Alan Rios
postado em 14/11/2019 06:00
[FOTO1]Debater Brasília é um desafio. Com seus 59 anos, a cidade ainda é nova, recebe pessoas e culturas de diferentes lugares do país e apresenta problemas e potencialidades de uma grande metrópole que se expandiu para além do planejamento inicial. A desigualdade, para especialistas, fragmenta ainda mais a discussão. Quem vive fora do Plano Piloto reclama que a capital não é aquela antes idealizada como um sonho e pede mudanças, como Ágata Carvalho, 18 anos, moradora de Vicente Pires.
;Sinto que as regiões administrativas são deixadas de lado nas políticas públicas, desde o começo. Várias cidades ficam sem investimentos e precisam ter mais recursos, principalmente nas localidades com mais comércios, como Taguatinga Centro, onde trabalho. Lá, não têm calçadas boas para pedestres, o transporte público precisa melhorar muito, e a saúde é precária. E há uma dificuldade maior ainda para quem tem deficiências físicas e intelectuais, então acaba excluindo muita gente dos direitos;, considera a jovem.
Esses e outros diversos temas da Brasília ideal e real são discutidos em uma publicação que será lançada nesta quinta-feira (14/11). O livro Território e Sociedade: as múltiplas faces da Brasília metropolitana, da Editora UnB, reúne trabalhos multidisciplinares de professores da Universidade de Brasília (UnB), em diferentes áreas, para debater e apresentar novas visões sobre o Distrito Federal. Organizada sob a liderança de Aldo Paviani, geógrafo e professor emérito da UnB, a obra integra a Coleção Brasília, que conta com outras nove coleções.
Para Aldo, os escritos são importantes para a construção de políticas públicas que diminuam os gargalos. ;Temos mais de 300 mil pessoas desempregadas no DF, e não é culpa de um governo em específico, é um número que sempre cresceu. Também levamos em consideração que o Plano Piloto retém 43% das oportunidades de emprego, com apenas 7% da população total da capital. As 33 outras regiões administrativas têm mais de 50% dos empregos, mas com salários baixos;, analisa.
Entorno
Além dessa centralização de oportunidades no Plano Piloto, é difícil administrar o fluxo de pessoas que vêm de fora do DF. ;Temos 12 municípios que as pessoas chamam de Entorno e têm grande interação conosco. Os moradores de lá trabalham aqui, compram em Brasília, vão aos hospitais daqui. São 130 mil pessoas, todos os dias, fazendo essa rota, então é importante analisar a metrópole de Brasília como um todo.;
É fácil encontrar exemplos que se encaixam nas falas do pesquisador. Tatiane Dantas, 23 anos, vive Luziânia e acredita que a capital precisa ser analisada e repensada em diversos aspectos públicos. ;Percorro uma distância de 140 km diariamente para ir ao trabalho e voltar para casa. Para piorar, o transporte público é precário, o que dificulta muito. Mas não temos opções, por causa dessa centralização de empregos;, diz a consultora de RH.
Um dos organizadores do livro, Sérgio Jatobá, docente de arquitetura da UnB, diz que a obra leva em conta esses gritos da sociedade para buscar novas discussões e ações. ;O livro lembra o discurso utópico e bonito do começo de Brasília, de cidade unitária, mas observa que a realidade se mostra multifacetada e fragmentada. Ou seja, é algo que se dispersa. Então, temos que construir políticas que não se dispersam, mantendo as identidades de cada local, com um governo comprometido a atender cada um na sua necessidade e uma sociedade comprometida a reivindicar suas necessidades.; Toda essa mistura cria uma identidade própria, acreditam alguns moradores.
Matheus Nunes, 23, por exemplo, opina que o DF construiu uma personalidade a partir dessa mescla. ;Acho que já é um local com uma identidade, que é a cultura bastante misturada e eclética. Aqui, a gente vive um pouco de cada lugar do Brasil, dá para perceber isso claramente nas regiões;, diz o estudante, morador do Recanto das Emas. O livro tem ainda a proposta de levar o conhecimento acadêmico para fora dos muros da universidade, chegando até essa população que tem seus anseios e visões múltiplas, como explica Leides Moura, doutora em ciência da saúde e professora da UnB.
;A obra é resultado de um diálogo não só da academia consigo mesma, mas com organizações não governamentais, lideranças que representam ações públicas. Isso foi algo original e inédito, de não trabalhar uma obra a partir só dos nossos conhecimentos baseados em evidências acadêmicas, mas dialogando com pessoas. É uma pesquisa de muitas mãos, com geógrafos, demógrafos, historiadores, enfermeiros, urbanistas, economistas e mais. Então é bastante multidisciplinar e interessante em diferentes aspectos;, conclui Leides, uma dos organizadores do livro.
Três perguntas para Ana Maria Nogales, professora Departamento de Estatística da UnB e uma dos organizadores do livro:
Qual é o ponto central das discussões da obra?
O livro parte do princípio de que Brasília não é uma só, tem uma diversidade muito grande e uma desigualdade enorme. Temos parte da população com acesso a serviços de qualidade, enquanto grande parte que vive nas áreas mais periféricas não tem esse acesso. Então, temos diferentes dinâmicas demográficas e sociais. No futuro, se nós não fizermos uma intervenção com políticas públicas, vamos ter um fosso que se aprofunda.
Por que o livro fala em uma Brasília fragmentada?
Muitas vezes, vivemos sem conhecer nosso território, mas isso é muito importante. Muitos que moram no Plano Piloto não conhecem o DF e a área metropolitana como um todo. Vimos que muitos dos que vivem na periferia não têm ideia de como é viver no Plano Piloto. Essa diversidade é o que o livro traz e permitirá outras reflexões sobre a área metropolitana e seus desafios. É uma reflexão que faz com que a gente se conheça melhor. Quais os nossos desafios, caminhos que temos para trilhar e onde podemos trabalhar mais.
Quais são as principais dificuldades de traçar um perfil de Brasília?
Temos muitas diversidades, principalmente porque tivemos pessoas de várias partes do país vindo para Brasília. Temos ainda o Plano Piloto como uma região muito rica, com representação de vários países, e cidades que pulsam, dinâmicas, fora desse centro, nas regiões administrativas. Em vários locais, Brasília tem ainda culturas diferentes, nordestinas, goianas, mineiras e outras. O livro busca trazer essa diversidade e se reconhecer na cidade em que a gente habita, tentar buscar uma certa identidade.
Serviço
Lançamento do livro Território e Sociedade: as múltiplas faces da Brasília metropolitana
14 de novembro (quinta-feira), às 15h30
Auditório da Reitoria da UnB