A grande questão dessa eleição e que pode marcar a nova gestão é a quantidade de eleitos com bandeiras religiosas. Pelo menos nove eleitos levam pastor no nome. ;Houve um investimento muito forte de setores religiosos na disputa do Conselho Tutelar esse ano aqui no DF. Mesmo o Brasil sendo um país laico, a laicidade não é respeitada nesses espaços públicos, onde a garantia de direito deveria ser a partir das políticas públicas e não da fé dogmática;, crítica a professora de serviço social da Universidade de Brasília (UnB) Valdeízia Peixoto.
Entre os interesses das igrejas estão as questões de gênero e sexualidade nas escolas. E o movimento foi no Brasil inteiro. Dessa forma, para a professora, é importante que esses novos conselheiros não deixem que a religião interfira no trabalho feito. ;Devemos esperar que o ECA (Estatuto da Criança e do Adolescente) seja o documento que paute o exercício dos conselheiros e não qualquer outro instrumento vinculado à religião, pois esses são importante exclusivamente no espaço privado de culto e não nas instituições públicas estatais;, explica.
Na opinião da candidata eleita Keka Bagno, a mais votada em Brasília, o conselheiro pode ser ligado a uma religião, o que não pode é deixar isso interferir no trabalho feito. ;É importante que sejam pessoas que exerçam ativismo e trabalhos na área da infância e adolescência. Para que a gente previna que o conselho tutelar seja utilizado como instrumento, seja por igrejas ou seja por partidos políticos, para outro tipo de trabalho, como promoção pessoal ou de terceiros;, opina.
Para que haja garantia de que o ECA seja seguido, todos os candidatos foram convidados a assinar um compromisso com o Florescer pela infância, movimento da sociedade cívil pela garantia de direitos de crianças e adolescentes. Mas somente 26 candidatos assumiram o compromisso.
Crianças e adolescentes em primeiro lugar
De acordo com o promotor de Justiça Gustavo Ramos é preciso lembrar que o conselheiro é a porta de entrada para garantia de direitos de crianças e adolescentes. ;Geralmente ele é o primeiro a tomar conhecimento da situação e é responsável por tomar medidas de proteção;, explica.
A mestre em serviço social Valdeízia Peixoto ainda lembra que eles não têm poder de polícia. ;É uma espécie de mediador em conflitos familiares. Deve possuir um conhecimento técnico, social e político das política públicas que asseguram os direitos das crianças e adolescentes;, explica.
O promotor destaca a extrema importância de que essas pessoas sejam parte representativa da sociedade. ;É um órgão formado democraticamente por pessoas da própria região administrativa, que conhecem os conflitos e as necessidades daquela comunidade que ele convive."
A necessidade de ser alguém da comunidade e que conhece os problemas da região, também é ressaltada pelo assessor técnico da Vara da Infância e da Juventude do Distrito Federal (VIJ-DF), Eustáquio Coutinho. "O conselheiro procura resolver as questões de sua competência a partir do contato com as próprias famílias das crianças, com acompanhamento mais próximo. Para o exercício da função, é muito importante que os conselheiros tutelares sejam continuamente capacitados", ressalta. Os eleitos ainda passarão por um curso de formação antes de assumir os cargos.
Desafios são grandes
De acordo com Valdenízia Peixoto, os novos conselheiros terão que lidar com cenários cada vez mais difíceis. ;Os principais desafios são a redução de financiamento para políticas públicas que garantam as liberdades e diversidades humanas e o avanço do conservadorismo em pautas relacionadas ao entendimento do que é família, gênero, sexualidade, drogas. Tratando dessas questões como algo patológico a ser ;curado;. Sem respeito;, enfatiza.
As principais demandas que eles terão que lidar são em relação às vagas de creche, conflitos familiares, evasão escolar e violências como psicológica e sexual. Só nos três primeiros meses de 2019, foram mais de 8 mil novos atendimentos registrados.
Essa alta demanda é outro desafio. A média é de cinco conselheiros por região. O Paranoá, por exemplo, que ano passado registrou 2.212 atendimentos, tem uma média de mais de 400 casos por conselheiro.