[FOTO1]A poesia perpassa pela vida do ceilandense Fabrício Hundou em todos os aspectos. Como ele mesmo define, o poeta ;vai muito além da escrita;. Por isso, em uma rápida conversa com ele, é fácil perceber como realmente não é preciso de uma linguagem escrita para expressar um texto lírico. Ao ser questionado sobre a idade, Fabrício diz que prefere dizer que nasceu em 21 de dezembro, na ;cúspide/transição entre Sagitário para Capricórnio;.
E é assim que o jovem poeta vê a vida, com bastante espiritualidade, misticismo e sem deixar a negritude e os referenciais indígenas de lado. ;Meu modo Maria-passa-na-frente; Exu sinaleiro; Ogum é meu guidom; Oxum apitando lírica;, diz uma de suas poesias. Os versos são publicados, basicamente, em redes sociais. Mas o projeto de um livro está a caminho. ;Quero lançar ano que vem pela editora da Tatiana Nascimento ; Padê editorial ;, que é uma editora dedicada a livros de pessoas negras e LGBTs, de Brasília;, explica.
O talento de Fabrício despertou cedo. Ele lembra que tudo começou quando entrou para a Ação Social Criança Feliz, em Ceilândia, com apenas 11 anos. ;Aos 14, eu comecei a escrever. Na época, contos. A poesia veio mais tarde;, afirma. Para isso acontecer, ele recorda que foi essencial o convívio com duas professoras. ;Nunca tive contato com a literatura hegemônica branca. Tive uma professora negra no ensino fundamental e outra no ensino médio que me apresentaram a literatura africana. Também comecei a ter mais vivência com as religiões, a ampliar meus acessos aos Orixás.;
Tempos mais tarde, entrou para a Universidade de Brasília (UnB), onde cursou terapia ocupacional. Lá, o repertório artístico foi ampliado. ;Era despercebida essa força, e isso consegui resgatar na UnB, participando de rodas de gênero, raça e sexualidade;, lembra. Hoje, além de poeta, Fabrício trabalha com projetos gráficos e fotográficos, e é terapeuta ocupacional atuante, com trabalhos com deficiência física e cognitiva, em que utiliza a habilidade artística para trabalhar corpo e expressão e a subjetividade da pessoa negra com deficiência. ;Eu tenho múltiplas habilidades, acho que não conseguiria ser só poeta;, conta.
Engajamento
Orgulhoso de ser de periferia, Fabrício ressalta que Brasília está cheia de gente talentosa para a poesia. ;Tem agrupamentos incríveis, sobretudo periféricos. Existe um potencial enorme;, destaca. Em Ceilândia, o poeta fundou, junto a amigos, a Casa de Cultura Akotirene, voltada para o público LGBTQI e para pessoas negras.
Para ele, falar de consciência negra é extremamente essencial. ;É um marco importante que a gente precisa discutir. Pessoas brancas precisam falar sobre seus privilégios. Nós, como indivíduos, não necessariamente precisamos ter consolidada essa ideia de negritude. Tudo tem seu tempo;, reflete. Este ano, Fabrício venceu na Justiça uma batalha de dois anos motivada por uma injúria racial. ;Fui discriminado no Facebook, movi ação pelo MPF (Ministério Público Federal), instâncias criminal e cível;, detalha.
Todas essas questões estão presentes nos versos dele. ;É preciso mostrar nossas múltiplas vivências. A literatura não precisa ser homogênea. Eu falo de tudo sob um ponto de vista negro;, explica. Mas a vida de poeta não é fácil. ;Existe preconceito com o artista de maneira geral, enquanto profissional. Artistas precisam sobreviver, existe uma deslegitimação;, lamenta.
Diversidade nos livros
A iniciativa é um coletivo, fundado por Tatiana Nascimento (DF) e Bárbara Esmenia (SP), com o intuito de publicar livros artesanais de autoras negras, periféricas, lésbicas, travestis, pessoas trans e bissexuais em tiragem pequena. Saiba mais no site pade.lgbt
Cultura e empoderamento
Fundada inicialmente como Casa Ipê, a Casa Akotirene, como explica Fabrício, é fruto da residência artística. ;Tínhamos a Trupe Casa Ipê ; projeto musical com Daniela Vieira (musicista) e Fernanda Fontoura (psicodramatista e musicista).; Conheça o projeto em: www.instagram.com/casa.akotirene.
Conheça um pouco da poesia de Fabrício
Especial
Para marcar o Mês da Consciência Negra, a série Histórias de consciência é publicada ao longo de novembro e presta homenagem a mulheres e homens negros que ajudam a construir uma Brasília justa, tolerante e plural. Todos os perfis deste especial e outras matérias sobre o tema podem ser lidos no site www.correiobraziliense.com.br/historiasdeconsciencia