Jornal Correio Braziliense

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Crônica da Cidade

Shiii! Música no carro? Só baixinho

Em tempos de angústia como estes em que vivemos, tenho alguns rituais que me salvam do abismo da tristeza. Tomo uma taça de vinho; compro um vaso de orquídea, suculenta ou cacto ; este ano a soleira da janela do meu apartamento está bastante colorida, não por acaso ;; e, a caminho do trabalho ou de volta para casa, escolho uma das minhas músicas favoritas, aumento (e muito, muito mesmo o volume). Tento seguir a letra como se fosse cantora profissional, a plenos pulmões, sem me preocupar com o que o condutor do lado está pensando.

Mas esta semana uma luz vermelha se acendeu. Numa reunião de trabalho com dois policiais militares, não sei porque cargas d;água, em algum momento um deles comentou sobre multas para condutores que escutam música alta no veículo. Ajeitei-me na cadeira e quis saber mais detalhes dessa proibição.

;Mas isso não vale para quem está circulando, vale?; A resposta foi um balde de água fria nas minhas esperanças. ;Sim;, respondeu o policial de alta patente. Como o tema da reunião não era esse, não pude aprofundar a conversa.

Por volta das 18h30 de ontem, perto de voltar para casa e dar um pontapé no fim de semana de folga, cantarolando baixinho Bella Ciao, tema da série La Casa de Papel, já fazendo planos para a playlist da volta para casa, a dúvida da proibição do Código Brasileiro de Trânsito começou a martelar na minha cabeça.

Ao mesmo tempo em que a incerteza corroía meus pensamentos, experimentava a sensação boa de, logo cedinho, ter encontrado forças em We will rock you, do Queen, para começar a sexta. Na volta do almoço, foi a vez de Marisa Monte e Julieta Venegas, com Ilusion, espantarem a moleza e o mal-estar do calor. Não poderia ir para casa sem respostas. Fiz o que sou treinada para fazer: apurei.

; Tenente-coronel Edvã Sousa, boa noite! Ouvi dizer que escutar música alta no carro, bem alta mesmo, pode dar multa ainda que o condutor esteja circulando. É verdade?

; Sim. Se o agente passar do lado e o volume do som incomodar, e esse incomodar é um conceito subjetivo, o condutor é convidado a baixar o som. E se não atender o pedido, o veículo pode até ser levado para o depósito.

; Lascou-se, pensei! No que o tenente-coronel Edvã continuou a explicar:

; O condutor precisa pensar no seguinte: Até aonde vai o seu direito de escutar a música em volume alto? Isso invade a privacidade do outro de querer ou não ouvir essa música?

Respirei fundo. Faz todo sentido! Agradeci ao policial militar. E agora tenho um problema a ser resolvido. Quando acordar com a sensação de que a humanidade está perdida, que o Brasil não tem jeito, que não quero mais ser jornalista e que sou feliz sendo jornalista (sim, é contraditório, eu sei), o que vou fazer entre o trajeto que me leva ao lar ou ao trabalho que me dê tanto prazer quanto cantar a plenos pulmões, desafinada, uma das minhas canções preferidas? Preciso de sugestões.