Alexandre de Paula
postado em 07/11/2019 06:00
[FOTO1]Provas e documentos analisados pela Polícia Federal reforçam a suspeita de que o Pros adulterou e superfaturou as contas de diversos candidatos nas eleições de 2018. Um relatório da PF encaminhado ao Tribunal Regional Eleitoral (TRE) no Distrito Federal afirma que o material é contundente e indica que houve irregularidade sistêmica na prestação de dados dos concorrentes da legenda em várias unidades da Federação. Em fevereiro, o Correio revelou que 33 candidatos a deputado distrital da sigla, com votação tímida, receberam R$ 5,7 milhões do partido em material gráfico, segundo os registros apresentados pela legenda. Ouvidos pela reportagem, no entanto, parte dos concorrentes nega os valores apresentados pelo Pros. O dinheiro é fruto de recursos públicos dos fundos eleitoral e partidário.
Para concretizar o repasse, o Pros teria utilizado uma brecha na legislação eleitoral que dispensa a apresentação de recibos e notas fiscais quando partidos entregam material gráfico diretamente para o candidato. No Distrito Federal, o gasto médio com os 33 concorrentes destacados no levantamento do Correio foi de R$ 172 mil. No total, eles conquistaram 11,9 mil votos. A fartura foi tanta que eles receberam quase 6 milhões de adesivos, o suficiente para estampar pelo menos três vezes cada automóvel da frota do DF, de 1,7 milhão de veículos.
Os documentos analisados pela PF foram recolhidos em busca e apreensão na sede do partido, no Lago Sul, e na gráfica do Pros, em Planaltina de Goiás. Os mandados foram expedidos pelo desembargador do TRE Telson Ferreira no âmbito do processo de prestação de contas da candidata a distrital Marizete Pereira. Segundo o relatório feito após a análise do material, à qual o Correio teve acesso, os documentos indicam registros de vultosas quantias em doação eleitoral estimada em dinheiro referente a produtos gráficos cuja entrega aos candidatos não pôde ser confirmada.
No relatório, o delegado à frente do inquérito da PF, Manoel da Vieira da Paz Filho, sugere a remessa do material ao Tribunal Superior Eleitoral (TSE) para que a Corte tome ;as providências que julgar necessárias;. As suspeitas passaram a envolver candidatos de outras unidades da Federação. Outra sugestão é a entrega dos documentos para o procurador regional eleitoral para que, ;entendendo, requisite a instauração de tanto quantos inquéritos policiais achar necessário, visando apurar especificamente possíveis falsidades de registro de receitas e despesas nas respectivas prestações de contas eleitorais de cada candidato do Pros no DF, em que visualize possível irregularidade;.
Candidatos ouvidos pela reportagem relatam ter sofrido coação para assinar a prestação de contas supostamente adulterada. É o caso de Adriana Lourenço, 49 anos. Cega, ela diz que assinou a prestação de contas sem saber o conteúdo real. Integrantes do Pros não disponibilizaram a versão digital, que poderia ser ouvida por Adriana por meio de recursos de acessibilidade, tampouco descreveram a íntegra da documentação. Ela teria recebido R$ 154 mil do partido em material gráfico. Teve 190 votos e nega valores tão altos. Também candidata, a datilógrafa Amazônica Brasil, 54, alertou Adriana da possível adulteração. Mas ela diz ter assinado a prestação de contas por medo.
Cartões
Além das transferências de material gráfico, há ;fortes indícios; de desvios de recursos para gastos com pessoal e combustíveis, segundo a PF. Esse tipo de pagamento foi centralizado em cartões de crédito. ;Há informações, ainda em apuração, que indicam que tais pagamentos não ocorreram da forma registrada para as pessoas registradas nas respectivas prestações de contas dos candidatos do Pros, bem como não houve o correspondente pagamento de combustível para os veículos registrados falsamente nas prestações de contas de alguns candidatos;, diz trecho do texto assinado pelo delegado Manoel.
A suposta fraude nos cartões foi levantada pelo secretário nacional de Multiculturalismo e Igualdade Racial da legenda, Edmilson Boa Morte. Ao Correio, ele afirmou que a sigla inflou valores repassados aos candidatos com cartões de crédito, usados sobretudo para bancar as despesas de pessoal e de combustível. O número seria, conforme ele, mais alto do que o valor a que os concorrentes, de fato, tiveram acesso.
Edmilson nega qualquer envolvimento direto com os desvios, mas confirmou o esquema nos cartões e na prestação de contas. Em depoimento à Polícia Federal, ele detalhou que, na maioria dos recibos, constaria o nome e os dados de pessoas que jamais trabalharam nas campanhas eleitorais. Além disso, a maior parte dos candidatos, diz o secretário, não usou os cartões para esse tipo de pagamento. Há também um inquérito aberto para apurar as falhas em âmbito criminal.
Partido nega
Em outubro, o Pros fez reclamação ao Supremo Tribunal Federal (STF) contra a atuação do desembargador que relata o processo de prestação de contas de Marizete Pereira. Segundo a sigla, o desembargador ofendeu a autoridade do STF ao negar acesso a elementos de prova produzidos no processo. O caso está nas mãos do ministro Gilmar Mendes, que pediu informações ao TRE no DF.
Até o fechamento desta edição, o partido não retornou os questionamentos da reportagem. Em nota enviada ao Correio em setembro, a sigla negou todas as irregularidades. ;O Pros reitera que desconhece qualquer atitude de malversação de recursos na campanha eleitoral e continuará aguardando a apuração dos órgãos competentes;, informava o texto.
Para saber mais
Suspeitos nos estados
O suposto esquema de superfaturamento nas prestações de contas de diversos concorrentes do Pros a deputado distrital, nas eleições de 2018, repete-se em estados como São Paulo e Goiás. Em Goiás, chama a atenção o caso de uma concorrente a deputada estadual que ganhou R$ 217 mil do partido em peças de propaganda. A prestação de contas mostra que a concorrente recebeu 1 milhão de santinhos. Apesar disso, conquistou somente 103 votos.
Memória
Denúncia em fevereiro
Em 28 de fevereiro, três dias após a publicação das denúncias no Correio Braziliense, o Ministério Público emitiu parecer questionando os métodos do partido e pedindo apuração rápida do caso à Justiça Eleitoral. O MP fez o posicionamento no processo de prestação de contas de Gilberto Camargos, um dos candidatos ouvidos pelo jornal. Ele se recusou a assinar a prestação de contas produzida pelo Pros. Às pressas, elaborou uma declaração em que justifica o atraso e detalha a suposta tentativa de fraude cometida pelo partido. Com base nas reportagens do Correio e na justificativa de Camargos, o MP, em petição assinada pelo procurador eleitoral José Jairo Gomes, requereu, à época, ao Tribunal Regional Eleitoral (TRE) a oitiva do candidato para esclarecimentos. No mesmo período, o órgão solicitou audiência com Marizete Pereira, cujo processo deu origem ao inquérito da Polícia Federal.
Dados
8.783.729: Número de santinhos impressos
para os 33 candidatos
5.989.812: Quantidade de adesivos
com formato 10cm x 30cm
3.225.156: Quantidade de bótons
41,3 mil: Número de adesivos com formato 40cm x 30cm
11.920: Total de votos conquistados pelos 33 candidatos