na contribuição, e a gente vai se aposentar mais tarde.
; Como assim?
; Meu amigo, tenho um colega taxista que tem 81 anos e não pode se aposentar, continua trabalhando. Vai fazer o quê?
; Sim, o que deveria ser feito?
; O governo deveria exigir que o Uber pagasse os direitos dos motoristas. Mas, agora, esse ministro da Economia quer cobrar até impostos de desempregados. É ou não é uma covardia?