A troca de saberes e experiências durante conversas e o sonho de ser professora desde pequena motivou a aposentada Janilce Rodrigues, 57 anos, a dar aula para presidiários do Complexo Penitenciário da Papuda. Durante oito anos a pedagoga ministrou aulas de arte para a comunidade carcerária, e conta que mesmo com o receio, pôde partilhar diferentes experiências. ;No início a gente tem medo de chegar em um lugar daqueles, cercado de grades. Não é muito agradável, mas a gente se acostuma;, fala.
Janilce conta que já passou por situações intimidadoras com os alunos que assistiam suas aulas: ;Eu tinha um aluno que, ao pedir para que se apresentasse, perguntou se eu sabia quantos ele já matou, com uma cara feia. Foi pra assustar mesmo;, lembra. Ela diz que apesar dos alunos tentarem desestimulá-la, entende a situação de muitos e tenta sempre se colocar no lugar. ;Eu não defendo criminoso, não defendo a violência. Mas tem pessoas que não tiveram escolha, que foram criados em ambientes difíceis;, lamenta.
Apesar do medo, a ex-professora recorda que os presidiários sempre a trataram bem. ;Eles respeitam muito o professor pois sabem que não é fácil chegar lá. Eu nunca tive um momento de desrespeito;, fala. Janilce acrescenta que durante o período que deu aula, foi feliz e adquiriu novos aprendizados. ;Foram oito anos de felicidade. Eu fui pra lá ensinar uma coisa, mas aprendi muito mais com eles, como o respeito às diferenças e com o lugar que eu estava;, ressalta.
O início não foi fácil. Janilce fala que uma de suas primeiras turmas era composta de alunos rudes, com grande atraso educacional e sérios problemas de saúde. Ao se deparar com esse cenário a professora decidiu ministrar uma aula lúdica para que os alunos pudessem sentir-se confortáveis: ;Apliquei minhas atividades de artes que costumava aplicar para séries iniciais. Levei lápis de cor, recorte e cola, passei um filme e apresentei textos infantis.; De acordo com a educadora, a experiência foi incrível. ;Eu lembro que um aluno falou que quando era criança, não brincava, pois não tinha como brincar. E isso fez diferença na vida dos estudantes daquela classe;, afirma.
A comunidade carcerária atendida por sistema educacional é escassa. ;A cada semestre muda. A gente tem uma estimativa de que a escola atende 10% da população carcerária;. A educadora reforça que muitos dos alunos presos apresentam deficiência escolar ainda na base do ensino e o ensino no processo de socialização os deia um passo mais perto de um futuro após a libertação: ;A educação transforma o ser. Às vezes a pessoa vive na escuridão, e a educação ilumina o caminho, permite sonhar;, conclui.
Experiência no sistema
Acreditar no poder de mudança e transformação da educação são aspectos que motivaram a educadora a seguir com o projeto. O livro é um caminho para que a ideia possa ser ampliada ;As pessoas precisam ver que dentro do sistema penitenciário há formas da gente transformar as pessoas sim, me ensinou a olhar a pessoa que está ali presa, como uma pessoa que pode ser recuperada, por meio da educação.; Janilce afirma que essa experiência mudou sua forma de enxergar o mundo ;O preconceito se perde. Temos que dar espaço para ouvir do outro a sua história, qual foi seu caminho até chegar nesta situação;.
A educação no Sistema Penitenciário
De acordo com o Departamento Penitenciário Nacional (Depen), das 726 mil pessoas presas em 2018, 89% não completou o ensino fundamental. Além disso, 88% não têm acesso à educação dentro dos presídios. O departamento é responsável pelo desenvolvimento das Políticas de Promoção e Acesso à educação no âmbito do Sistema Prisional, através da Coordenação de Educação, Esporte e Cultura. A garantia de educação permite cumprimento de alternativas penais, monitoração eletrônica.
De acordo com o Depen, o papel da escola pública e dos espaços educativos como estratégia fundamental de combate às desigualdades e promoção da equidade no sistema prisional brasileiro deve ser defendido. As pessoas privadas de liberdade mantêm a titularidade de seus direitos fundamentais, dentre eles à educação, e todas devem ser alcançadas pelas políticas públicas idealizadas e implementadas pelos governos.
Fundo de Apoio à Cultura
Principal instrumento de fomento às atividades artísticas e culturais da Secretaria de Saúde do Distrito Federal, o Fundo de Apoio à Cultura (FAC) oferece apoio financeiro a projetos selecionados por editais públicos. Entre eles, são produzidos filmes, peças de teatro, CDs, DVDs, livros, exposições, oficinas e circulações artísticas em todo o DF.
Estagiárias sob supervisão de