O vestido amarelo balança enquanto Alice Barroso, 4 anos, corre de um lado para o outro. A menina que chuta bola, pula na mesa e brinca de boneca tem energia de sobra. Quem a vê, espoleta, não imagina que, desde que tinha 1 ano e 3 meses, ela luta contra um câncer. Apenas a cicatriz na cabeça, onde os cabelos raspados começam a apontar, dão indícios de que aquela é uma jovem lutadora.
A mãe, Marcela Barroso, 36, conta que em 2016, os médicos identificaram um tumor renal na menina. A família, moradora do estado de Roraima, veio a Brasília em busca de tratamento. Foi necessária uma cirurgia para retirada de um dos rins, além de rádio e quimioterapia. Depois de um ano e meio, no entanto, uma surpresa desagradável: o surgimento de um tumor no crânio.
Todo o tratamento recomeçou. ;Essa doença não permite segurança ou estabilidade emocional. Você planeja a vida, mas, de repente, vê tudo indo por água abaixo quando ela volta;, lamenta Marcela. Há um mês, Alice foi liberada pelos médicos da quimioterapia. Mesmo assim, a volta definitiva para casa ainda não é possível. Devido às constantes consultas e exames, mãe e filha chegam a passar meses inteiros no DF.
Sem local para se hospedar, elas receberam ajuda da Abrace, instituição que assiste crianças e adolescentes com câncer no DF. Longe de casa, Marcela também trouxe a filha mais velha, Bianca Barroso, 7, que acompanha a irmã em tudo. ;Ela é supertranquila e companheira. Quando a Alice precisa fazer jejum, a Bianca também faz, em solidariedade;, comenta a mãe das meninas.
Em fase final de acompanhamento, Alice quer fazer tudo o que não tinha como. ;Ela tem vontade de se banhar na piscina, mas, com o acesso no braço, não podia;, relata Marcela. Orgulhosa, a menina mostra a pequena marca roxa no braço, onde ficava a agulha. ;Agora eu só tenho de esperar fechar (a ferida);, comemora.
Garra
Também assistida pela Abrace, Yasmin Goulart, 8, luta contra a leucemia, tipo de câncer no sangue. Moradora do município de Aparecida de Goiânia (GO), a menina tem síndrome de Down e ficou internada tantas vezes que a mãe, Rosinete Goulart, 35 anos, perdeu as contas. ;Saber da doença foi um susto. Você só passa a entender de verdade quando acontece com alguém da família;, confessa.
Para acompanhar a filha, ela deixou o emprego de diarista. Todo mês, Rosinete e Yasmin precisam estar em Brasília para as visitas ao Hospital da Criança e ao Hospital de Base. As passagens variam de cinco a 30 dias. Com o apoio da Abrace, elas conseguiram medicamentos e hospedagem.
A menina é acompanhada por oncologistas, cardiologistas e gastroenterologistas. Mesmo com a rotina diferente, não deixa a vida de criança de lado. ;Ela gosta de brincar. Conversa pouco, do jeito dela, mas gosta de correr;, conta Rosinete. ;O que ela mais quer é comer tudo o que não pode (risos). Por causa da quimioterapia, a flora intestinal dela acabou, e, com isso, desenvolveu intolerância à lactose.;
Nos momentos fora de internação, a tímida Yasmin, que esconde o rosto com as mãos ao ver estranhos, se diverte cantando e assistindo a desenho animado na tevê. Rosinete sonha apenas com a cura. ;Para uma mãe, ver a filha saudável é a melhor coisa. É preciso paciência e garra, porque não é fácil. Querendo ou não, você se afasta do mundo e dos amigos, porque passa muito tempo no hospital;, relata.
Palavra de especialista
A importância de tratar corpo e alma
;A ;medicina baseada em evidências; trouxe muitos resultados. São realidade algumas terapias gênicas personalizadas e mesmo para a cura de várias doenças que, há algum tempo, eram pouco compreendidas. Mas não teríamos esquecido a ;velha medicina;? Aquela iniciada por grandes filósofos e estudiosos do início da história da medicina, a que escutava de verdade os pacientes, acolhia e acalmava, mesmo sem conhecer todo o genoma humano. Agora, precisamos lembrar que, por trás dessas moléculas e átomos, existem seres humanos. Minha jornada como médica, convivendo intensamente com crianças com doenças crônicas graves ; e seus familiares batalhadores ;, tem me proporcionado um grande aprendizado: o da empatia.
Apesar de ser difícil mensurar, do ponto de vista técnico, é nítida a transformação. O equilíbrio entre a ciência avançada e o cuidado humanizado, centrado no paciente, traz benefícios a todos. São vidas mais suaves, pacientes tratados no corpo e acolhidos na alma e profissionais da saúde tratando a doença sem esquecer de cuidar do ser humano que a abriga.;
Luciana de Freitas Velloso Monte, professora de pediatria do curso de medicina da Universidade Católica de Brasília (UCB), coordenadora da pneumologia pediátrica do HCB e mestre em ciências da saúde