Foi por não saber lidar com o término e com um novo relacionamento de Isabella, que Matheus pôs fim ao futuro da jovem e deixou todos os familiares da pedagoga traumatizados. ;Do dia em que a Isabella foi levada até hoje, a nossa vida mudou completamente. Nós não temos mais sossego, eu não tenho mais paz, porque fiquei com medo até de sair ao portão;, relata Rosana Borges de Oliveira, 48, irmã mais velha que esteve presente nos últimos momentos de vida de Isabella Borges, 25, e vivenciou a tragédia embaixo do teto em que mora. ;A última vez que falei com a Isabella, ela estava aqui;, recorda Rosana, apontando para o sofá e com os olhos perdidos no vazio. A vítima foi morta em casa. O ex-namorado Matheus Galheno, 22, cometeu o assassinato, no dia 31 de março, na frente dos filhos gêmeos de 1 ano do casal e, em seguida, tirou a própria vida.
Apesar das mudanças feitas na casa depois da tragédia, Rosana não se conforma. ;Eu sinto que tudo que aconteceu na minha vida antes (da morte de Isabella) foi apagado: problemas de relacionamentos, problemas afetivos, até o financeiro. É como se eu tivesse zerado tudo. Todos os dias eu entro no quarto dela e a vejo em pé, segurando as crianças. Se eu entro onde era a cozinha dela, mesmo hoje sendo um quarto, não adianta, eu olho e vejo uma cozinha com ela ali. Se eu abro o portão é como se ela estivesse perto, pendurando a roupa das crianças: é ela o tempo todo;.
As crianças de Isabella dão força para que a tia e dona de casa lute para superar a dor e o trauma. ;O processo é muito difícil e lento, a gente vai forçando um pouco a natureza, por causa dos gêmeos, né? Eles me ajudam muito a aceitar melhor, basta chegar e olhar para eles;, diz emocionada.
Falar sobre o ocorrido e compartilhar a dor com os familiares também têm ajudado Rosana a lidar com a saudade: ;Na reunião de família, às vezes conversamos sobre o assunto, recordamos lembranças agradáveis. Tenho memórias muito boas, ela me acompanhava em tudo, não me deixava só. Esses dias descobri que o pessoal aqui de casa chora escondido. Eu achava que era só eu, mas a união dá força para a gente;.
A psicóloga Stéphanie Palis Horta Sabarense, especialista em terapia cognitivo-comportamental, conta da importância de a família se ajudar também na dor. Mobilizar uma rede de apoio com pessoas que ajudem a processar a situação e aproximar-se da religião, caso tenha, são essenciais para seguir a vida mais leve. ;Todas as pessoas precisam de uma rede. A terapia psicológica é recomendada em caso de perda, principalmente quando o luto a impede de fazer atividades do dia a dia;, explica. A terapia ensina a controlar os sentimentos mesmo com a dor, como ressignificá-la e diminuí-la.
Para a especialista, grupos de apoio úteis para familiares enlutados são importantes por trabalharem emoções como raiva, ódio, impotência. ;Não é do dia para noite, porque é uma conscientização de que não adianta sentir ódio, pois isso só fará mal para a própria pessoa. Precisamos aceitar e ser resilientes, poucas coisas da vida estão sobre nosso controle total;, aconselha.
Luzileide Pereira, 37, entende a importância da família neste momento. A união dos parentes foi essencial para aguentar a notícia da morte da irmã Genir Pereira, 47, depois de 10 dias desaparecida. ;A gente entendeu que tinha alguma coisa errada, porque ela não sumia, não ficava sem dar notícia de jeito nenhum;. O corpo foi encontrado em uma área de mata entre as regiões do Paranoá e de Planaltina em 12 junho de 2019. O crime ficou sem solução até 26 de agosto, quando o acusado, Marinésio Olinto, que já tinha confessado o assassinato de Letícia Curado, 26, também revelou ter matado Genir.
Assim que a família registrou o desaparecimento da diarista, iniciou-se uma força-tarefa para procurá-la. ;Nós não esperamos, fomos para o mato, andamos todos os 10 dias procurando por ela. Calculamos do local que sumiu para onde poderia estar. Nós não íamos conseguir ficar parados. Eu falei para todos: ;Vamos procurar, mas preparados para qualquer notícia;. Fomos orando. A gente saía cedo de casa para ter mais tempo de andar e só voltava umas sete horas da noite;, relembra.
O pior, infelizmente, aconteceu. Mas a angústia teve fim: ;Eu fiz um culto de ação de graças na minha casa no dia que encontraram o corpo da minha irmã. Tem gente que achou que eu era louca, mas eu pedi tanto a Deus, que mesmo morta, a gente encontrasse ela. Porque tem tantas pessoas que sumiram e nunca apareceram. Eu pedia em oração: Deixa a gente encontrar, deixa a gente enterrar, ela merece;, fala Luzileide, repetindo o tom de súplica do passado.
Genir morava com a irmã Eva Pereira, 43. A caçula, Luzileide, era vizinha de porta das duas. As três sabiam tudo uma da outra. ;A gente tem esse hábito lá em casa. A minha família é unida. A gente se reúne para tudo. Quando alguém tem problema, a gente se senta junto e conversa;, fala orgulhosa. O forte vínculo foi essencial no primeiro momento, e ainda hoje, após quatro meses do ocorrido, mantém todos de pé: ;Eu acho que a união nos deu mais coragem, para superar. Alguém tem que estar de pé para tentar segurar o resto. Nem que depois caia e todo mundo que está em pé, segure. Porque cair, todo mundo ao mesmo tempo, não dá certo;, ri para disfarçar a dor.
Luzileide ainda não sabe quando o sofrimento vai passar, mas acredita que o tempo é o melhor remédio. ;Tem dias que eu sinto a mesma sensação de quando tudo aconteceu, mas já tentei tomar medicação. Remédio não trata. É só o tempo. Eu tenho que me adaptar com essa dor e saber que uma hora ela vai ter que amenizar;, diz esperançosa.
*Estagiárias sob supervisão de José Carlos Vieira