Jornal Correio Braziliense

Cidades

Transformações coletivas

A família de Richard Santos ; o mais velho de um casal de filhos ; é formada pela miscigenação, como é típico no Brasil: tem raízes no continente africano misturadas a portugueses e indígenas. Enquanto a mãe dele mora na Alemanha, os dois filhos, de 25 e 22 anos, vivem em São Paulo. O professor e a mulher, Maria do Carmo, também doutora e professora de direito, vivem em Porto Seguro. ;(Ficar afastado dos filhos) não é uma coisa tranquila. Ficamos preocupados com meninos negros em uma cidade grande como São Paulo. Essa é uma preocupação constante das famílias negras, independentemente da idade dos filhos. Minha mãe tem a mesma preocupação comigo;, diz.

O caminho de Richard e Maria do Carmo até a Universidade Federal do Sul da Bahia (UFSB) não foi dos mais tranquilos. Quando ainda moravam em Brasília e logo após concluírem o doutorado, o casal ficou desempregado. Eles trabalhavam em órgãos vinculados à Organização das Nações Unidas (ONU). Depois de decidirem prestar concurso, ambos passaram em primeiro lugar para o cargo de professor da instituição de ensino superior, mas ainda não haviam sido chamados. ;Estávamos sem qualquer tipo de perspectiva;, comenta Richard.

Nesse intervalo de um ano e quatro meses, precisaram se sustentar com dinheiro da poupança, além de contarem com a ajuda de amigos e familiares. ;Nossas conquistas são coletivas. Só conseguimos uma poupança porque houve um movimento de suporte e apoio.; Após receberem uma ligação da universidade, descobriram que, finalmente, poderiam tomar posse. ;Ligaram em uma sexta-feira. Tínhamos 15 dias para ir. Na segunda-feira seguinte, às 9h, estávamos na porta da reitoria para assinar (o termo de posse). Foram 1,6 mil quilômetros até Porto Seguro, em uma estrada com assaltos. Nossos títulos, necessários para a posse, estavam em duas mochilas que levávamos embaixo do banco. Se acontecesse qualquer coisa, elas eram nosso futuro;, conta.

Fragilidade
O pesquisador avalia que as oportunidades para negros ainda são mínimas e isso impede que boa parte dessa população consiga deixar de ser alvo de desigualdades. O problema também se revela no ambiente acadêmico: ;Ser professor negro em uma universidade eurocêntrica e branca, mesmo que ela se queira desconstruída, é ser cercado de desconfianças, ainda que meus colegas tenham me recebido muito bem. Mas os sujeitos que formam a instituição, em sua maioria, são brancos. Não há pluralidade na universidade. Você tem reflexos da formação social excludente, racista e branca que temos em qualquer outra universidade;, pontua.

Richard critica, ainda, a inversão da pirâmide do processo educacional. Ele observa que alunos de colégios particulares são preparados para entrar em universidades públicas, enquanto estudantes de escolas públicas pensam em meios que os permitirão ingressar em instituições particulares. O processo de mudança dessa realidade depende de transformações coletivas, enfatiza o professor. ;Existe um projeto de poder hegemônico que impera no Brasil há 500 anos. Aqui e na América Latina, só teremos mudança quando desenvolvermos capacidades plurais, que reflitam a formação social dos povos;, destaca.

Em todos os lugares onde viveu, o professor observou a mesma situação da população negra, afetada por ;fragilidade, subalternização e alijamento;. Por outro lado, em cidades como Porto Seguro, ele percebe um legado de luta e sobrevivência. ;Se não fosse isso, teríamos a conclusão de um processo de embranquecimento e extermínio dessa população indesejada. É indesejada à esquerda, à direita, ao centro;, analisa. ;Minha preocupação durante toda minha trajetória acadêmica é escrever sobre ou a partir de meu lugar. Quando entramos nesses espaços de poder, não podemos simplesmente reproduzir os saberes de conhecimentos legados por aqueles que nos subalternizaram.;




Especial
Para marcar o Mês da Consciência Negra, a série Histórias de consciência é publicada ao longo de novembro e presta homenagem a mulheres e homens negros que ajudam a construir uma Brasília justa, tolerante e plural. Todos os perfis deste especial e outras matérias sobre o tema podem ser lidos no site www.correiobraziliense.com.br/historiasdeconsciencia.